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Art. 2 — Se Cristo também desceu ao inferno dos condenados.

 O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo também desceu ao inferno dos condenados.

1. — Pois, diz a divina Sabedoria: Penetrarei todas as partes inferiores da terra. Ora, entre as partes inferiores da terra também se conta o inferno dos condenados, segundo a Escritura: Entrarão nas profundezas da terra. Logo, Cristo, a sabedoria de Deus, desceu também até ao inferno dos condenados.
 
2. Demais. — Diz Pedro, que Deus ressuscitou a Cristo, soltas as dores do inferno, porquanto era impossível que por este fosse ele retido. Ora, não havia dores no inferno dos Patriarcas, nem também no das crianças, que não sofrem a pena dos sentidos, por causa do pecado atual, mas só a pena do dano, por causa do pecado original. Logo, Cristo desceu ao inferno dos condenados, ou mesmo ao purgatório onde as almas sofrem a pena dos sentidos, por causa dos pecados atuais.
 
3. Demais. — A Escritura diz que Cristo foi pregar aos espíritos que estavam no cárcere, que noutro tempo tinham sido incrédulos. E isso, como o explica Atanásio, se entende da descida de Cristo aos infernos. Pois, diz, que o corpo de Cristo foi deposto no sepulcro, quando se adiantou a pregar aos espíritos que estavam no cárcere, como diz Pedro. Ora, sabemos que os incrédulos estavam no inferno dos condenados. Logo, Cristo desceu ao inferno dos condenados.
 
4. Demais. — Diz Agostinho: Se a Escritura, dizendo que Cristo, depois da sua morte, foi ao seio de Abraão, não quis com isso designar o inferno e as suas dores, admiro-me de quem ousasse afirmar que desceu aos infernos. Mas desde que o inferno e os seus tormentos aí estão designados por um testemunho evidente, nenhuma causa ocorre de crermos que ao inferno desceu o Salvador, senão para livrar os que tais tormentos sofriam. Ora, o lugar dos tormentos é o inferno dos condenados, Logo, Cristo desceu ao inferno dos condenados.
 
5. Demais. — Diz Agostinho, num Sermão sobre a Ressurreição, - que Cristo, descendo aos infernos, libertou todos os justos, que nele estavam encerrados, por causa do pecado original. Ora, entre eles estava também Jó, que diz de si mesmo: Todas as minhas causas desceram ao mais profundo dos infernos. Logo, Cristo também desceu ao profundíssimo dos infernos.
 
Mas, em contrário, diz Jó do inferno dos condenados: Antes que vá para não tornar, para aquela terra tenebrosa e coberta da escuridade da morte, etc. Ora, nenhum comércio pode haver entre a luz e as trevas, diz o Apóstolo. Logo, Cristo, que é luz, não desceu ao interno dos condenados.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos dizer que um ser está num lugar.  Primeiro pelo seu efeito. E, neste sentido, Cristo desceu a cada um dos infernos, mas de, maneiras diferentes. Assim, sobre o inferno dos condenados produziu o efeito de descendo a eles, convencê-las da sua malícia e incredulidade. Quanto aos detidos no purgatório, deu-lhes a esperança de alcançarem a glória. E aos Santos Patriarcas, que só pelo pecado original estavam enclausurados no inferno, infundiu-lhes o lume da glória eterna. - De outro modo, dizemos que um ser está num lugar, pela sua essência. E, neste sentido a alma de Cristo desceu só ao lugar do inferno onde estavam encerrados os justos, a fim de que os interiormente visitados pela graça da sua divindade, a esses também os visitasse localmente a sua alma. Assim, pois, embora não estivesse localmente senão numa parte do inferno, contudo o seu efeito de certo modo derivou para todas as partes dele; como também, tendo sofrido num lugar da terra, libertou todo o mundo com a sua Paixão.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo, a Sabedoria de Deus, penetrou todas as partes inferiores da terra, não percorrendo-as todas, localmente, a sua alma, mas estendendo de certo modo a todas o efeito do seu poder; mas de modo que iluminou só os justos. Assim, o lugar citado continua: E esclarecerei a todos os que esperam no Senhor.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há duas espécies de dor. Uma é a resultante do sofrimento da pena que os homens padecem, pelo pecado atual  segundo aquilo da Escritura: Dores do inferno me cercaram. Outra é a dor resultante da dilatação da glória esperada, conforme o lugar da Escritura: A esperança que se retarda aflige a alma. E essa era a. dor sofrida pelos santos Patriarcas no inferno. E para o significar Agostinho diz, que oravam a Cristo, obscecando-o com lágrimas.  Ora, uma e outra dor Cristo fez cessar, descendo aos infernos, mas de modos diferentes. Assim, solveu as dores das penas, preservando delas, como dizemos que o médico cura a doença da qual nos preserva com o seu remédio. E as dores causadas pela dilatação da glória solveu-as atualmente, dando a glória.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O que diz Pedro, no lugar citado, alguns o referem àdescida de Cristo aos infernos, expondo-o desta maneira: Aos que estavam no cárcere encerrados, isto é, no inferno, em espírito, isto é, quanto àalma, a esse Cristo veio pregar, que foram antes incrédulos. Por isso diz Damasceno: Assim como evangelizou aos que viviam na terra, assim também aos que estavam no inferno; não certo para converter os incrédulos àfé, mas para convencê-los de infidelidade. Pois, não podemos entender por essa pregação senão a manifestação da sua divindade aos encarcerados do inferno pela milagrosa descida de Cristo até eles. - Mas Agostinho expõe melhor, referindo tais palavras, não à descida de Cristo aos infernos, mas a um ato da sua divindade, que exerceu desde o princípio do mundo. Sendo então o sentido: aos que estavam encerrados no cárcere, isto é, vivendo num corpo mortal, que é um como cárcere da alma, a esses adiantou-se a pregar pelo espírito da sua divindade, por inspirações internas e ainda mediante advertências externas pela boca dos justos. A esses, digo, pregou, que outr'ora tinham sido incrédulos, isto é, a Noé que lhes pregou, quando contavam com a paciência de Deus, pela qual diferisse a pena do dilúvio. E por isso Pedro acrescenta: Nos dias de Noé, quando se fabricava a arca.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O seio de Abraão pode ser entendido de dois modos. - Primeiro, pela isenção que nele havia de toda pena sensível. E por aí, nem lhe cabia o nome de inferno, nem nenhumas dores nele haviam. - Noutro sentido podemos considerá-la quando à privação da glória esperada. E então implica a idéia de inferno e de dor. Por isso costumamos chamar seio de Abraão a esse repouso dos bem-aventurados, sem contudo lhe chamar inferno; nem dizemos que houvesse dores no seio de Abraão.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Gregório no mesmo lugar, Jó chama inferno profundíssimo mesmo às partes superiores do inferno. Se, pois, consideradas as alturas do céu, o nosso ar é um inferno caliginoso; considerada a altura desse mesmo ar, a terra, que está na parte inferior, pode ser tomada como um inferno profundo. Quanto, porém à altura mesma da terra, aqueles lugares do inferno, superiores aos demais compartimentos dele, podem ser significados pela denominação, ora usada, de inferno profundíssimo. 
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