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Art. 2 — Se na morte de Cristo a divindade separou-se da carne.

 O segundo discute-se assim. — Parece que na morte de Cristo a divindade separou-se da carne. 

1. — Pois, como refere o Evangelho, o Senhor pendente da cruz exclamou: Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste? O que Ambrósio assim explica: Era o clamor do homem, no momento de morrer, pela separação da divindade; pois, a morte não tendo poder sobre a sua divindade, Cristo não podia morrer senão por ter-se a divindade, que é a vida, separado dele. Por onde parece que na morte de Cristo a divindade se lhe separou da carne.
 
2. Demais. — A remoção do meio separa os extremos. Ora, a divindade está unida àcarne mediante a alma, como se estabeleceu. Por onde parece que, na morte de Cristo, a alma se lhe separou da carne e, por consequência, dela também se separou a divindade.
 
3. Demais. — Maior é o poder vivificador de Deus que o da alma. Ora, o corpo não podia morrer senão pela separação da alma. Logo, com maior razão, não podia senão pela separação da divindade.
 
Mas, em contrário, os atributos da natureza humana não se predicam do Filho de Deus senão por causa da união, como se estabeleceu. Ora, do Filho de Deus se atribui o ser sepulto, que convém ao corpo de Cristo depois da morte. Isso o mostra o símbolo da fé, quando diz: O Filho de Deus foi concebido, nasceu da Virgem, sofreu, foi morto e sepultado. Logo, o corpo de Cristo não se separou, na morte, da sua divindade.
 
SOLUÇÃO. — O que Deus concede por graça nunca nos é tirado senão por nossa culpa. Por isso diz o Apóstolo: Os dons e a vocação de Deus são imutáveis. Ora, muito maior é a graça da união, pela qual a divindade se uniu àcarne na pessoa de Cristo, que a graça da adoção, pela qual os outros são santificados. E também perdura mais, por natureza, porque essa graça se ordena à união pessoal, ao passo que a graça de adoção se ordena a uma união de certo modo afetiva. E, contudo vemos que a graça de adoção nunca é perdida sem culpa. Ora, Cristo não teve nenhum pecado. Logo, era impossível se lhe rompesse a união entre a divindade e a carne. Por onde, assim como antes da morte, a carne de Cristo estava unida, segundo a pessoa e a hipóstase, ao Verbo de Deus, assim lhe permaneceu unida depois da morte. De modo que não fosse uma a hipóstase do Verbo de Deus e outra a da carne de Cristo, depois da morte, como o diz Damasceno.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O abandono referido não respeita àsolução da união pessoal, mas ao fato de Deus Padre fê-lo exposto à Paixão. Assim, abandonar, no lugar citado, não significa senão proteger contra os perseguidores.  Ou Cristo se dizia abandonado, referindo-se ao pedido em que dizia: Pai, se é possível, passe este cálice de mim, como o expõe Agostinho.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que o Verbo de Deus está unido àcarne mediante a alma, porque a carne faz parte, por meio da alma, da natureza humana, que o Filho de Deus pretendia assumir. Não, porém que a alma estivesse unida como um meio termo de ligação. Pois, a carne pertence à natureza humana, em virtude da alma, mesmo depois de separada esta daquela. Porque na carne morta conserva ainda, por ordenação divina, uma certa disposição para a ressurreição. Por isso não desapareceu a união da divindade com a carne.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma tem o poder  de vivificar, como forma. Por onde, enquanto presente ao corpo e com ele unida formalmente, há de ele necessàriamente ser vivo. Ora, a divindade não tem a virtude de vivificar formalmente, mas efetivamente; pois, não pode ser a forma do corpo. Por onde, não é necessário que, enquanto permanece a união da divindade com a carne esta seja viva; porque Deus não age por necessidade, mas voluntariamente. 
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