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Art. 1 — Se devia Cristo transfigurar-se.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devia Cristo transfigurar-se.
 
1. — Pois, não pode um corpo verdadeiro, mas só um corpo fantástico, transformar-se em figuras diversas. Ora, o corpo de Cristo não era fantástico, mas verdadeiro, como se disse. Logo, parece que não devia transfigurar-se.
 
2. Demais. — A figura é a quarta espécie de qualidade; e a glória, sendo uma qualidade sensível, é a terceira. Logo, o ter-se tornado Cristo glorioso não pode ler considerado transfiguração.
 
3. Demais. — Os corpos gloriosos têm os quatro dotes seguintes, como mais adiante se dará: a impassibilidade, a agilidade, a subtileza e a luminosidade. Logo, não devia transfigurar-se tornando-se, antes, glorioso, que revestindo-se dos outros dotes.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: E transfigurou-se diante dos seus três discípulos.
 
SOLUÇÃO. — O Senhor, depois de haver anunciado a sua paixão aos discípulos, convidou-os a que lhe imitassem o exemplo. Ora, é necessário, para trilharmos bem um caminho, termos um conhecimento prévio do fim. Assim, o sagitário não lança com acerto a seta, senão mirando primeiro o alvo que deve alcançar. Por isso perguntou Tomé, no Evangelho: Senhor, não sabemos para onde vais; e como podemos nós saber o caminho? E isso, sobretudo é necessário quando o caminho é difícil e áspero, a jornada laboriosa, mas belo o fim. Ora, o fim de Cristo, na sua paixão, era alcançar não somente a glória da alma que, tinha desde o princípio da sua concepção; mas também a do corpo, segundo aquilo do Evangelho  Importava que o Cristo sofresse estas causas e assim entrar na sua glória. E a essa glória também conduz os que lhe imitam o exemplo da paixão, segundo a Escritura: Por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus. Por isso era conveniente que manifestasse aos seus discípulos a sua claridade luminosa; e tal é a transfiguração, que também concederá aos seus, segundo aquilo do Apóstolo: Reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso. Donde o dizer Beda: Foi consequência de uma pia providência que, tendo gozado por breve tempo da contemplação da felicidade eterna, tolerassem mais fortemente as adversidades.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz Jerônimo, comentando o Evangelho: Ninguém pense que Cristo, por dizer o Evangelho que se transfigurou, tivesse perdido a sua forma e figura natural, ou que lhe fosse substituído o corpo verdadeiro por outro, espiritual e aéreo. Mas o próprio evangelista explica a sua transfiguração, quando diz: O seu rosto ficou refulgente como o sol e as suas vestiduras se fizeram brancas como a neve. Com o que lhe manifesta o esplendor das faces e os luminosos das vestes; assim a substância do seu corpo não desapareceu, mas somente transformou-se pela glória.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A figura depende da extremidade dos corpos; pois, está compreendida no termo ou nos termos. Por onde, tudo o considerado em dependência das extremidades de um corpo de certo modo constituiu a figura. Ora, como a cor, também a luminosidade do corpo não transparente depende-lhe da superfície. Por isso, dizemos que está transfigurando o corpo revestido de luminosidade.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Dentre os quatro dotes referidos, só a luminosidade é uma qualidade da pessoa em si mesma; quanto aos outros três dotes, eles não são percebidos senão mediante um ato, movimento ou paixão. Ora, Cristo manifestou na sua pessoa certos sinais de ter os três dotes referidos: o da agilidade, quando andou sobre as ondas; o da subtileza, quando nasceu do ventre virginal de Maria; o da impassibilidade, quando saiu ileso das mãos dos Judeus, que o queriam precipitar ou lapidar. Mas nem por isso diz o Evangelho que se transfigurasse, senão só quando se tornou luminoso, o que lhe respeita ao aspecto da pessoa. 
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