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Art. 2 — Se Cristo devia ser tentado no deserto.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ser tentado no deserto.  

1. — Pois, Cristo quis ser tentado para nosso exemplo, como se desse. Ora, o exemplo deve ser claramente proposto aos que devem aproveitar dele, Logo, não devia ser tentado no deserto.
 
2. Demais. — Crisóstomo diz que contra os solitários é que o diabo emprega toda a força da sua tentação. Por isso, no princípio tentou a mulher, quando a viu desacompanhada de Adão. E assim, Cristo, indo ao deserto para ser tentado, parece que se expôs à tentação. Ora, como se deixou tentar para nosso exemplo, parece que também nós devemos nos expor à tentação. O que, contudo é perigoso; pois, ao contrário, devemos contar as ocasiões das tentações.
 
3. Demais. — A segunda tentação de Cristo referida pelo Evangelho é a seguinte: O diabo, tomando-o, o levou à cidade santa e o pôs sobre o pináculo do Templo, o qual certamente não estava num deserto. Logo, nem só no deserto foi tentado.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Jesus estava no deserto quarenta dias e quarenta noites e ali foi tentado por Satanás,
 
SOLUÇÃO. — Como se disse Cristo por vontade própria deixou-se tentar pelo diabo, assim como voluntàriamente entregou o corpo à morte; do contrário, o diabo não ousaria aproximar-se dele. Ora, o diabo atenta de preferência os solitários; pois, como diz a Escritura, se alguém prevalecer contra um, dois lhe resistem, Por isso foi Cristo para o deserto, como para o campo da luta, para ser nele tentado pelo diabo. Donde o dizer Ambrósio, que Cristo foi ao deserto deliberadamente, para provocar o diabo. Pois, se este não viesse atacá-la, isto é, o diabo, Cristo não o teria vencido. - Mas acrescenta ainda outras razões, dizendo que Cristo assim procedeu misteriosamente para livrar Adão do exílio; pois, este fora precipitado, do paraíso, num deserto. Para nos mostrar, com o seu exemplo, que o diabo inveja os que progridem no bem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo é proposto como exemplo a todos, pela fé, segundo aquilo do Apóstolo. Pondo os olhos no autor e consumador da fé, Jesus. Ora, a fé, como ainda o diz o Apóstolo, é pelo ouvido e não, pelos olhos. Antes, na expressão do Evangelho, bem-aventurados os que não viram e creram. Assim, para a tentação de Cristo nos servir de exemplo, não era necessário fosse presenciada pelos homens, bastando que lhes fosse narrada.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há duas espécies de ocasião à tentação. - Uma da parte do homem, como quando não evitamos as ocasiões próximas de pecar. Pois tais ocasiões devemos evitá-las, como foi dito a Lot: Não pares em parte alguma dos arredores de Sodoma. A outra espécie de ocasião vem do diabo, sempre invejoso de quem e esforça por ser melhor. E essa ocasião de tentação não devemos evitá-la. Por isso diz Crisóstomo: Não Cristo foi levado pelo Espírito ao deserto, mas também todos os filhos de Deus possuidores do Espírito Santo, que não consentem em ficar ociosos, mas são ungidos pelo Espírito Santo a empreender grandes obras; e isso, para o diabo, é estar no deserto, onde não há o pecado com que ele se compraz. Também todas as boas obras constituem um deserto, para a carne e para o mundo, porque contrariam as tendências de uma e de outro. Ora, dar tal ocasião de tentação ao diabo não é perigoso, porque maior é o auxílio do Espírito Santo, autor das obras perfeitas, do que o ataque do diabo invejoso.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Certos dizem que todas as tentações tiveram por teatro o deserto. Desses, uns dizem que Cristo foi levado à cidade santa, não realmente, mas em visão imaginária. Outros porém opinam que a própria cidade santa, isto é, Jerusalém, é chamada deserto, por ter sido abandonada por Deus. - Mas não há necessidade de tais interpretações, porque Marcos diz ter sido Cristo tentado pelo diabo no deserto, mas não que o fosse só no deserto.

 

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