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Art. 3 — Se Cristo foi convenientemente oferecido no Templo.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi convenientemente oferecido no Templo.

1. — Pois, diz a Escritura: Consagra-me todos os primogênitos, que abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel. Ora, Cristo veio ao mundo sem detrimento da virgindade de sua mãe, que portanto deu à luz por um parto miraculoso. Logo, em virtude da lei referida, Cristo não devia ser oferecido no Templo.
 
2. Demais. — O que está sempre presente a alguém não lhe pode ser apresentado. Ora, a humanidade de Cristo era por excelência sempre presente a Deus, como sempre unida com ela pela unidade de pessoa. Logo, não era necessário que Cristo fosse apresentado ao Senhor.
 
3. Demais. — Cristo é a hóstia principal a quem se referem todas as hóstias da lei antiga, como a figura se refere à verdade. Ora, uma hóstia não deve ser referida a outra. Logo, não foi conveniente que por Cristo se oferecesse outra hóstia.
 
4. Demais. — Entre as vítimas legais a principal era o cordeiro, que constituía um sacrifício perpétuo. Por isso Cristo é também chamado Cordeiro no Evangelho: Eis o Cordeiro de Deus. Logo, era mais conveniente fosse oferecido por Cristo um cordeiro do que um par de rolas ou dois pombinhos.
 
Mas, em contrário, a autoridade da Escritura, que atesta o fato.
 
SOLUÇÃO. — Como se disse, Cristo quis submeter-se à lei, a fim de remir aqueles que estavam debaixo da lei; e para que a justificação da lei se cumprisse espiritualmente nos seus membros. Ora, sobre os filhos recém-nascidos há na lei um duplo preceito.  Um geral, abrangendo a todos, pelo qual, depois de completos os dias da purificação da mãe, fosse oferecido um sacrifício pelo filho, ou pela filha, como se lê na Escritura. E esse sacrifício era em expiação do pecado, no qual a prole foi concebida e nascida; e também para a consagração do recém-nascido, que era então pela primeira vez apresentado no Templo. Por isso, fazia-se uma oferenda em holocausto e outra pelo pecado.  O outro preceito da lei era especial, sobre os primogênitos, tanto dos homens como dos animais. Pois, o Senhor se reservou todos os primogênitos em Israel, porque, para a libertação do povo de Israel matara os primogênitos do Egito, desde os homens até aos animais, excetuados os primogênitos dos filhos de Israel. E esse mandamento se lê na Escritura. O que também prefigurava a Cristo, que é o primogênito entre muitos irmãos.  E como Cristo, nascida de uma mulher, era quase primogênito, e quis sujeitar-se à lei, o evangelista Lucas nos mostra que esses dois preceitos foram observados a respeito dele. Primeiro, o atinente aos primogênitos, quando diz: Levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor; segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo filho macho que for primogênito será consagrado ao Senhor.  Segundo o que se aplica em geral a todos, quando diz: E para oferecerem em sacrifício, conforme ao que está mandado na lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz Gregório Nisseno: Esse preceito da lei se cumpriu, de maneira singular e diferentemente do que o cumpriam os outros, só com Deus encarnado. Pois, só ele, concebido de um modo inefável e dado à luz de maneira incompreensível, saiu do ventre virginal de sua mãe, que antes não conhecera a relação conjugal e conservou inviolavelmente depois do parto os atributos da sua virgindade. E assim, a expressão da Escritura  adaperiens vulvam  significa que o parto virginal de Maria foi o primeiro e único. E por isso também especialmente a Escritura diz  masculino: porque não teve nenhum contágio da culpa da mulher. E ainda, singularmente santo: porque pela singularidade do seu parto imaculado não sofreu qualquer contágio da corrupção terrena.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como o Filho de Deus não se fez homem nem foi circuncidado na sua carne por causa de si mesmo, mas para nos divinizar pela graça e nos circuncidar espiritualmente, assim por nossa causa foi oferecido ao Senhor, para aprendermos a nos oferecermos nós mesmos a Deus. E isso se fez depois da sua circuncisão, para mostrar que ninguém, se não se circuncidar aos vícios, é digno de ver a Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Aquele que era a verdadeira vítima quis que por si se oferecesse as hóstias da lei, para ficar a figura unida à realidade e por esta ficar demonstrada aquela. Contra aqueles que negam ter Cristo pregado no Evangelho o Deus da lei: Pois, como diz Orígenes, não devemos pensar que o Deus bom sujeitou o seu Filho a lei do inimigo, a qual não tivesse ele mesmo jeito.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A Escritura ordena que quem pudesse oferecesse, por filho ou por filha, simultaneamente com um cordeiro um pombinho ou uma rola; os que porém não tivessem nas suas posses nem pudessem oferecer um cordeiro, oferecessem duas rolas ou dois pombinhos. Porque, como diz o Apóstolo, o Senhor que, sendo rico, se fez pobre por nosso amor, a fim de que nós fôssemos ricos pela sua pobreza, quis que se lhe fizesse a oferta dos pobres; assim como, na sua natividade foi envolto em panos e reclinado no presépio. - Nem por isso, contudo essas aves deixavam de se adaptar ao que figuravam. Assim, a rola, ave gárrula, significa a pregação e a confissão da fé; mas por ser casta, exprime a castidade; e enfim, por ser solitária, é o símbolo da contemplação. Por seu lado, a pomba, mansa e simples, figura por isso a mansidão e a simplicidade. É também ave gregária, símbolo da vida ativa. Por onde, tais vítimas figuravam a perfeição de Cristo e a dos seus membros. Pois, ambas essas aves, pelo costume que têm de gemer, simbolizam as lágrimas dos santos nesta vida; mas a rola, como solitária, significa as lágrimas da oração; ao passo que a pomba, que é gregária, exprime as orações públicas da Igreja. - E tanto uma como outra eram oferecidas em dobro, para significar que a santidade deve ser, não só do corpo, mas também da alma. 

 

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