O segundo discute-se assim. — Parece que a Cristo não deve ser atribuída nenhuma natividade temporal.
1. — Pois o nascimento é um como movimento de um ser não existente, antes de nascido. e que para existir tem necessidade do benefício do nascimento. Ora, Cristo existiu abeterno. Logo, não podia ter nascido no tempo.
2. Demais. — O em si mesmo perfeito não precisa de nascer. Ora a pessoa do Filho de Deus é abeterno perfeita. Logo, não precisa de nenhuma natividade temporal, assim, parece que não nasceu no tempo.
3. Demais. — A natividade é própria da pessoa. Ora, em Cristo só há uma pessoa. Logo, só teve uma natividade.
4. Demais. — Quem nasceu em duas natividades nasceu duas vezes. Ora, é falsa a proposição: Cristo nasceu duas vezes. Pois, a natividade. pela qual nasceu do Pai, não sofreu nenhuma interrupção, por ser eterna. E isso contudo é o que exprime a expressão - duas vezes: assim, dizemos que correu duas vezes quem interrompeu a primeira corrida. Logo, parece não deve ser atribuída a Cristo uma dupla natividade.
Mas, em contrário, diz Damasceno: Confessamos em Cristo duas natividades: uma eterna, do Pai; outra que se dará nos últimos tempos, por nosso amor.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a natureza está para a natividade como o termo para o movimento ou a mudança. Ora, o movimento se diversifica pela diversidade dos seus termos, como está claro no Filósofo. Ora, Cristo tem uma dupla natureza: a que recebeu abeterno do Pai e a que recebeu temporalmente da mãe. Por onde e necessariamente, devem ser-lhe atribuídas duas natividades: a pela qual eternamente nasceu do Pai e a pela qual nasceu temporalmente da mãe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção formulada foi a de um certo Feliciano, herético, que Agostinho resolve do modo seguinte: Imaginemos, diz, como certos querem; que há no universo uma alma geral, que pela sua influência inefável vivifica todos os germens, de tal sorte que se não confunda com os seres gerados, mas de a vida aos que o vão ser. Então, quando chegar a formar, no ventre materno, uma certa matéria adaptada aos seus fins, ela se unirá pessoalmente com a sua obra que não constitui com ela uma mesma substância; e far-se-á um homem, de duas substâncias - a alma ativa e a matéria passiva. Ora, é assim que afirmamos o nascer a alma, do ventre; e não que, antes de nascer, absolutamente não existisse, no seu ser. E desse modo, antes, de um modo mais sublime, nasceu o Filho de Deus, enquanto homem, no sentido em que se ensina que a alma nasce com o corpo; não que ambos constituam uma só substância, mas, de ambos, resulta uma só pessoa. Mas nem por isso dizemos que começou inicialmente a existir o Filho de Deus, não vá alguém crer numa divindade temporal. Nem afirmamos que a carne do Filho de Deus existiu abeterno, para não levarmos a crer que não teve um corpo verdadeiramente humano, e lho atribuímos somente em imagem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa objeção a formulou Nestório, mas Cirilo lhe deu uma solução dizendo o seguinte: Não afirmamos que necessariamente o Filho de Deus, em si mesmo, precisasse de uma segunda natividade, além da que tinha, do Pai; pois, seria de um fátuo e de um ignaro dizer, que o existente antes de todos os séculos e consempiterno com o Pai, precisou de começar, e ter uma segunda existência. Mas, dizemos que nasceu carnalmente, porque, por nosso amor e para a nossa salvação, unindo-se à sua subsistência. a natureza humana nasceu de uma mulher.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A natividade pertence à pessoa como ao sujeito; e à natureza, como ao termo. Ora, é possível um mesmo sujeito sofrer várias transmutações, que contudo hão de necessariamente variar com os seus termos. Mas isso não dizemos da natividade eterna, como se ela fosse uma transmutação ou um movimento; mas, segundo o nosso modo de falar e que lhe atribuímos mudança do movimento.
RESPOSTA À QUARTA. — Podemos dizer que Cristo nasceu duas vezes e teve duas natividades. Pois assim como dizemos que corre duas vezes quem corre em dois tempos diferentes, assim podemos dizer que nasceu duas vezes quem nasceu uma vez, na eternidade e, uma vez, no tempo. Porque a eternidade e o tempo diferem muito mais entre si que dois tempos, embora uma e outro designem a medida da duração.