O primeiro discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não foi formado desde o primeiro instante da sua concepção.
1. — Pois, diz o Evangelho: Em se edificar este templo gastaram-se quarenta e seis anos. Expondo o que diz Agostinho: Este número manifestamente convém à perfeição do corpo do Senhor. E em outro lugar: Não sem razão se diz que o Templo foi fabricado em quarenta e seis anos, o qual lhe significava o corpo; de modo que quantos anos se gastaram na fabricação do templo, outros tantos se empregaram na perfeição do corpo do Senhor. Logo, o corpo de Cristo não foi perfeitamente formado desde o primeiro instante da sua concepção.
2. Demais. — A formação do corpo de Cristo exigia o movimento local, que levasse o mais puro sangue do corpo da Virgem para o órgão próprio da geração. Ora, nenhum corpo pode mover-se local e instantaneamente, porque o tempo do movimento se divide pelas divisões do móvel, como Aristóteles o prova. Logo, o corpo de Cristo não foi formado num instante.
3. Demais. — O corpo de Cristo foi formado do sangue mais puro da Virgem, como se estabeleceu. Ora, essa matéria não podia ser no mesmo instante sangue e carne, porque teria tido então duas formas ao mesmo tempo. Logo, houve um instante em que foi ultimamente sangue, e outro em que primeiro a carne começou a ser formada. Mas, entre dois instantes quaisquer há um tempo intermédio. Logo, o corpo de Cristo não foi formado num instante, mas num determinado tempo.
4. Demais. — Assim como a potência aumentativa exige para o seu ato um tempo determinado, assim também a virtude geratriz; pois, ambas são potências naturais pertencentes à alma vegetativa. Ora, o corpo de Cristo cresceu num tempo determinado, como os corpos dos outros homens; assim, diz o Evangelho, que progredia em sabedoria e em idade. Logo, parece que pela mesma razão, a formação do seu corpo, que pertence à potência geratriz, não se realizou num instante, mas no tempo determinado em que se formam os corpos dos outros homens.
Mas, em contrário, Gregório diz: Depois da anunciação do Anjo e da descida do Espírito Santo, desde o momento em que o Verbo existiu no ventre da Virgem, tornou-se carne.
SOLUÇÃO. - Na concepção do corpo de Cristo três fases devemos considerar. Primeira, o movimento local do sangue para o órgão da geração; segunda, a formação do corpo, de tal matéria; e terceira, o crescimento pelo qual chegou ao seu perfeito desenvolvimento. E dessas, é a segunda que constitui a essência mesma da concepção, da qual a primeira é o preâmbulo e a terceira, a consequência. - Ora, a primeira não pode dar-se instantaneamente, porque iria contra a natureza mesma do movimento local de qualquer corpo, cujas partes ocupam sucessivamente um lugar determinado. Semelhantemente, também a terceira deve ser sucessiva, quer por não haver aumento sem movimento local, quer por proceder da virtude da alma, que obra num corpo já formado, o qual para agir supõe o tempo.
Mas, a formação do corpo, que constitui a essência mesma da concepção, foi instantânea, por duas razões. - Primeiro, pela virtude infinita do agente, isto é, do Espírito Santo, pelo qual foi formado o corpo de Cristo, como dissemos. Pois, tanto mais prontamente pode um agente dispor a matéria, quanto maior for a virtude dele. Por onde, um agente de virtude infinita pode dispor num instante a matéria, para receber a forma devida. - Segundo, quanto à pessoa do Filho, cujo era formado o corpo. Pois, não lhe fora conveniente assumir um corpo humano senão formado. Se, pois, à formação perfeita tivesse precedido algum tempo, da concepção, esta não poderia ser totalmente atribuída ao Filho de Deus, pois não se lhe atribui senão em razão da assunção. Por isso, no primeiro instante em que a matéria preparada chegou ao órgão da geração, nesse mesmo momento foi perfeitamente formado e assumido o corpo de Cristo. E por isso dizemos, que o concebido foi o Filho de Deus mesmo, o que, de outro modo, não poderia dizer-se.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras citadas de Agostinho não se referem a só formação do corpo de Cristo; mas simultaneamente à formação e ao crescimento correspondente até ao tempo do parto. E por isso, diz ele que o referido número representa o tempo completo de nove meses, durante o qual Cristo esteve no ventre da Virgem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse movimento local não está incluído na concepção mesmo, mas é um preâmbulo para ela.
"RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é possível determinar o último instante em que a matéria referida tornou-se sangue, mas podemos determinar o tempo último, continuado, sem nenhum intervalo, até o primeiro instante em que foi formada a carne de Cristo. E esse instante foi o termo do tempo do movimento local da matéria, para o órgão da geração.
RESPOSTA À QUARTA. — O crescimento se faz pela potência aumentativa do ser mesmo que cresce; ao passo que a formação do corpo é obra da potência geratriz, não do ser gerado, mas do pai gerador, pelo sêmen, por obra da virtude formativa, derivada da alma do pai. O corpo de Cristo, porém, não foi formado do sêmen masculino, como se disse, mas por obra do Espírito Santo. Por onde, a formação devia ser tal, que conviesse ao Espírito Santo. Mas, o crescimento do corpo de Cristo se realizou pela potência aumentativa da sua alma; que, sendo especificamente da mesma forma que a nossa, o seu corpo devia crescer do mesmo modo por que crescem os corpos dos outros homens, para ficar assim demonstrada que a sua natureza era verdadeiramente humana.