O oitavo discute-se assim. — Parece que Cristo foi dizimado, na pessoa de Abraão.
1. — Pois diz o Apóstolo, que Levi, bisneto de Abraão, foi dizimado em Abraão, porque quando este pagou dízimos a Melquisedeque, ainda Levi estava nos lombos de seu pai. Ora, semelhantemente, Cristo estava nos lombos de Abraão, quando pagou dízimos. Logo, também Cristo pagou dízimos na pessoa de Abraão.
2. Demais. — Cristo é da raça de Abraão, pela carne que recebeu de sua mãe. Ora, sua mãe pagou dízimos na pessoa de Abraão. Logo, pela mesma razão, Cristo.
3. Demais. — Pagou dízimos em Abraão tudo o que tinha necessidade de cura, como diz Agostinho. Ora, toda carne sujeita ao pecado tem necessidade de cura. Como, pois, a carne de Cristo estava sujeita ao pecado, como se disse, resulta que a carne de Cristo pagou dízimos em Abraão.
4. Demais. — Isto não encontra de nenhum modo à dignidade de Cristo. Pois, nada impede que um pontífice, cujo pai pagou o dizimo a um simples sacerdote, o sobrepuje a este em dignidade. Embora, pois, se diga que Cristo pagou dízimos, quando Abraão os pagou a Melquisedeque, nem por isso fica excluído que Cristo fosse maior que Melquisedeque.
Mas, em contrário, Agostinho diz, que Cristo não pagou dízimos em Abraão, porque a sua carne não tirou daí a virulência de um ferimento, mas a matéria de um remédio.
SOLUÇÃO. — Segundo a intenção do Apóstolo, devemos dizer que Cristo não foi dizimado nos lombos de Abraão. Pois, como o mesmo Apóstolo o prova, o sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque era maior que o sacerdócio levítico, pelo qual Abraão pagou dízimos a Melquisedeque, quando ainda Levi existia nos lombos dele, Abraão, a quem pertencia o sacerdócio legal. Se, pois, Cristo fosse dizimado em Abraão, o seu sacerdócio não seria segundo a ordem de Melquisedeque, mas seria menor que este sacerdócio. Donde devemos concluir, que Cristo não foi, como Levi, dizimado nos lombos de Abraão. Pois, como aquele que pagava os dízimos, retinha nove partes para si e entregava a décima a outrem, o que é sinal de perfeição, por ser de certo modo o número dez o termo de todos os números, que chegam até dez, daí vinha que quem pagava os dízimos proclamava-se imperfeito e atribuía a outrem a perfeição. Ora, a imperfeição do gênero humano resulta do pecado, que por isso precisa da perfeição de quem o cure. Mas, se Cristo pode curar do recado, pois, é o Cordeiro, que tira o pecado do mundo, como diz o Evangelho. Ora, figura de Cristo foi Melquisedeque, segundo o prova o Apóstolo. Por onde, quando Abraão pagou dízimos a Melquisedeque, confessou em figura que foi concebido no pecado e que todos os que dele houvessem de descender, por terem contraído o pecado original, precisavam da cura, que Cristo havia de trazer. Quanto a Isaac, a Jacó e a Levi e todos os outros, esses existiram em Abraão, de modo que dele derivaram não só pela substância corpórea, mas ainda por via seminal, pela qual se contrai o pecado original. Por isso, todos foram dizimados em Abraão, isto é, prefiguravam a necessidade da cura, que viria de Cristo. Mas só Cristo existiu em Abraão de modo que dele procedesse não por via seminal, mas pela substância corpórea. Por isso, não existiu em Abraão como os que precisavam de cura, mas antes, como o remédio dos ferimentos. Logo, não foi dizimado nos lombos de Abraão.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Santa Virgem foi concebida no pecado original e por isso existiu em Abraão como quem precisava de cura. Por isso foi dizimada nele, como nele descendente por via seminal. Mas tal não se deu com o corpo de Cristo, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a carne de Cristo foi contaminada do pecado, nos antigos patriarcas, pela qualidade que tinha nesses patriarcas, que foram dizimados, Mas não pela qualidade que tem em Cristo, atualmente nele existente, pois assim não foi dizimado.
RESPOSTA À QUARTA. — O sacerdócio Levítico tinha uma origem carnal. Por isso, não existiu menos em Abraão que em Levi. Por onde, o fato de ter Abraão pago dízimos a Melquisedeque, como seu maior, mostra que o sacerdócio de Melquisedeque, como simbolizando a figura de Cristo, é maior que o sacerdócio levítico. Mas o sacerdócio de Cristo não teve uma origem carnal, mas se transmite pela graça espiritual. E assim podia dar-se que o pai pagasse dízimos a um sacerdote, como o maior o paga ao menor; e contudo o filho, sendo pontífice, fosse maior que esse sacerdote, não pela origem carnal, mas pela graça espiritual, que recebeu de Cristo.