O terceiro discute-se assim. — Parece que a genealogia de Cristo não foi bem discriminada pelos Evangelistas.
1. — Pois, diz a Escritura, de Cristo: Quem contará a sua geração? Logo, não se devia contar a geração de Cristo.
2. Demais. — É impossível um mesmo homem ter dois pais. Ora, Mateus diz, que Jacó gerou a José, esposo de Maria; e Lucas, por seu lado, que José era filho de Heli. Logo, escreveu um o contrário do outro.
3. Demais. — Mateus e Lucas fazem relações diversas. Assim, Mateus, no princípio do livro, começando de Abraão e descendo até José, enumera quarenta e duas gerações. Lucas, por seu lado, depois do batismo de Cristo, refere a geração de Cristo, começando por ele e, levando o número das gerações até Deus, conta setenta e sete gerações, computando os extremos. Logo, parece que discriminam mal a geração de Cristo.
4. Demais. — Na Escritura se lê, que Jorão gerou Ocosias: a quem sucedeu o filho Joás; a este, o seu filho Amásias; depois, reinou o filho deste, Azarias; chamado Osias: a quem sucedeu Joatan, seu filho. Mateus, porém, diz que Jorão gerou Osias. Logo, parece mal discriminada uma geração de Cristo, que omite , no meio, três reis.
5. Demais. — Todos os assolados na geração de Cristo tiveram pais e mães; e muitos deles, também irmãos. Ora, Mateus, na geração de Cristo, enumera só três mães, a saber, Tamar, Rut e a esposa de Urias. Como irmãos designa Judas e Jeconias, e além deles, Fares e Zarâo. Ora, nenhum desses Lucas menciona. Logo, parece que os Evangelistas discriminaram mal a genealogia de Cristo.
Mas, em contrário, a autoridade da Escritura.
SOLUÇÃO. — Como diz o Apóstolo, toda a Escritura é divinamente inspirada. Ora, as coisas divinas se realizam de maneira ordenadíssima, segundo ainda o Apóstolo: As causas de Deus são ordenadas. Por onde, a genealogia de Cristo foi bem discriminada pelos Evangelistas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como ensina Jerônimo, Isaías se refere à geração da divindade de Cristo. Ao passo que Mateus narra a geração de Cristo segundo a humanidade; não, certo, explicando o modo da Encarnação, que é inefável também; mas, enumerando os pais de que Cristo procedeu segundo a carne.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa objeção, suscitada por Juliano o Apóstata, recebeu soluções diversas. Assim, certos, como Gregório Nazianzeno opinam, que ambos os Evangelistas enumeram o mesmo personagem, Jacó e Heli, mas com dois nomes diferentes. - O que não é admissível, porque Mateus enumera Salomão um dos filhos de Davi; ao passo que Lucas enumera outro, que é Natan, os quais consta terem sido irmãos, segundo a Escritura.
Por isso, outros disseram, que Mateus nos dá a verdadeira genealogia de Cristo; ao passo que a de Lucas é putativa, e o começar assim – Jesus era, como se julgava, filho de José. Pois, havia certo judeus, que por causa dos pecados dos reis de Judá, criam que Cristo nasceria de Davi, não mediante os reis, mas por uma linhagem privada. Outros, porém, disseram que Mateus numerou os pais carnais; ao passo que Lucas, os espirituais, isto é, os varões justos, denominados pais pela honestidade da sua vida.
Segundo outra opinião, responde-se que não devemos pensar que Lucas chama a José filho de Heli, mas sim, que diz terem sido Heli e José pais de Cristo, descendente diversamente de Davi. Por isso diz que Cristo em, como se julgava, Filho de José, e que também o próprio Cristo foi filho de Reli; quase como se dissesse que Cristo pela mesma razão por que é chamado filho de José pode ser também cognominado filho de Heli e de todos os reis descendentes da raça de Davi. Assim, diz o Apóstolo: de quem, isto é, dos judeus, descende também segundo a carne.
Mas Agostinho, resolve essa dificuldade de três modos, dizendo: Há três vias seguidas singularmente pelos Evangelistas. — Ou então um Evangelista designa o pai que realmente gerou a José, ao passo que o outro designou-lhe o avô materno ou um dos seus mais próximos parentes. Ou um era o pai natural de José e o outro o pai adotivo. — Ou, segundo o costume dos Judeus, quando um homem morria sem deixar filhos, um dos seus próximos tomava-lhe a mulher, sendo o filho que ele: engendrasse imputado ao morto. O que também constitui um certo gênero de adoção legal, como o próprio Agostinho o afirma. E esta última via é a mais verdadeira, que também Jerônimo apresenta; e Eusébio Cesariense refere. o historiador Júlio Africano e preconiza. Assim, dizem que Matan e Melqui procriaram em tempos diversos, da mesma esposa, chamada Esta, um filho chamado Jacó. Porque Matan, descendente de Salomão, foi quem primeiro a tomou por mulher e morreu deixando um filho chamado Jacó. Mas depois da morte de Matan, como a lei não proibia a viúva casar com outro homem, Melqui, também da mesma tribo, por Matan, embora não da mesma família, tomou como esposa a viúva de Matan, da qual também houve um filho chamado Reli. Donde vem que, nascidos de pais diferentes, Jacó e Heli eram irmãos uterinos. Desses, um, Jacó, tendo casado, por disposição da lei, com a viúva de seu irmão Heli, morto sem filhos, gerou a José, na verdade e naturalmente filho seu, tornado porém, pelo preceito da lei, filho de Heli. Por isso diz Mateus que Jacó gerou a José; enquanto que Lucas, descrevendo a geração legal, não usa, na sua genealogia, o verbo gerar. Embora, porém, Damasceno diga que a Santa Virgem Maria era parente de José, por descender este de Heli, considerado como seu pai, e isto porque ele a faz descender de Heli, devemos contudo. crer que ela também descendia de Salomão de algum modo, mediante os antepassados da enumeração de Mateus. que narra a geração carnal de Cristo; sobretudo que Ambrósio diz ter Cristo. descendido da raça de Jeconias.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Agostinho, o desígnio de Mateus era fazer conhecer a pessoa real de Cristo, ao passo que Lucas, a sua pessoa sacerdotal. Por isso, a genealogia de Mateus indica que N. S. J. Cristo assumiu os nossos pecados, tendo assumido a semelhança da carne do pecado, pela sua origem carnal. Ao passo que a genealogia de Lucas significa que os nossos pecados foram delidos pelo sacrifício de Cristo. Por isso a genealogia de Mateus enumera os descendentes, e a de Lucas, os ascendentes. - Também por isso é que Mateus desce de David, passando por Salomão, em cuja mãe Davi pecou; ao passo que Lucas sobe até Davi, por Matan, porque foi por um profeta desse nome que Deus perdoou o pecado de Davi. - Donde vem ainda que, querendo Mateus significar que Cristo desceu até a nossa mortalidade, mencionou, desde o início, no seu Evangelho, as gerações desde Abraão, até José, em ordem descendente, até a natividade de Cristo. Ao passo que Lucas começa a enumerar as gerações, não do início, mas do batismo de Cristo, e não em ordem descendente, mas ascendente, querendo assim frisar que Cristo foi o sacerdote da expiação dos pecados e por isso invocou o testemunho de João, quando este disse: Eis o que tira os pecados do mundo. E, na ordem ascendente, Lucas passou por Abraão e chegou a Deus com o qual fomos reconciliados depois de purificados e expiados. - E com razão também, na sua genealogia, Lucas indicou a ordem de adoção, pois, esta nos torna filhos de Deus; ao passo que pela geração carnal o Filho de Deus foi feito filho do homem. E suficientemente demonstrou que, quando disse ser José filho de Heli, não quis com isso considerá-lo como gerado por Heli, mas, como adotado por este; pois, também disse que Adão foi filho de Deus, embora fosse feito por Deus.
Quanto ao número quadragenário, refere-se ao tempo da vida presente, por causa das quatro partes do mundo, onde transcorre a nossa vida mortal, guiados por Cristo nosso rei. Pois, quarenta contém quatro vezes dez; e este último número, por sua vez, resulta da adição dos números que vão de um a quatro. Mas também o número denário podia referir-se ao Decálogo; e o quaternário, à vida presente, ou ainda aos quatro Evangelhos, pelos quais Cristo reina em nós. Por isso Mateus, a fim de louvar a pessoa real de Cristo, enumerou quarenta personagens, excetuando a Cristo mesmo. Mas isto deve entender-se assim, se o Jeconias enumerado no fim do segundo quaternário e no princípio do terceiro é o mesmo personagem. Conforme Santo Agostinho, essa dupla menção de Jeconias significa que por ele, quando do cativeiro de Babilônia, fez-se um êxodo para as nações estrangeiras; o que também prefigurava Cristo, que passou dos povos circuncisos para os incircuncisos. Mas Jerônimo diz, que houve dois Joaquina, isto é, Jeconias, a saber, o pai e o filho; ambos os quais foram incluídos na geração de Cristo, para que constasse a distinção das gerações, que o Evangelista divide em três séries de quatorze. O que sobe a quarenta e duas pessoas. Número esse que também se adapta à santa Igreja. Pois, quarenta e dois é formado de seis, que significa o labor da vida quotidiana, e do número sete, que significa o repouso da vida futura; pois, seis vezes sete são quarenta e dois. E também o número quatorze, resultante da soma de dez e de quatro, é susceptível do mesmo simbolismo atribuído ao número quarenta, cujo total é o produto da multiplicação dos mesmos números quatro e dez.
Quanto ao número, de que se serve Lucas, das gerações até Cristo, ele representa a totalidade dos pecados. Pois, o número dez, como o número da Justiça, manifesta-se nos dez preceitos da lei. Ora, o pecado é a transgressão da lei. E o número que vai além de dez ou o transgride é o número onze. Quanto ao número sete, ele significa a totalidade, porque o tempo consumou-se totalmente com o número dos sete dias. Ora, como sete vezes onze são setenta e sete, esse total significa a universalidade dos pecados, que Cristo deline.
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Jerônimo, por ter-se o rei Jorão aliado à família da impíssima Jesabel, por isso a sua memória foi suprimida até a terceira geração, a fim de que ela não aparecesse na genealogia sagrada da natividade. E assim, como diz Crisóstomo, tão grande foi a bênção derramada sobre Jehu, por ter exercido vingança sobre a casa de Acab e de Jesabel, como foi grande a maldição sobre a casa de Jorão, por causa da filha do iníquo Acab e Jesabel; e seus filhos foram eliminados do número dos reis até a quarta geração, como se lê na Escritura: Vingarei a inquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração. E ainda devemos atender a que também os outros reis, enumerados na genealogia de Cristo, foram pecadores; mas a impiedade deles não foi continuada. Assim, como diz um autor, Salomão foi mantido como rei, pelos méritos de seu pai; Roboão, pelos méritos de Osa, filho de Abias e seu neto. Pelo contrário, a impiedade dos três reis em questão perdurou até o fim.
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Jerônimo, a genealogia do Salvador não enumera nenhuma das santas mulheres, mas só as censuradas na Escritura; porque aquele que veio por causa dos pecadores devia, nascendo de pecadoras, delir os pecados de todos. Por isso é mencionada Tamar, censurada por causa das suas relações com o cunhado; e Raab, que foi meretriz; e Rut, que era alienígena; e Bersabé, mulher de Urias, que foi adúltera. A qual, porém, não é designada com o seu nome próprio, mas com o nome de seu marido. Quer por causa do seu pecado, pois praticou consciamente o adultério e o homicídio; quer também para, com a nomeação do marido, fazer memória do pecado de Davi. - E como Lucas visava designar a Cristo como expiador dos pecados, não faz menção dessas mulheres. - Faz menção porém dos irmãos de Judas, para mostrar que pertenciam ao povo de Deus, embora Ismael, irmão de Isaac, e Esaú, irmão de Jacó, fossem separados do povo de Deus, e por isso não se faz menção deles na genealogia de Cristo. E também para excluir o orgulho da nobreza. Pois, muitos dos irmãos de Judas. nasceram de escravos; mas todos foram a um tempo Patriarcas e chefes de tribos. - Quanto a Fares e a Zarão, foram simultaneamente nomeados, como diz Ambrósio, como símbolos das duas vidas que vivem os povos – uma, segundo a lei, significa da por Zarão; outra, segundo a fé, significada por Fares. - Quanto aos irmãos de Jeconias, são mencionados porque todos reinaram em tempos diversos; o que não se deu com os outros reis. Ou porque foi semelhante a iniquidade e a miséria deles.