O segundo discute-se assim. — Parece que a mãe de Cristo não foi virgem no parto.
1. — Pois, diz Ambrósio: Quem santificou o ventre de uma mulher para que dela nascesse um profeta, esse foi o mesmo que abriu o ventre de sua mãe, para sair dele imaculado. Ora, tal fato exclui a virgindade. Logo, a mãe de Cristo não foi virgem no parto.
2. Demais. — No mistério de Cristo nada devia haver, que nos levasse a lhe considerar o corpo como imaginária. Ora, não convém a um corpo verdadeiro, mas só a um fantástico, poder atravessar o que está fechado; porque dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar. Logo, não devia o corpo de Cristo sair do ventre materno, sem ele romper-se. Portanto, a virgem não pôde ser virgem no parto.
3. Demais. — Como diz Gregório, quando, depois da ressurreição, o Senhor passou através de portas fechadas e entrou a ter com os discípulos, mostrou ser o seu corpo da mesma natureza, mas revestido de uma outra glória. E assim, é próprio do corpo glorioso atravessar portas fechadas. Ora, o corpo de Cristo, na sua concepção, não foi glorioso, mas passível, tendo a Semelhança da carne do pecado, no dizer do Apóstolo. Logo, não saiu do ventre materno, sem que ele se abrisse.
Mas, em contrário, diz o concílio Efesino: A natureza destrói, com o parto, a virgindade. Mas a graça uniu o parto e a maternidade com a virgindade. Logo, a mãe de Cristo foi Virgem, mesmo no parto.
SOLUÇÃO. — Sem nenhuma dúvida devemos afirmar que a mãe de Cristo foi Virgem, mesmo no parto. Pois, o Profeta não só disse — Eis que uma Virgem conceberá, mas acrescentou — e parirá um filho. E isto se funda numa tríplice conveniência. — Primeiro, por convir à propriedade do que ia nascer, Que era o Verbo de Deus. Pois, o Verbo não somente é concebido no coração, sem nenhum detrimento, mas também sem nenhuma corrupção dele procede. E por Isso, para mostrar que esse era o corpo mesmo do Verbo de Deus, foi conveniente nascesse do ventre incorrupto da virgem. Por isso, lemos no concílio Efesino: A que gera uma carne puramente humana perde a sua virgindade. Mas o Verbo de Deus, nascendo na carne, conserva a virgindade da Mãe, mostrando assim ser lealmente o Verbo. Pois também o nosso verbo, quando gerado, não corrompe a mente; nem o Verbo substancial, que é Deus,havia de destruir a virgindade, quando nasceu. — Segundo, tal foi conveniente quanto ao efeito da Encarnação de Cristo. Pois, veio para tirar a nossa corrupção. E por isso não convinha que, ao nascer, destruísse a virgindade materna. Donde o dizer Agostinho, que não era justo que quem veio sanar a corrupção violasse, com o seu advento, a integridade virginal. — Terceiro, isso foi conveniente a fim de que quem mandou honrarmos os pais não viesse, com o seu nascimento, diminuir a honra materna.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Ambrósio assim o diz, quando expõe as palavras da lei citadas pelo evangelista. Todo filho macho que for primogênito será consagrado ao Senhor. O que, como diz o Venerável Beda, é um modo habitual de se referir à natividade, sem querer significar devamos crer que o Senhor desvirginou, ao nascer, o ventre que lhe serviu de asilo e que santificou. Donde, o abrir, a que se refere Ambrósio, não significa a ruptura do claustro do pudor virginal, mas só o nascer do filho, do ventre materno.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo quis mostrar que tinha verdadeiramente corpo, mas de modo que também manifestasse a sua divindade. Por isso ajuntou causas miraculosas com coisas humildes. Assim, para mostrar que tinha um verdadeiro corpo, nasce de uma mulher; e para mostrar a sua divindade, nasce de uma virgem, pois, tal é o parto que convém a Deus, como diz Jerônimo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Certos disseram que Cristo, na sua natividade, assumiu o dote da subtileza; assim, quando andou, sem molhar os pés, sobre o mar, dizem que assumiu o dote da agilidade. - Mas, isto não concorda com o que foi determinado antes. Pois, tais dotes do corpo glorioso provêm da redundância da glória da alma para o corpo, como diremos quando tratarmos dos corpos gloriosos. Ora, segundo dissemos, Cristo, antes da sua paixão permitia ao seu corpo fazer e sofrer o que lhe é próprio; nem havia tal redundância da glória, da alma para o corpo. Por onde, devemos concluir serem miraculosos todos esses fatos supra referidos, por virtude divina. Por isso diz Agostinho: Um corpo tal unido à divindade, não era impedido por nenhum obstáculo. Pois, aquele podia entrar, sem que portas lhe fossem abertas, que veio ao mundo sem que sua mãe perdesse a virgindade. E Dionísio diz que Cristo realizava as obras próprias do homem, de um modo superior; e isso o demonstra a conceição sobrenatural da virgem, e o lhe ser o peso material dos pés suportado pela superfície móvel das águas.