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Art. 2 — Se foi necessário, para a salvação do gênero humano, que o Verbo de Deus se encarnasse.

O segundo discute-se assim. — Parece que não foi necessário, para a salvação do gênero humano, que o Verbo de Deus se encarnasse.

1. — Pois, o Verbo de Deus, sendo Deus perfeito, como demonstramos (Ia., q. 27, a. 2, ad 2; q. 4, a. 1, 2), nenhuma virtude se lhe acrescentou, por ter assumido a carne. Se, pois, o Verbo encarnado de Deus reparou a natureza humana, podia tê-la reparado mesmo sem ter assumido a carne.

2. Demais. — A reparação da natureza humana, caída no pecado, parece que nada mais exigia senão que o homem satisfizesse pelo seu pecado. Pois, Deus não deve exigir do homem mais do que ele pode fazer. E, sendo antes inclinado a compadecer-se do que punir, assim como imputa ao homem o ato do pecado, assim também parece que lhe há de imputar, para delir o pecado, o ato contrário. Logo, não foi necessário, para a reparação da natureza humana, que o Verbo de Deus se incarnasse.

3. Demais. — Para salvar-se o homem deve sobretudo honrar a Deus; donde o dizer a Escritura (Ml 1, 6): Se eu sou vosso Senhor, onde está o temor que se me deve? Mas, por isso mesmo os homens mais honram a Deus, que o consideram mais elevado que todas as coisas e mais remoto dos sentidos dos homens. Donde o dito da Escritura (Sl 112, 4): Excelso é o Senhor sobre todas as gentes e a sua glória é sobre os céus. E depois acrescenta: Quem há como o Senhor nosso Deus? O que respeita a reverência. Logo, parece que não convinha à salvação humana que Deus se fizesse semelhante a nós pela assunção da carne.

Mas, em contrário. — Aquilo pelo que o gênero humano é livrado da perdição é necessário à salvação humana. Ora, tal é o mistério da divina Encarnação, segundo o Evangelho (Jo 3, 16): Assim amou Deus ao mundo, que lhe deu a seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Logo, foi necessário, para a salvação humana, que Deus se encarnasse.

SOLUÇÃO  De dois modos pode uma coisa ser considerada necessária para um determinado fim. Primeiro, como aquilo sem o que o fim não pode existir; assim, o alimento é necessário à conservação da vida humana. De outro modo, como o meio pelo qual melhor e mais convenientemente se chega ao fim: assim, o cavalo é necessário para viajar.  Do primeiro modo não era necessário, para a reparação da natureza humana, que Deus se encarnasse. Pois, pela sua onipotente virtude, Deus podia reparar por muitos outros modos a natureza humana.  Do segundo, modo, era necessário que Deus se encarnasse, para a reparação da natureza humana. Por isso, Agostinho diz: mostremos que não faltava a Deus nenhum outro modo possível, a cujo poder todas as coisas estão igualmente sujeitas; mas, não existia nenhum outro modo mais conveniente para obviar à nossa miséria.

E isto podemos considerar relativamente à promoção do homem no bem.  Primeiro, quanto à fé, que mais se certifica por crer na palavra mesma de Deus, Donde o dizer Agostinho: Para que o homem mais confiadamente trilhasse o caminho da verdade, a própria Verdade, o Filho de Deus, assumindo a humanidade, constituiu e fundou, a fé  Segundo, quanto à esperança, que assim por excelência se exalça. Donde o dizer Agostinho: Nada foi tão necessário para exalçar a nossa esperança, do que a demonstração de quanto Deus nos amaPois, que indício mais manifesto desse amor do que ter-se o Filho de Deus dignado entrar em consórcio com a nossa natureza.  Terceiro, quanto à caridade, que assim sobremaneira se excita. Por isso, diz Agostinho: Que maior causa foi a do advento do Senhor senão mostrar Deus o seu amor para conosco? E depois acrescenta: Se nos custava amá-lo, que ao menos não custe corresponder-lhe ao amor.  Quarto, quanto a orar retamente, do que se nos deu como exemplo. Donde o dizer Agostinho: Não se devia seguir o homem que podia ser visto; devia-se seguir a Deus, que não podia ser visto. Pois, para que se manifestasse ao homem e fosse visto do homem e o seguisse o homem, Deus fez-se homem Quinto, quanto à participação da divindade, que é a Verdadeira beatitude do homem e o fim da vida humana. O que nos foi conferido pela humanidade de Cristo; assim, diz Agostinho: Deus se fez homem para o homem fazer-se Deus. 

Semelhantemente, também tal foi útil para a remoção do mal.  Primeiro, porque assim o homem é instruído para não preferir o diabo a si nem venerá-lo a ele, o autor do pecado. Por isso diz Agostinho: Pois que a natureza humana pode assim unir-se a Deus, de modo a fazer com ele uma só pessoa, aqueles soberbos espíritos malignos não ousem antepor-se ao homem, pois não têm carne Segundo, porque isso nos adverte quão grande seja a dignidade da natureza humana, para não a inquinarmos pelo pecado. Por onde, diz Agostinho: Deus nos mostrou quão excelso lugar tem a natureza humana entre as criaturas, por ter se manifestado aos homens como verdadeiro homem. E Leão Papa diz: Reconhece, ó Cristão, a tua dignidade; e, feito consorte da natureza divina, não queiras por uma volta degenerada tornar à antiga vileza Terceiro, porque, para eliminar a presunção humana, a graça de Deus, sem nenhuns méritos precedentes, se nos inculca no homem Cristo Quarto, porque a soberba do homem, que é o máximo impedimento para nos unirmos a Deus, pode ser neutralizada e curada pela tão grande humildade de Deus, como no mesmo lugar diz Agostinho.  Quinto, para livrar o homem da servidão do pecado. O que, no dizer de Agostinho, devia realizar-se de modo que o diabo fosse vencido pela justiça do homem Jesus Cristo; e isso se deu por ter Cristo satisfeito por nós. Pois, um puro homem não podia satisfazer por todo o gênero humano; e Deus não devia satisfazer. Por onde era necessário que Jesus Cristo fosse Deus e homem. Por isso diz Leão Papa: A fraqueza é assumida pela força, pela majestade a humildade; de modo que, como convinha ao remédio à nossa salvação, um mesmo mediador entre Deus e os homens pudesse, como homem, nascer, e como Deus, ressurgir. Pois, se não fosse verdadeiro Deus não daria remédio; e se não fosse verdadeiro homem, não daria o exemplo.

E há ainda muitas outras utilidades daí resultantes, superiores à compreensão dos sentidos do homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto ao necessário, do primeiro modo, sem o qual não se pode alcançar o fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma satisfação pode ser considerada suficiente de duplo modo.  Primeiro, perfeitamente; quando é condigna por uma certa adequação, para recompensar a culpa cometida. E, assim, uma suficiente satisfação não podia existir da parte do homem; pois, a natureza humana estava corrupta na sua totalidade pelo pecado; nem o bem de nenhuma pessoa, nem ainda o de muitas, podia, por equiparação, recompensar o detrimento de toda a natureza. Quer também porque o pecado. cometido contra Deus implica uma certa infinidade, relativamente à infinidade da majestade divina; pois, tanto mais grave é a ofensa, quanto maior é aquele contra quem se delinqüiu. Por onde, uma satisfação condigna exigia que o ato do satisfaciente tivesse uma eficácia infinita, como dizendo respeito a Deus e ao homem.  Noutro sentido, uma satisfação pode ser considerada suficiente, imperfeitamente; isto é, quanto à aceitação de quem com ela se contenta, embora não seja condigna. E, deste modo, a satisfação do puro homem é suficiente. E como tudo o que é imperfeito pressupõe algo de perfeito, em que se funda, daí vem que toda a satisfação de um puro homem, tira a sua eficácia da satisfação de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus, assumindo a carne, não diminuiu a sua majestade; e por consequência não fica diminuída a razão da reverência para com ele. A qual cresce com o aumento do conhecimento que dele temos. Pois, por ter querido aproximar-se de nós pela assunção da carne, mais nos levou a conhecê-lo.

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