O quinto discute-se assim. — Parece que, perdoada a culpa mortal, são delidos todos os resquícios do pecado.
1. — Pois, diz Agostinho: Nunca o Senhor curou ninguém, que não o livrasse totalmente; assim curou totalmente um homem no sábado, curando-lhe ao mesmo passo e totalmente o corpo de toda doença e a alma de todo contágio do mal. Ora, os resquícios do pecado resultam da nossa inclinação para ele. Logo, não parece possível que, perdoada a culpa, permaneçam tais resquícios.
2. Demais. — Segundo Dionísio, o bem é mais eficaz que o mal, porque o mal não atua senão em virtude do bem. Ora, pecando caímos totalmente na miséria do pecado. Logo, com maior razão, fazendo penitência, ficamos também purificados de todos os resquícios do pecado.
3. Demais. — As obras de Deus são mais eficazes que as dos homens. Ora, pela prática de atos bons se nos desaparecem os restos do pecado contrário. Logo, com maior razão desaparecem pela remissão da culpa, que é obra de Deus.
Mas, em contrário, lemos no Evangelho que o cego a quem o Senhor restituiu a vista, recuperou primeiro uma vista imperfeita e por isso disse: Vejo os homens como árvores que andam. Depois foi-lhe restituída a vista completa, de sorte que via distintamente todos os objetos. Ora, a iluminação do cego significa a libertação do pecador. Logo, depois da primeira remissão da culpa, pela qual lhe é restituída a vista espiritual, ainda permanecem nele certos resquícios do pecado passado.
SOLUÇÃO. — O pecado mortal, pela conversão desordenada a um bem mutável, que implica, causa uma certa disposição na alma; ou mesmo um hábito, se os atos forem repetidos muitas vezes. Ora, como dissemos, a culpa do pecado mortal é perdoada, enquanto a graça faz desaparecer da alma a sua aversão de Deus. E desaparecido o concernente à aversão, pode contudo, ainda permanecer o concernente à conversão desordenada, porque esta pode existir sem aquela, como dissemos. Por onde, nada impede que, perdoada a culpa, permaneçam as disposições causadas pelos atos precedentes, que se chamam resquícios do pecado. Mas permanecem enfraquecidas e diminuídas, de modo que não nos dominam. E isso, antes, a modo de disposições, que a modo de hábitos; assim como tambem permanece a concupiscência depois do batismo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Deus quando cura o homem, fá-lo total e perfeitamente. Mas às vezes o faz de súbito, como quando restituiu imediatamente à sogra de Pedro a sua perfeita saúde, de modo que ela, levantando-se logo, se pôs a servi-los, como lemos, no Evangelho. Mas outras vezes o faz sucessivamente, como no caso referido, do cego iluminado. E ainda outras vezes, converte espiritualmente e com tanta comoção o coração humano, que o convertido de súbito alcança a perfeita saúde espiritual, não só com o perdão da culpa, mas com a disparição de todos os resquícios do pecado, como foi o caso da Madalena. Outras vezes enfim, primeiro perdoa a culpa pela graça operante; e depois, pela graça cooperante, elimina sucessivamente os resquícios do pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado, às vezes, produz logo uma fraca disposição, quando esta é causada por um só ato; outras vezes, uma disposição mais forte, quando esta é causada por muitos atos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Um só ato humano não faz desaparecer todos os resquícios do pecado; pois, como diz Aristóteles, o homem depravado, conduzido a melhores práticas, começará aproveitando um pouco até tornar-se melhor. Mas, com o exercício multiplicado, chegará a ser bom, pela virtude adquirida. Ora, isso muito mais eficazmente o produz a divina graça, acompanhada de um só ou de vários atos.