O segundo discute-se assim. — Parece que o pecado pode ser perdoado sem a penitência.
1. — Pois, o poder de Deus sobre os adultos não é menor que sobre as crianças. Ora, às crianças se lhes perdoam os pecados sem a penitência. Logo, também aos adultos.
2. Demais. — Deus não ligou o seu poder aos sacramentos. Ora, a penitência é um sacramento. Logo pelo poder divino podem os pecados ser perdoados sem a penitência.
3. Demais. — Maior é a misericórdia de Deus que a do homem. Ora, por vezes um homem perdoa a ofensa recebida de outrem, mesmo que este se não penitencie dela. Pois, o próprio Senhor manda: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio. Logo, com maior razão, Deus pode perdoar as ofensas, sem que os seus ofensores se penitenciem delas.
Mas, em contrário, o Senhor diz: Se aquela gente se arrepender do seu mal, também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. E assim, ao contrário, parece que, se não fizermos penitência, Deus não nos perdoará os pecados.
SOLUÇÃO. — É impossível o pecado atual mortal ser perdoado sem a penitência, tratando-se da penitência como virtude. Pois, sendo o pecado uma ofensa a Deus, do mesmo modo Deus perdoa o pecado, pelo qual perdoa a ofensa contra si cometida. Ora, a ofensa opõe-se diretamente à graça; pois, dizemos que uma pessoa ofendeu a outra pela repelir a esta da sua graça. Mas, como dissemos na Segunda Parte, entre a graça de Deus e a dos homens há a diferença seguinte: Ao passo que a graça dos homens não causa, mas pressupõe a bondade, verdadeira ou aparente, na pessoa grata, a graça de Deus causa a bondade no homem grato, porque a boa vontade de Deus, significada pela denominação de graça, é a causa do bem criado. Por isso pode dar-se que perdoemos a ofensa feita contra nós, sem nenhuma mudança da nossa vontade; mas não é possível Deus perdoar a ofensa feita por uma pessoa sem que haja mudança na vontade desta. Ora, a ofensa do pecado mortal procede da aversão da nossa vontade, de Deus, e da conversão aos bens efêmeros. Por isso é necessário, para repararmos a ofensa feita contra Deus, a nossa vontade mudar-se de modo a converter-se para Deus e detestar a conversão supra-referida, com o propósito de emenda. O que constitui a penitência como virtude. Por onde, é impossível o pecado de alguém ser perdoado sem a penitência, como virtude. O sacramento da penitência porém, como dissemos, se perfaz pela mediação do sacerdote que liga e absolve, sem o qual pode Deus perdoar os pecados, como Cristo, perdoou à mulher adúltera e à pecadora, como lemos nos Evangelhos. As quais porém não perdoou os pecados, sem a virtude da penitência; pois, como diz Gregório, pela graça atraiu interiormente à penitência a pecadora que, por misericórdia acolhia exteriormente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As crianças são contaminadas apenas pelo pecado original, que não consiste numa desordem atual da vontade, mas numa certa desordem habitual da natureza, como dissemos na Segunda Parte. Por isso é-lhes perdoado o pecado, bastando a mudança da disposição habitual delas, pela infusão da graça e das virtudes, sem necessidade da mudança da inclinação atual. Mas ao adulto, sujeito de pecados atuais, consistentes numa desordem atual da vontade, não se lhe perdoam os pecados, mesmo na batismo, sem uma atual mudança da vontade, o que é obra da penitência.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção procede, considerada a penitência como sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A misericórdia de Deus tem maior poder que a dos homens, por mudar a vontade humana, levando-nos a fazer penitência; o que a misericórdia do homem não pode fazer.