O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não deu o seu corpo a Judas.
1. — Pois, como lemos no Evangelho, depois de ter o Senhor dado o seu corpo e o seu sangue aos discípulos, disse-lhes: Não beberei mais deste fruto da vida até àquele dia em que o beberei de novo convosco no reino de meu Pai. Donde se conclui que aqueles a quem deu o seu corpo e o seu sangue de novo haviam de beber com ele. Ora, Cristo não o bebeu de novo com ele. Logo, não recebeu com os outros discípulos o corpo e o sangue de Cristo.
2. Demais. — O Senhor cumpriu o que mandou, segundo aquilo da Escritura: Começou Jesus a fazer e a ensinar. Mas ele próprio ordenou: Não deis aos cães o que é santo. Logo, sabendo que Judas era pecador, parece que não lhe deu o seu corpo nem o seu sangue.
3. Demais. — O Evangelho narra em particular, que Cristo deu a Judas o pão molhado. Se, portanto, deu-lhe o seu corpo, parece que lh'o deu como um bocado. Tanto mais quanto lemos no mesmo lugar que atrás do bocado entrou nele Satanás. Ao que diz Agostinho: Daqui aprendamos o quanto devemos nos acautelar de receber mal o bem. Se, pois é condenado quem não distingue, isto é, não discerne dos outros alimentos o corpo de Cristo, como não o será quem, fingindo-se-lhe amigo, achega-se-lhe à mesa como inimigo? Ora, com o bocado molhado não recebeu o corpo de Cristo, conforme adverte Agostinho, comentando aquilo do Evangelho: Tendo molhado o pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes: Mas então Judas não recebeu o corpo de Cristo, como o pensam certos, que lêem desatentamente. Logo, parece que Judas não recebeu o corpo de Cristo.
Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Judas, sendo participante dos mistérios, não se converteu. Por isso mais monstruoso se lhe tornou o crime, tanto por se ter achegado ao sacramento, cheio já do seu mau propósito, como por não se ter tornado melhor, achegando-se a ele, nem pelo medo, nem pelo beneficia nem pela honra.
SOLUÇÃO. — Hilário afirmou que Cristo não deu a Judas nem o seu corpo nem o seu sangue. O que teria sido conveniente, considerada a malícia de Judas. Mas, como Cristo devia ser-nos um exemplo de justiça, não lhe convinha ao magistério separar a Judas, pecador oculto, sem acusador e provas evidentes, da comunhão dos outros. A fim de não dar por aí aos prelados da Igreja o exemplo, pelo qual procedessem semelhantemente. E para que o próprio Judas, exasperado com isso, não tirasse daí ocasião de pecar. Por onde, devemos concluir, que Judas recebeu, com os outros discípulos, o corpo e o sangue do Senhor, como diz Dionísio e Agostinho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa é a razão de Hilário, para mostrar que Judas não recebeu o corpo de Cristo. Mas não é cogente, porque Cristo fala aos discípulos de cujo colégio Judas se separou, sem que Cristo o tivesse excluído. Por onde, Cristo, da sua parte, também com Judas, bebe o vinho no reino de Deus; mas esse convite o próprio Judas o repudia.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, como Deus, conhecia a nequícia de Judas; mas não a conhecia ao modo por que os homens conhecem. Por isso não excluiu a Judas da comunhão, para dar o exemplo aos outros sacerdotes, de não excluírem tais pecadores ocultos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Sem dúvida Judas, comendo o pão molhado, não recebeu o corpo de Cristo, mas um simples pão. Mas talvez, adverte Agostinho, o pão molhado significa o fingimento de Judas; assim, certas coisas se molham para mudarem de cor. Mas, se esse pão molhado tem uma boa significação, a saber, a doçura da bondade divina, porque o pão se torna de melhor sabor quando molhado, ao que foi ingrato a esse bem se lhe seguiu merecidamente a condenação. Assim como se dá com os que recebem o corpo de Cristo indignamente. — E segundo diz Agostinho no mesmo lugar devemos compreender que o Senhor já antes distribuíra a todos os seus discípulos o sacramento do seu corpo e do seu sangue e com eles estava o próprio Judas, como o narra Lucas. Mas depois, segundo a narração de João, veio o Senhor a revelar o seu traidor, pelo bocado molhado que lhe deu.