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Art. 4 — Se o pecador, recebendo o corpo de Cristo, sacramentalmente, peca.

O quarto discute-se assim. — Parece que o pecador, recebendo sacramentalmente o corpo de Cristo, não peca.
 
1 — Pois, não tem maior dignidade Cristo, sob a espécie sacramental, que sob a espécie própria. Ora, os pecadores, que tocavam o corpo de Cristo na sua espécie própria, não pecavam; antes, alcançavam o perdão dos pecados. Talo relato evangélico, da mulher pecadora; e noutro lugar diz o Evangelista: Todos os que lhe toca­vam a orla do vestido ficavam sãos. Logo, longe de pecar, alcançam a salvação, recebendo o sacra­mento do corpo de Cristo.
 
2. Demais. — Este sacramento, como os outros, é um remédio espiritual. Ora, remédio se dá ao doente, para recuperar a saúde, segundo aquilo do Evangelho: Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos. Ora, os enfermos ou doentes são espiritualmente pecadores. Logo, este sacramento eles o podem receber, sem culpa.
 
3. Demais. — Este sacramento, contendo Cristo, em si mesmo, é dos máximos bens. Ora, dos bens máximos ninguém como diz Agostinho, pode usar mal. Pois, ninguém peca senão pelo abuso de um bem. Logo, nenhum pecador, que receba este sacramento, peca.
 
4. Demais. — Assim como este sacramento é percebido pelo gosto e pelo tato, assim também pela vista. Se portanto o pecador peca re­cebendo este sacramento, parece que também pe­cará, vendo-o. O que é evidentemente falso, pois, a Igreja propõe este sacramento a ser visto e adorado. Logo, o pecador não peca, recebendo este sacramento.
 
5. Demais. — Pode dar-se às vezes que um pecador não tenha consciência do seu pecado. E esse não pecaria recebendo o corpo de Cristo; porque, do contrário, todos pecariam, que o re­cebem, por se exporém ao perigo de pecar, con­forme àquilo do apóstolo: De nada me argúi a consciência, mas nem por isso me dou por justi­ficado. Logo, não incorre em culpa, segundo pa­rece, o pecador que receber este sacramento.
 
Mas, em contrário, diz O Apóstolo: Todo aque­le que o come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação. E a Glosa a esse lugar: Come e bebe indignamente quem está em estado de pecado ou o trata com irreverência. Logo, quem está em pecado mortal, recebendo este sa­cramento, busca a sua própria condenação, pe­cando mortalmente.
 
SOLUÇÃO. — Neste sacramento, como nos ou­tros, o sacramento é o sinal da sua realidade. Ora, a realidade deste sacramento é dupla, como dis­semos: uma a significa da e contida, a saber, o próprio Cristo; outra, a significada, mas não contida, a saber, o corpo místico de Cristo, que é a sociedade dos santos. Por onde, quem quer que receba este sacramento, por isso mesmo se con­fessa unido com Cristo e incorporado aos seus membros. O que se dá pela fé formada, que nin­guém pode ter em estado de pecado mortal. Por onde, é manifesto que quem quer que receba este sacramento, em estado de pecado mortal, comete contra ele uma falsidade. E por isso incorre em sacrilégio, como violador do sacramento. Portan­to, peca mortalmente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Cristo, manifestando-se na sua figura própria, não se oferecia a ser tocado pelos homens como sinal de união espiritual com ele, como se oferece a ser recebido neste sacramento. Por isso, os pecadores, tocando-lhe o corpo, não incorriam no pecado de falsidade contra Deus, como incor­rem os que recebem este sacramento em estado de pecado mortal. — Além disso. Cristo ainda tinha, neste mundo, a semelhança da carne de pecado; por isso podia permitir aos pecadores, que o tocassem. Mas, desaparecida a semelhança da carne de pecado pela glória da ressurreição, proibiu que a mulher o tocasse, a qual não tinha nele uma fé completa, segundo àquilo do Evangelho: Não me toques porque ainda não subi a meu pai, isto é, no teu coração, como expõe Agos­tinho. Por isso, os pecadores, que não tem nele uma fé formada, são repelidos do contato com este sacramento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é qualquer remé­dio que convém a qualquer doente. Assim, o re­médio para fortificar os que já não têm febre, faria mal dos febricitantes. Assim também o ba­tismo e a penitência são remédios purificativos, para tirar a febre do pecado. Ao passo que este sacramento é um remédio fortificante, que não deve ter dados senão aos que se livraram do pe­cado.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Por bens máximos Agostinho entende as virtudes da alma, de que ninguém pode usar mal, como a modo de prin­cípios do mal. Podemos, porém usar mal delas, usando-as como de objetos para o mal, como no caso de quem se ensoberbece da sua virtude. As­sim também este sacramento não é, em si mes­mo, princípio de mau uso, mas objeto dele. Don­de o dizer Agostinho: Muitos recebem indignamente o corpo de Cristo, o que nos adverte do quanto nos devemos acautelar de receber mal um bem. Assim, procedemos mal; ao contrário, o Apóstolo fez bem recebendo bem o mal, isto é, quando suportou pacientemente o estímulo ele Satan.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Pela vista não rece­bemos o corpo de Cristo, mas só o seu sacramen­to; porque a vista não alcança a substância do corpo de Cristo, mas só as espécies sacramentais, como se disse. Mas quem comunga, não só toma as espécies sacramentais, mas também o corpo mesmo de Cristo, que está sob elas. Por onde, da visão do corpo de Cristo ninguém fica impedido, que já tenha recebido o batismo, sacramento de Cristo. Mas os não-batizados não podem ser ad­mitidos nem mesmo à contemplação deste sacra­mento, como está claro em Dionísio. À comunhão porém só podem ser admitidos os unidos com Cristo, só sacramentalmente, mas também real­mente.
 
RESPOSTA À QUINTA. — De dois modos pode dar-se que não tenha uma consciência do seu pe­cado. Primeiro culpa própria. Quer por ignorân­cia do direito, que não excusa, reputando não ser pecado o que o é — por exemplo, quem considerasse o seu pecado de simples fornicação como não sendo mortal. Quer por ser negligente ao examinar-se, contrariando àquilo do Apóstolo — Examine-se, pois a si mesmo o homem e assim, coma deste pão e beba deste cálice; e então, peca o pecador que receber o corpo de Cristo, embora não tenha consciência do seu pecado, porque já a sua mes­ma ignorância é pecaminosa. — De outro modo pode dar-se, sem culpa própria — por exemplo, quando se arrependem do pecado, mas sem contrição su­ficiente. E em tal caso não peca, recebendo o corpo de Cristo; porque não podemos saber com certeza se tivemos verdadeiramente contrição. Basta porém sentir em si sinais de contrição; por exemplo, se tiver dor dos pecados passados e propuser acautelar-se no futuro. — Se porém ignorar que seja pecado o ato que praticou, por ser a igno­rância de fato, que excusa, não deve ser por isso, considerado pecador; tal o caso de quem tivesse relações com uma mulher que julga a sua, sem que o fosse. — O mesmo se dará se lhe esqueceu totalmente o pecado; bastando então, para ser delido, uma contrição geral, como a seguir se dirá. E portanto, não deve ser considerado pecador.

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