O primeiro discute-se assim. — Parece que se não devem distinguir dois modos de receber o corpo de Cristo — o sacramental e o espiritual.
1. — Pois, o batismo é uma regeneração espiritual, segundo àquilo do Evangelho: Quem não renascer da água e do Espírito Santo, etc. Assim também este sacramento é uma comida espiritual, e por isso o Senhor, falando dele, disse: As palavras que eu vos disse são espírito e vida. Ora, no batismo não se distingue um duplo modo de o receber — o sacramental e o espiritual. Logo, também não os devemos distinguir no tocante a este sacramento.
2. Demais. — Duas coisas, das quais uma é para a outra, não se devem uma da outra dividir; pois pertencem ambas a mesma espécie. Ora, a comunhão sacramental se ordena à espiritual como ao fim. Logo, não se deve dividir a comunhão sacramental, da espiritual, por contrariedade.
3. Demais. — Duas coisas, das quais uma não pode existir sem a outra, não devem dividir-se uma da outra, por contrariedade. Ora, parece que ninguém pode receber este sacramento espiritualmente, senão o receber também sacramentalmente. Do contrário, os antigos Patriarcas o teriam recebido de modo espiritual. E também seria vã a comunhão sacramental, se pudesse ser sem ela a espiritual. Logo, não se distingue convenientemente uma dupla comunhão — a sacramental e a espiritual.
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo — Quem come e bebe indignamente, etc., diz a Glosa: Distinguimos dois modos de comunhão: o sacramental e o espiritual.
SOLUÇÃO. — Na recepção deste sacramento duas coisas devemos distinguir: o sacramento em si mesmo e o seu efeito, de ambas as quais já tratamos. Por onde, o modo perfeito de receber este sacramento é recebermos de maneira a lhe colhermos o efeito. Pode se dar porém, como dissemos, que estejamos impedidos de colher o efeito deste sacramento; e esse modo de o receber é imperfeito. Ora, assim como o perfeito se opõe ao imperfeito, assim a comunhão sacramental, na qual recebemos apenas o sacramento, sem o seu efeito, se opõe à comunhão espiritual, na qual recebemos o efeito deste sacramento, por onde nos unimos espiritualmente com Cristo pela fé e pela caridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — No tocante ao batismo e os outros sacramentos semelhantes, tem lugar a mesma distinção. Assim, certos recebem só o sacramento; outros, o sacramento e a realidade do sacramento. Mas nisto diferem, pelo seguinte. Como os outros sacramentos se consumam pelo uso da matéria, receber o sacramento é a perfeição mesma dele. Ao passo que este sacramento se consuma pela consagração da matéria e por isso um e outro uso resulta do sacramento. Também no batismo e nos outros sacramentos que imprimem caráter, os que recebem o sacramento recebem o efeito especial, que é o caráter; o que não se dá neste. Por isso antes neste sacramento se distingue, que no batismo, o uso sacramental, do espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A comunhão sacramental, que chega a ser espiritual, não se divide, por oposição, da comunhão espiritual, mas está inclui da nesta. A manducação sacramental, porém se divide, por oposição, da espiritual que não produz o seu efeito; assim, o imperfeito, por não atingir a perfeição da espécie, se divide do perfeito, por oposição.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, o efeito do sacramento pode ser gozado por quem deseja receber o sacramento, embora realmente não o receba. Por isso, assim como certos são batizados pelo batismo de desejo, pelo desejar, antes de serem batizados na água, assim também certos recebem espiritualmente este sacramento, antes de o receberem sacramentalmente. Mas isto de dois modos pode dar-se. Ou pelo desejo de receber realmente o sacramento; e então dizemos que são batizados e comem espiritualmente, e não sacramentalmente, os que desejam receber esses sacramentos já instituídos. Ou, de modo figurado; assim, diz o Apóstolo, que os antigos Patriarcas foram batizados na nuvem e no mar; e que comeram de um mesmo manjar espiritual e beberam de uma mesma bebida espiritual. Mas nem por isso é inútil a comunhão sacramental, porque induz um efeito mais pleno do sacramento o recebê-lo realmente do que só em desejo, como dissemos ao tratar, acima, do batismo.