O segundo discute-se assim. — Parece que antes do pecado os sacramentos eram necessários ao homem.
1. — Pois, como se disse, os sacramentos são necessários para o homem alcançar a graça. Ora, mesmo no estado de inocência o homem precisava da graça, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, também nesse estado eram lhe necessários os sacramentos.
2. Demais. — Os sacramentos são necessários ao homem em virtude da condição da natureza humana como se disse. Ora, a natureza do homem é a mesma tanto antes como depois do pecado. Logo, parece que também antes do pecado precisava dos sacramentos.
3. Demais. — O matrimônio é um sacramento, segundo aquilo do Apóstolo: este sacramento é grande, mas eu digo em Cristo e na Igreja. Ora, o matrimônio foi instituído antes do pecado, como o refere a Escritura. Logo, os sacramentos eram necessários ao homem antes do pecado.
Mas, em contrário; o remédio não é necessário senão ao doente, segundo aquilo do Evangelho: Os sãos não têm necessidade de médico. Ora, os sacramentos são uns remédios espirituais aplicados contra os males causados pelo pecado. Logo, não eram necessários antes do pecado.
SOLUÇÃO. — No estado de inocência, antes do pecado, os sacramentos não eram necessários. E a razão disso podemos descobri-la na retidão desse estado, em que o inferior, longe de reger o superior, era governado por este; assim como a razão estava sujeita a Deus, assim lhe estavam sujeitas a ela as potências inferiores da alma; e à alma, o corpo. Ora, iria contra essa ordem se a alma se aperfeiçoasse, quer quanto à ciência, quer quanto à graça, por algum meio material, como é o caso nos sacramentos. Por onde, no estado de inocência o homem não precisava de sacramentos, considerados estes não só como ordenados a serem remédio contra o pecado, mas ainda enquanto ordenados à perfeição da alma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem, no estado de inocência, precisava da graça; não porém que a conseguisse por quaisquer sinais sensíveis, mas espiritual e indivisivelmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A natureza do homem é a mesma tanto antes como depois do pecado; mas o estado da natureza não é o mesmo. Pois, após o pecado, a alma, ainda na sua parte superior, precisa apoiar-se nos seres materiais, para conseguir a sua perfeição; o que não era necessário ao homem no seu estado primeiro.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O matrimônio foi instituído no estado de inocência, não como sacramento, mas como função da natureza. Mas, por consequência, significava algo que havia de dar-se relativamente a Cristo e à Igreja; como foi o caso de tudo o que precedeu a Cristo e o figurava.