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Art. 2 — Se as virtudes morais podem coexistir com as paixões.

(II Ethic., lect. III).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes morais não podem coexistir com as paixões.
 
1. — Pois, como diz o Filósofo, pacífico é o que não sofre perturbação; paciente, quem a sofre, mas não se deixa vencer por ela1. E o mesmo se pode dizer de todas as virtudes morais. Logo, não podem coexistir com as paixões.
 
2. Demais. — A virtude é um hábito reto da alma, como a saúde o é do corpo, segundo já se disse2. Por onde, a virtude foi considerada saúde da alma, de certo modo, no dizer de Túlio3. Ora, nesse mesmo livro, Túlio considera as paixões como certas doenças da alma4. Ora, a saúde não é compatível com nenhuma doença. Logo, nem a virtude o é com as paixões da alma.
 
3. Demais. — A virtude moral supõe o uso perfeito da razão, mesmo nos casos particulares. Ora, isto fica impedido pelas paixões, pois, diz o Filósofo, que os prazeres corrompem a ponderação da prudência5; e Salústio diz, que quando elas, isto é, as paixões, governam, a alma não descobre facilmente a verdade6. Logo, as virtudes morais não podem coexistir com as paixões.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: A vontade perversa terá os movimentos (das paixões) perversos; na vontade reta, ao contrário, eles não só serão isentos de culpa, mas ainda louváveis7. Ora, as virtudes morais não excluem nada de louvável. Logo, não excluem as paixões e podem coexistir com elas.
 
Solução. — Sobre esta questão dissentem os estóicos e os peripatéticos, como o refere Agostinho8. Assim, aqueles ensinavam que as paixões não podem existir na alma do sábio ou virtuoso. Estes, pelo contrário, sequazes de Aristóteles, como diz Agostinho, no mesmo lugar, doutrinavam que as paixões podem coexistir com as virtudes morais, mas reduzidas ao justo meio.
 
Ora, esta diversidade de opiniões, como no passo aduzido diz Agostinho, se funda mais nas palavras do que no modo de pensar deles. Assim, os estóicos, não distinguindo entre o apetite intelectual, chamado vontade, e o sensitivo, dividido em irascível e concupiscível, também não distinguiam como os peripatéticos as paixões da alma, que são movimentos do apetite sensitivo, dos outros afetos humanos, que não são paixões, mas movimentos do apetite intelectivo, chamado vontade. Mas punham a distinção só em serem paixões quaisquer afetos repugnantes à razão. E estas, se nascem deliberadamente, não podem existir no sábio e virtuoso; se surgirem porém subitamente, este pode ser susceptível delas. Pois, as imaginações da alma, chamadas fantasias, influem em nós sem de nós dependerem, nem em si mesmas, nem quanto ao tempo em que surgem; e quando originadas de circunstancias aterrorizantes, necessariamente hão de mover o ânimo do sábio, de modo a fazê-lo experimentar as primeiras emoções do medo ou contrair-se pela tristeza, essas paixões tomando a dianteira ao papel da razão; nem por isso contudo o sábio aprova tais coisas ou nelas consente, como o refere Agostinho, citando a Aulo Gélio.
 
Por onde, consideradas como afeto desordenados as paixões não podem existir no virtuoso, de modo que este nelas deliberadamente consista, segundo opinavam os estóicos. Se dermos, porém esse nome a quaisquer movimentos do apetite sensitivo, então poderão nele existir, enquanto governadas pela razão. E por isso diz Aristóteles: os que consideram as virtudes como estados de impassibilidade e de quietude, não as compreendem bem por falta de distinção9; pois deviam dizer também que são estados de quietude relativamente às paixões, que atuam como não devem e inoportunamente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Filósofo aduz o exemplo citado, bem como muitos outros, nos seus livros de lógica; não que representem a sua opinião, mas sim, a de outros. Ora, no caso presente, ele expõe a opinião dos estóicos, que consideravam as virtudes incompatíveis com as paixões da alma. E essa opinião o Filósofo a rejeita10, dizendo que as virtudes não são estados de impassibilidade. Mas também podemos entender a sua opinião, que o pacífico não sofre perturbação, como referente à paixão desordenada.
 
Resposta à segunda. — As concepções citadas, bem como todas as que Cícero aduz11, no caso vertente, se referem às paixões como afetos desordenados.
 
Resposta à terceira. — Se a paixão, tomando a dianteira ao juízo da razão, prevalecer na alma, de modo a fazê-la consentir, trava o conselho e o uso da razão. Se porém lhe for subseqüente, quase ordenada por ela, ajudará a execução do império racional.

  1. 1. IV Topic (c. V).
  2. 2. VIII Phys. (lect. V, VI).
  3. 3. IV De tuscul. Quaest. (cap. XIII).
  4. 4. IV De tuscul. Quaest. (cap. X).
  5. 5. VI Ethic. (lect. IV).
  6. 6. Catilinario (in princip. Orat. Caesaris).
  7. 7. XIV De civ. Dei, cap. VI.
  8. 8. IX De civ. Dei (cap. IV).
  9. 9. II Ethic., lect. III.
  10. 10. II Ethic. (lect. III).
  11. 11. IV De tuscul. Quaestion.
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