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Art. 3 — Se a arte é uma virtude intelectual.

(De Virtut., q. 1, a. 7; VI Ethic., lect III).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que a arte não é uma virtude intelectual.
 
1. — Pois, diz Agostinho, que ninguém pode usar mal da virtude1. Ora, podemos usar mal da arte; tal é o caso do artífice que obra mal de acordo com a ciência da sua arte. Logo, a arte não é uma virtude.
 
2. Demais. — Não há virtude de virtude. Ora, há uma virtude da arte, como já se disse2. Logo, a arte não é uma virtude.
 
3. Demais. — As artes liberais são mais excelentes que as mecânicas. Ora, assim como estas são práticas, aquelas são especulativas. Logo, se a arte fosse uma virtude intelectual, devia ser enumerada entre as virtudes especulativas.
 
Mas, em contrário, o Filósofo embora considere a arte como virtude, não a enumera contudo entre as virtudes especulativas, cujo sujeito é, diz, a parte científica da alma3.
 
SOLUÇÃO. — A arte não é mais que a razão reta de acordo com a qual fazemos certas obras. E a bondade destas não consiste em o apetite humano se comportar de um determinado modo, mas em ser boa, em si mesma, a obra feita. Pois, o que importa para o louvor do artista, como tal, não é a vontade com que faz a obra, senão a qualidade da obra feita. Por onde, propriamente falando, é um hábito operativo.
 
E contudo convém em algo com os hábitos especulativos. Pois, também a estes importa o modo de ser do objeto considerado, mas não como se comporta o apetite humano em relação a ele. Assim, desde que o geômetra demonstre a verdade, pouco importa como se comporte quanto à parte apetitiva, se está alegre ou irado; e o mesmo se dá com o artífice, segundo já se disse. Por onde, a arte supõe a noção de virtude do mesmo modo que os hábitos especulativos; pois, nem estes e nem aquela fazem a obra boa quanto ao uso — o que é próprio da virtude que aperfeiçoa o apetite mas só quanto à faculdade de agir retamente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A má obra artística de quem possui uma arte não provém desta, mas é antes contra ela; do mesmo modo que quem mente, sabendo qual é a verdade, não fala de acordo, mas contra a sua ciência. Por onde, assim como a ciência sempre diz respeito ao bem, conforme já dissemos4, assim também a arte, que por isso é considerada virtude. Afasta-se entretanto da noção perfeita de virtude, porque não produz o bom uso, em si, para o que é necessária outra condição; embora o bom uso não possa existir sem a arte.
 
Resposta à segunda. — Como a boa vontade, aperfeiçoada pela virtude moral é necessária para o homem usar bem da sua arte, o Filósofo diz que há virtude moral na arte, na medida em que uma certa virtude moral é necessária para o bom uso da mesma. Pois é manifesto que o artífice, pela justiça, que torna a vontade reta, se inclina a fazer uma obra fiel.
 
Resposta à terceira. — Mesmo no que é especulativo entra algo de prático, de certo modo; p. ex., a construção de um silogismo ou de uma oração congruente, ou a ação de numerar ou medir. E portanto, todos os hábitos especulativos ordenados a essas operações da razão chamam-se, por semelhança, artes liberais, para se diferençarem das artes ordenadas às obras exercidas pelo corpo, que são, de algum modo, servis, pois estar o corpo servilmente sujeito à alma, e ser o homem, pela alma, livre. Ao passo que as ciências não ordenadas a nenhuma dessas obras se chamam absolutamente, ciências e não artes. Nem é necessário, por serem as artes liberais mais nobres, que mais se lhes adapte a noção de arte.

  1. 1. II De libero arbítrio (cap. XIX).
  2. 2. VI Ethic. (lect. IV).
  3. 3. VI Ethic. (lect. III).
  4. 4. Q. 57, a. 2 ad 3.
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