96 — Depois de se afirmar a Ressurreição de Cristo, convém crer na sua Ascensão, pois Ele subiu para o céu após quarenta dias de ressuscitado. Eis porque se diz no Credo: “Subiu aos céus”.
Devemos considerar as três características principais deste acontecimentos, isto é, que ele foi sublime, racional e útil.
97 — Foi sublime, porque Ele subiu para os céus. Explica-se isto por três maneiras:
Primeiro, porque Ele subiu acima de todos os céus corpóreos, conforme se lê em São Paulo: “Subiu acima de todos os céus” (Ef 4, 10).
Tal ascensão foi realizada pela primeira vez por Cristo, porque até então o corpo terreno estivera somente na terra, sendo o paraíso, onde esteve Adão, situado também na terra.
Segundo, porque subiu sobre todos os céus espirituais, isto é, acima das naturezas espirituais, como se lê também em São Paulo: “Colocando (o Pai) Jesus à sua direita nos céus, sobre todo Principado, Potestade, Virtude, Dominação e acima de todo nome que se pronuncia não só neste século, mas também nos futuros, e tudo colocou sob os seus pés” (Ef 1, 20).
Terceiro, porque subiu até ao trono do Pai. Lê-se nas Escrituras: “Eis que vinha sobre as nuvens do céu como o Filho de Homem; Ele dirigiu-se para o Ancião, e foi conduzido à sua presença” (Dn 7, 13). Lê-se também em São Marcos: “E o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado subiu ao céu, e sentou-se à direita de Deus” (Mc 16, 19).
98 — A expressão direita de Deus não deve ser entendida no sentido corporal, mas em sentido metafórico. Enquanto Deus, diz-se que Cristo está sentado à direita de Deus, porque é igual ao Pai; enquanto homem, diz-se que Cristo está sentado à direita do Pai, porque goza dos melhores bens. O diabo aspirou também semelhante elevação, como se lê em Isaías: “Subirei ao céu, acima dos astros de Deus colocarei o meu trono; sentar-me-ei no Monte da Promessa, que está do lado do Aquilão; subirei acima da elevação das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14, 13) .
Mas a semelhante altura não se elevou senão Cristo, razão pela qual se diz no Credo: “Subiu aos céus está sentado à direita do Pai”, o que é confirmado no Livro dos Salmos: “Disse o Senhor ao meu Senhor, senta-te a minha direita” (Sl 109, 1).
99 — A Ascensão de Cristo foi racional por três motivos. Primeiro, porque o céu era devido a Cristo por exigência da sua natureza. É, com efeito, natural que cada coisa retorne à sua origem. Cristo tem sua origem em Deus, que está acima de todas as coisas, conforme Ele mesmo disse: “Saí do Pai, e vim ao mundo; deixo agora o mundo e voto para o Pai” (Jo 16, 18).
Disse também: “ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu” (Jo 3, 13).
Apesar de os Santos irem para o céu, todavia não o fazem como Cristo: porque Cristo o fez por seu próprio poder; os santos, porém, levados por Cristo. Lê-se no Livro dos Cânticos: “Leva-me na Vossa seqüência” (Ct 1, 3).
Pode-se explicar de outra maneira porque se diz que ninguém subiu ao céu a não ser Cristo: os santos não sobem senão enquanto membros de Cristo, que é a cabeça da Igreja, conforme está escrito em São Mateus: “Onde estiver o corpo, aí as águias se congregarão” (Mt 24, 28) .
Em segundo lugar, a Ascensão de Cristo foi racional devido à sua vitória. Sabemos que Cristo veio ao mundo para lutar contra o diabo, e o venceu. Por isso mereceu ser exaltado sobre todas as coisas. Confirma-o o Apóstolo: “Eu venci, e sentei-me com o Pai no seu trono” (Ap 3, 21).
A Ascensão de Cristo foi racional, em terceiro lugar por causa da humildade de Cristo, que, sendo Deus, quis fazer-se homem; sendo Senhor, quis suportar a condição de escravo, fazendo-se obediente até à morte, segundo se lê na Carta aos Filipenses, (2, 1), descendo ainda até o inferno. Por isso mereceu ser exaltado até ao céu e sentar-se à direita de Deus. A humildade é, com efeito, o caminho da exaltação, como se lê em São Lucas: “Quem se humilha, será exaltado” (Lc 14, 11). Escreveu também São Paulo: “O que desceu do céu, este é o que subiu acima de todos os céus” (Ef 4, 10).
100 — A Ascensão de Cristo foi além de sublime e racional, também útil.
Essa afirmação pode ser esclarecida em três dos seus aspectos:
O primeiro, refere-se ao fim da Ascensão, pois Cristo foi para o céu para nos conduzir até lá. Desconhecíamos o caminho, mas Ele no-lo ensinou. Lê-se: “Subiu abrindo o caminho na frente deles” (Mq 2, 13).
Subiu ao céu também para nos fazer seguros da posse do reino celeste, conforme se lê em São Paulo: “Vou preparar-vos o lugar” (Jo 14, 2).
O segundo, refere-se à segurança que a Ascensão nos trouxe, pois subiu aos céus para interceder por nós. Lê-se: “Subiu por si mesmo ao Deus sempre vivo para interceder por nós” (Heb 7, 25). Lê-se também: “Temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo” (1 Jo 21).
O terceiro para atrair a si os nossos corações, segundo está escrito em São Mateus: “Onde está o teu coração está o teu tesouro” (Mt 6, 21), e para que desprezemos as coisas temporais, como nos exorta o Apóstolo São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus; saboreai as coisas do alto e não as da terra” (Col 3, 1).