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Art. 4 — Se uma deficiência é causa de mais facilmente nos irarmos contra outrem.

O quarto discute-se assim. — Parece que uma deficiência não é causa de mais facilmente nos irarmos contra outrem.
 
1. — Pois, como diz o Filósofo, não nos iramos contra os que confessam o mal que fizeram, dele se arrependem e se humilham; antes, somos brandos para com eles. Assim também os cães não mordem os que estão sentados1. Ora, isto supõe fraqueza e deficiência. Logo, a fraqueza é causa de não nos irarmos contra outrem.
 
2. Demais — Não há deficiência maior que a morte. Ora, para com os mortos cessa a ira. Logo, a deficiência de uma pessoa não é causa de nos irarmos contra ela.
 
3. Demais — Não julgamos que alguém valha pouco por ser nosso amigo. Ora, ofendemo-nos, sobretudo, quando os amigos nos fazem mal ou não nos ajudam; e por isso diz a Escritura (Sl 54, 13): Porque se o meu inimigo houvera falado mal de mim, eu o houvera sofrido por certo. Logo, a deficiência não é causa de nos irarmos contra ninguém.
 
Mas, em contrário, diz o Filósofo, o rico se ira contra o pobre, que o despreza, e o chefe, contra o súbdito2.
 
Solução. — Como já dissemos3, o desprezo imerecido é o que sobretudo provoca a ira. Por onde, a deficiência ou a fraqueza daquele contra quem estamos irados contribui para o aumento da ira, enquanto aumenta o desprezo imerecido. E assim, quanto maior for alguém tanto mais será imerecidamente desprezado; e quanto menor, tanto mais imerecidamente despreza. Por isso os nobres se iram quando desprezados pelos rústicos; bem como os sábios, quando o são pelos ignorantes e os senhores, pelos servos.
 
A fraqueza porém ou a deficiência, que diminui o desprezo imerecido não aumenta, mas diminui a ira. E deste modo, os que se arrependem das injúrias feitas, confessam o mal praticado, se humilham e pedem perdão mitigam a ira, conforme aquilo da Escritura (Pr 15, 1): A resposta branda quebra a ira. Porque vemos que esses tais não desprezam, mas antes, estimam aqueles ante quem se humilham.
 
E daqui se deduz clara a resposta à primeira objeção.
 
Resposta à segunda. — É dupla a causa porque cessa a ira em relação aos mortos. Primeiro por não poderem sofrer e sentir, o que sobretudo desejam os irados em relação aos de quem têm ira. Segundo, por vermos que já sofreram o último dos males. Por isso a ira também cessa relativamente aos que já sofreram graves penas, por exceder o mal deles a medida da justa retribuição.
 
Resposta à terceira. — O desprezo dos amigos está em o número dos mais imerecidos. Por isso, por semelhante causa, mais nos iramos contra eles, se nos desprezarem, quer nos fazendo mal, ou não nos auxiliando, assim como contra os que nos são inferiores.

  1. 1. II Rhetoric. (cap. III).
  2. 2. II Rhetoric. (cap. II).
  3. 3. q. 47, a. 2, 3.
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