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Da necessidade da oração para a salvação

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Quando se observa atentamente a condição em que se encontram as almas, fica-se impressionado com a fraqueza, para não dizer coisa pior, com a fraqueza de suas orações. Reza-se pouco, reza-se mal, ou não se reza nada.

A maior parte dos homens não reza, o que é evidente; muitos cristãos rezam mal, seja porque o fazem ou sem fé, ou sem estar entendendo o que fazem, ou sem desejar receber qualquer coisa de Deus.

E mesmo os que rezam, rezam muito pouco.

Parece-nos, pois, que o somatório das orações está longe, muito longe, de corresponder à soma das necessidades; e apenas isto basta para que compreendamos porque vemos ininterruptamente o bem se debilitar e o mal crescer.

Outrora, os cristãos rezavam mais e melhor. As igrejas eram casas de oração e os domingos dias de orações. Hoje, nós vemos as igrejas quase desertas e os dias santos profanados.

Será que é possível encontrar a causa de tão grande mal?

O problema é difícil, porém, vamos nos esforçar na procura da solução.

Por volta do final do século XV, foram introduzidas na Igreja muitas novidades, e até mesmo doutrinas novas que ainda existem, e que aparentemente nada têm a ver com a situação que nós deploramos.

Outrora, todos os cristãos oravam para pedir a Deus sua graça; a graça de O conhecer, de O servir, de O amar, a graça da Fé, da Esperança e da Caridade; a graça de observar os seus divinos mandamentos, a graça da perseverança final. A Igreja reza ainda com esses mesmos propósitos e com as mesmas orações, porém, os cristãos, que antigamente assimilavam a finalidade das preces da Igreja sua mãe, hoje, não entendem mais o sentido dessas orações, pois agora eles estão imbuídos do sentido das doutrinas modernas, largas e fáceis; tão largas e tão fáceis que, com elas, não há mais necessidade de rezar. Como se diz, basta somente querer para ter.

Quando outrora acreditava-se com São Paulo que a Fé não é dada a todos, “non enim omnium est fides” (2 Ts 3, 2), dava-se à Fé o devido valor e rezava-se a Deus para lhe agradecer a graça de no-la haver dado, e rezava-se para lhe pedir a graça de a dar àqueles que não a tinham.

Quando Santo Agostinho ensinava que “a graça não é dada a todos; e quando ela é dada, não é dada segundo nossos méritos mas sim por pura misericórdia; e quando a graça não é dada, isto se deve a um justo juízo de Deus”, os cristãos, que entendiam esta doutrina, aprendiam a orar, a se humilhar e a reconhecer os dons de Deus1

Hoje o entendimento é diferente, e se diz que Deus dá sua graça a todos, e para recebê-la basta querer. É fácil deduzir a conseqüência destas novas opiniões: é desnecessário pedir, uma vez que Deus dá tão generosamente.

Há sobretudo um ponto, e um ponto capital a partir do qual as novas opiniões lançaram muitas almas no erro; referimo-nos à graça que é necessária para a vontade.

Dando Deus sua graça tão copiosamente a todos os homens, imagina-se hoje, não há mais necessidade de pedir a Ele a graça de querer o bem. A boa vontade qualquer um se a dá, se lhe apraz e quando lhe agrada; aceita a graça que Deus dá a todos, a faz por assim dizer sua, e em seguida avança e se faz a si mesmo um homem de boa vontade. Assim sendo, não é mais necessário rezar; basta que a vontade humana se mova.

Não era assim que os nossos pais pensavam, pois eles pediam a Deus a graça de querer o bem.

As preces da Igreja são nossas testemunhas e são testemunhos fiéis. Dentre todas as que nós poderíamos citar, eis aqui algumas:

- “ Ó Deus, que unistes a diversidade das nações na confissão do vosso nome, fazei-nos querer e poder o que Vós nos ordenais...”2

- “Ó Deus, fazeis vossos povos amar o que ordenais e desejar o que prometeis...”3

- “Ó Deus, força dos que em Vós esperam, atendei com bondade as nossas orações e, porque sem Vós nada pode a fraqueza humana, fazei que, com o auxílio da vossa graça, Vos agrademos por vontade e por obras, no cumprimento dos vossos mandamentos”4

Seria preciso citar todas as orações da Igreja, pois todas pedem a deus a graça da inteligência que esclarece e a graça da vontade que fortalece.

Na última das orações que citamos acima, a Igreja pede a Deus que lhe agrademos pela vontade e pelas obras. Portanto, a Igreja nos ensina a pedir a Deus não apenas as graças de saber, de poder e de querer, mas também a graça especial de fazer obras agradáveis a Deus.

Como estão longe de pensar assim muitos cristãos que imaginam que, fazer o bem depende apenas deles e que, tendo feito qualquer coisa para Deus, se gabam a si mesmo pelo que fizeram, como se o bem fosse obra deles e como se pudessem se vangloriar não somente a seus próprios olhos, mas também diante do próprio Deus.

Deus não ordena coisas impossíveis, mas daí não é lícito concluir que a oração não é necessária.

O Concílio de Trento diz: “Deus não ordena coisas impossíveis, mas ao ordenar, Ele vos adverte que deveis fazer o que podeis e pedir o que não podeis, e ele ajudará a fim de que possais” (Sess. VI, cap. XI).

O Concílio entende, pois, que nem sempre temos os meios suficientes, e aquele que se encontra em tal situação sabe a quem pedir aquilo que lhe falta. O resultado desta doutrina é que a oração é necessária para que os mandamentos de Deus possam ser observados.

Porém, diz um sábio autor, se alguns, mesmo pedindo, não conseguem, muito menos conseguirão o que não pedem e que nem mesmo querem pedir, e que não reconhecem Aquele a quem é preciso pedir”5

Precedendo o ensinamento do Concílio de Trento, Santo Agostinho dizia: “Os pelagianos acreditam que fizeram uma grande descoberta, quando nos dizem que Deus não ordenaria aquilo que Ele sabe ser impossível aos homens. Quem é que ignora isto? Porém, ele nos ordena certas coisas que nós não podemos fazer, a fim de que nós saibamos o que lhe devemos pedir”6

A ordem nos é, então, dada, para que busquemos a ajuda Daquele que nos comanda. Daí a necessidade da oração e é uma necessidade tão grande que, sem a prece, é impossível a um cristão resistir às tentações, obedecer aos mandamentos e se salvar.

É certo, diz ainda Santo Agostinho, que nós observamos os mandamentos se queremos, mas, como é o Senhor que opera na vontade, é preciso lhe pedir que nós queiramos tanto quanto é preciso, para que, querendo, façamos o que está ordenado”7

 

* * *

 

Oração para a salvação da nossa liberdade


A oração que se segue foi impressa em Roma em 1695, com permissão dos superiores, com o título:

Oração da fraqueza humana e da humildade cristã

 

“Deus qui habes humanorum cordium quo tibi placet inclinandorum omnipotentissimam potestatem; tu intus in me age; tu cor meum tene; tu cor meum move; tuque me voluntas mea quam ipse in me operaris, ad te trahe.

 

Per Christum Dominum nostrum. Amen.”

 

“Ó Deus, que tendes o poder onipotente de fazer pender os corações dos homens para onde desejais; agi, Senhor, em mim; tomai o meu coração; movei Senhor, o meu coração; por minha vontade que operais em mim, atraí-me para Vós;

 

Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amén.”


  1. 1. Scimus gratiam Dei Nec parvulis Nec majoribus secundum merita nostra dari. Scimus non omnibus hominibus dari; et quibus datur, non solum secundum merita operum dari, sed Nec secundum merita voluntatis eorum quibus datur, quod máxime apparet in parvulis. Scimus eis quibus datur, misericórdia Dei gratuita dari. Scimus eis quibus non datur, justo judicio Dei non dari. (S. Aug. Epist. Ad Vitalem, cv.).
  2. 2. Oração do Sábado Santo, depois da Profecia X.
  3. 3. Oração do 4º. Domingo depois da Páscoa.
  4. 4. Oração do 1º. Domingo depois de Pentecostes.
  5. 5. Si autem petentes quidam nondum possunt, quanto minus possunt non petentes, imo nec petere volentes, nec eum a quo petatur agnoscentes (Estius)
  6. 6. Magnum aliquid Pelagiani se scire putant quando dicunt non juberet Deus quod sciret ab homine non posse fieri. Quis hoc nesciat? Sed ideo jubet aliqua quae non possumus, ut noverimus quid ab illo petere debeamus (De gratia et libero arbítrio, c. XVI).
  7. 7. Certum est nos mandata servare si volumus: sed qui preparatur voluntas a Domino, ab illo petendum est ad tantum velimus quantum sufficit ut volendo faciamus (id. ib).
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