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Art. 1 ― Se fruir é próprio só da potência apetitiva.

(I Sent., dist. I, q. 1, a . 1).
 
O primeiro discute-se assim. ― Parece que fruir não é próprio só da potência apetitiva.
 
1. ― Pois, fruir não é senão colher o fruto. Ora, o fruto da vida humana, que é a beatitude, colhe-o o intelecto, em cujo ato consiste a felicidade, como já se demonstrou1. Logo, fruir não é próprio da potência apetitiva, mas do intelecto.
 
2. Demais. ― Toda potência tem um fim próprio, que é a sua perfeição; pois, o fim da visão é conhecer o visível, o da audição, perceber os sons e assim por diante. Ora, o fim de uma coisa é o seu fruto. Logo, fruir é próprio de todas as potências e não só da apetitiva.
 
3. Demais. ― A fruição importa num certo deleite. Ora, o deleite sensível pertence ao sentido, que se compras no seu objeto; e pela mesma razão o deleite intelectual pertence ao intelecto. Logo, a fruição pertence à potência apreensiva e não à apetitiva.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Fruir é aderir por amor, a alguma coisa, em si mesma2. Ora, o amor respeita à potência apetitiva. Logo, também fruir é ato dessa potência.
 
Solução. ― Fruição e fruto respeitam, segundo parece, a uma mesma realidade, e um deriva do outro. Qual seja o derivado, não vem ao caso, senão que, como parece provável, o mais manifesto também foi primeiro denominado. Ora, sendo-nos as coisas mais sensíveis as mais manifestas, o nome de fruição parece derivado dos frutos materiais. Ora, o fruto material é o que por último esperamos da árvore e o que colhemos com certa suavidade. Por onde, a fruição parece pertencer ao amor ou deleite que sentimos ante o termo da nossa expectativa, que é o fim. Ora, o fim e o bem é o objeto da potência apetitiva. Logo, é manifesto ser a fruição ato dessa potência.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Nada impede que a uma só e mesma realidade se refiram diversas potências, sob diversos pontos de vista. Assim, a visão de Deus como tal é ato do intelecto; mas como bem e fim é objeto da vontade e podemos desse modo gozá-lo. De maneira que o intelecto, como potência agente, alcança esse fim; ao passo que a vontade o alcança como potência que move para o fim e deste goza, quando já obtido.
 
Resposta à segunda. ― Como já se disse3, a perfeição e o fim de cada uma das outras potências estão contidos no objeto da potência apetitiva, como o próprio está contido no comum. Por onde, a perfeição e o fim de qualquer potência, como bem particular, pertence à potência apetitiva; e por isso esta move as outras aos fins próprios e, conseguindo o seu fim, ajuda também as outras a conseguirem os seus.
 
Resposta à terceira. ― Dois elementos há na deleitação: a percepção do conveniente, própria da potência apreensiva; e a complacência no que se apresenta como conveniente, própria da potência apetitiva e em que a deleitação encontra a sua plenitude.

  1. 1. Q. 3 a. 4.
  2. 2. I De doctr. Christ., cap. IV; X De Trinit., cap. X, XI
  3. 3. Q. 9 a. 1.
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