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Arte da guerra

Prof. David Clayton

Quem fez o melhor trabalho como artista da guerra: John Singer Sargent ou Picasso? Antes de tudo, considere a pintura encomendada pelo Comitê dos Memoriais de Guerra do governo britânico, e terminada em 1919. Ela se chama Gassed [numa tradução livre: Vítimas do Gás] e mostra alguns soldados – que o gás de mostarda cegou – sendo retirados do teatro de operações. Trata-se dum quadro grande, de cerca de 2,5m x 6m, e está exposto no Museu Imperial de Guerra em Londres.

Agora, considere a pintura Guernica, encomendada pelo governo republicano da Espanha nos anos de 1930, e pintada por Pablo Picasso. Sua morada permanente é o Museu do Prado, em Madri.

Defendo que a pintura de guerra de Sargent é superior à de Picasso, na medida em que a interpretação de Sargent condiz com a compreensão cristã sobre os horrores da guerra e nos abre caminho à esperança, ainda que sob a luz da guerra. Além disso, proponho que o quadro de Sargent é artisticamente superior. Eis as minhas razões:

Em primeiro lugar, o quadro de Sargent se parece com um quadro de guerra. Basta uma explicação mínima para que reconheçamos o que observamos. Sou da opinião de que, se não explicarem o assunto da pintura de Picasso, ninguém saberia do que se trata. A clareza – que é a propriedade pela qual somos capazes de entender, com um conhecimento ou um entendimento prévio reduzidíssimo, o que estamos observando – é uma qualidade essencial da arte cristã.  Sem a clareza a apreciação artística só é possível à elite cognoscenti que, apartada do vulgo como gnósticos modernos, entende e aprecia o que está para além do alcance das massas.

Em segundo lugar, Picasso não sabe desenhar. Sargent é um artista superior porque suas habilidades de desenho e pintura estão a anos-luz das de Picasso. Esta é uma obviedade que só aqueles que nunca freqüentaram uma universidade ousam declarar, porque não tiveram o bom senso “polido” – ao ponto de literalmente ser brunido até que se apague. Estou ciente de que alguns mencionarão a arte da fase inicial de Picasso, com a finalidade de alegar que ele é um desenhista brilhante que de propósito escolheu pintar de certa forma, em razão de um objetivo filosófico. No entanto, em comparação com outros estudantes que naquela época receberam treinamento acadêmico, suas habilidades eram medíocres. Mesmo que quisesse, não seria capaz de competir com eles numa prova de habilidades. É bem verdade que ele inventou uma filosofia contrária à visão de mundo cristã, e que a feiúra e a imagética distorcida de sua arte perseguiam tal propósito – mas nada disso lhe faz bem desenhada a obra. Certamente, é um mestre da autopromoção, o que é quase tudo de que se precisa para fazer sucesso na arte mainstream dos séculos XX e XXI. Se um aluno dum curso de desenho numa universidade qualquer fizesse Guernica como projeto, tiraria um F por técnica ruim.

Em terceiro lugar, o quadro de Picasso é feio e estúpido. As caricaturas infantis das gentes berrantes por óbvio retratam o sofrimento e a angústia, com espalhafato e crueza. Nem o esquema nem o acaso fazem desse retrato algo de apropriado – fazem-no antes má pintura. Alguns críticos nos dizem que ele nos oferece esperança, mas devem estar de brincadeira comigo. Se nele enxergo algo, é desespero, numa representação cruel e sem esperança. Isto demonstra um artista que não se importa com o público e um artista que carece dum vislumbre da verdade. Para o cristão, por mais desesperada que seja a situação, sempre há a esperança que transcende o sofrimento.

Em quarto e último lugar, Sargent retrata com clareza os horrores da guerra, mas esse horror ainda se infunde com a esperança e a compaixão. O quadro de Picasso, se transmite algo, é desespero, e isto é anticristão. Em Gassed, observamos compaixão e esperança nas interações humanas: os cegos são guiados pelos que enxergam. A luz do sol traspassa o ar venenoso e está pintada de molde a lhes parecer o destino.

Sargent conformou com conhecimento e notícia seu estilo de pintura ao do mestre barroco do séc. XVII, Diego Velazquez. O estilo barroco se desenvolveu especificamente para transmitir a esperança no meio do sofrimento, e pertence à autêntica tradição cristã. Na arte barroca tradicional, a luz brilhante contrasta de modo típico com a sombra profunda, numa linguagem visual cuja intenção é transmitir o fato de que existe o mal e o sofrimento neste mundo decaído, contudo por meio do Cristo, que é a Luz, encontra-se a esperança e o consolo que transcendem o sofrimento. No quadro Sargent é mais sutil: o contraste entre luz e sombra está velado, e não tão evidenciado quanto nas pinturas do séc. XVII. Todavia, ao se valer do sol como ponto focal, apesar de velado pelas pesadas nuvens de gás, indica-me ele a Luz. De mais a mais, os gestos das figuras transmitem compaixão. O uso dos gestos, a fim de transmitir uma interação amorosa, também é intrínseco ao estilo artístico do barroco. O estilo barroco, como Sargent o usou, é o único adequado para retratar por conseguinte o sofrimento da guerra sem atenuações, revelando o verdadeiro grau daquele sofrimento, mas assegurando ao mesmo tempo que a esperança cristã fosse retratada. Sargent não era um cristão, mas a mestria de seu estilo cristão significava que ali havia esperança, de tal forma que, na minha opinião, criara uma obra cristã.

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