[ Reproduzimos aqui a carta enviada pelo Pe. Laurent, capucinho, aos terciários franciscanos, sobre a questão do coronavirus ]
Caros terciários,
Desde a nossa última carta, muita coisa aconteceu. A chegada repentina do coronavírus, as ações tomadas em seguida pelos governos da maioria dos países: levará algum tempo até que se tenha o recuo necessário para uma análise completa da situação. No entanto, desde já, importa considerar tudo de um modo católico, afim de nos portarmos em tudo como filhos de Deus.
Em primeiro lugar, gostaríamos de exprimir nossa compaixão por todas as famílias afetadas pela epidemia. Que Deus conceda descanso eterno a todas as almas que se foram, e que se digne a secar as lágrimas de todos que choram (Is 25, 8). Nossa compaixão também se estende a todos vocês, que foram privados dos sacramentos, especialmente durante a Semana Santa e a Páscoa. Seus padres fizeram o possível para contornar o problema com as medidas toleradas pela lei. Tenham certeza de que continuam rezando especialmente por vocês.
Mas o dever do sacerdote é também, e acima de tudo, o de jogar a luz da fé nessas provações. Ora, as pragas que nos tocaram são um castigo e visam a nossa conversão. "Minha vontade é a morte do ímpio? diz o Senhor Deus. Não é antes que ele se converta e viva?" (Ez 18, 23).
Uma punição coletiva
Nossos pecados pessoais merecem nosso castigo pessoal, neste mundo ou no outro. Quanto às sociedades, elas não sobreviverão a este mundo. Assim, é a partir desta vida que a justiça divina se exerce contra elas. Deus costuma enviar um castigo coletivo (epidemias, guerras, desastres naturais ou sociais), para que as sociedades ‘entrem em si’ (Lc 15,17) e voltem-se para Ele.
O castigo coletivo afeta diretamente a sociedade, ou seja: é um sinal de que ela pecou; mas afeta indiretamente os indivíduos, o que significa que, para eles, o flagelo não é necessariamente punição, mas uma oportunidade de praticar a virtude, às vezes em grau heróico. Assim, muitos são os que sucumbem, vítimas de um zelo admirável pelos pacientes com peste ou cólera.
O coronavírus está atingindo a sociedade como um todo. Ela pecou. A epidemia é o estigma que marca seu crime aos olhos de todos. Mas que seja para nós uma oportunidade de crescermos em virtude.
Outra punição, muito mais terrível
O coronavírus é a "árvore que esconde a floresta" do totalitarismo terrível. De fato, nos eventos que se desenrolam diante de nossos olhos, devemos distinguir entre a realidade (a doença e suas vítimas) e a exploração que se faz dela. A desproporção entre o vírus e as medidas tomadas para impedir sua disseminação é óbvia para todos. Assim também é a orquestração perfeita de quase todos os governos.
Primeiro, a epidemia serviu de pretexto para impôr medidas policiais inéditas até agora: mais da metade da população mundial ficou trancafiada em casa, os menores deslizes eram suscetíveis de serem tratados com severidade.
Estamos testemunhando uma aceleração dos ataques contra a lei moral: aborto em casa1, livre acesso à pornografia, eutanásia para idosos... e uma onda de denúncias em todos os círculos, conseqüência do regime totalitário e policial. A tática do "medo" é uma engrenagem importante na sociedade revolucionária para escravizar as populações. Pensemos no padre descrito por Solzhenitsyn no livro "O Arquipélago Gulag", perseguido dia e noite pela polícia secreta, e que acaba pulando no pescoço dos agentes que o prendem... Mas, esse medo, ao qual a prisão deu fim, é apenas o prelúdio de um sofrimento muito mais terrível.
Por último, mas não menos importante, um fato único na história da maioria das nações cristãs: o culto público é proibido. Obviamente, a Igreja não foi a única afetada. Todas as religiões e até mesmo todas as reuniões estão incluídas na mesma proibição. Mas, além do fato de ser um insulto à Igreja estar sujeita ao direito comum e ser colocada no mesmo nível das seitas, a perfídia do sistema aplica com mais rigor as leis comuns à Igreja do que aos supermercados.
Em resumo, estamos entrando em um regime que combina a escravidão soviética, as leis assassinas do Estado Nacional Socialista e o golpe de força que, através da sedução, consegue fazer com que a maioria da população mundial aceite tal tirania. Esse neo-comunismo é a grande punição do nosso mundo. As décadas seguintes à perestroika podem ter dado a ilusão de que esse perigo foi evitado. Em poucas semanas, por uma espécie de "guerra relâmpago", vemos isso quase realizado diante de nossos olhos.
A causa do castigo: a apostasia das nações
Não haveria grande utilidade em apontar e descrever o mal, sem denunciar a causa. Como o Bispo Delassus demonstrou admiravelmente (Les pourquoi de la guerre mondiale, 1920), ao castigo da guerra de 1870 seguiu-se uma reação superficial: verificou-se o ressurgimento da piedade, mas não a conversão das inteligências.
"O erro primordial", escreveu o Cardeal Pie, "o crime capital deste século é a pretensão de subtrair a sociedade pública do governo e da lei de Deus". Em outras palavras, o crime capital é a apostasia das nações.
"Não se passa impunemente sem o Único Necessário", escreveu ele. "O mundo tolera a existência a Deus, desde que não tenha de alterar o seu curso [...] Enquanto durar o mundo, não aceitaremos confinar [sic] o reino de Deus ao céu ou mesmo ao interior das almas."
"A grande lei, a lei comum da Providência no governo dos povos, é a lei de talião. O que as nações fazem a Deus, Deus faz às nações". A sociedade moderna confinou Deus às sacristias; como justa retribuição, as populações foram confinadas às suas casas e ainda não vimos tudo.
Mas a tragédia é que o confinamento de Jesus Cristo na esfera individual não é apenas o ato do mundo ímpio. Esse vírus, esse veneno infectou os homens da Igreja. A liberdade religiosa é o fundamento da religião conciliar. Da liberdade religiosa ao ecumenismo, do ecumenismo ao culto idólatra de Pachamama, a deriva é fatal. É louvável denunciar este último crime, mas devemos estigmatizar a causa, para reagir em conformidade.
A reação do mundo
Na grande maioria, as pessoas não enxergam tudo isso. O pânico desencadeado e mantido pela mídia inibe toda a reflexão. Talvez pela primeira vez em suas vidas, alguns finalmente tenham percebido que a morte pode chegar a qualquer momento. Infelizmente, privados de um ideal, não têm nada a se apegar ... exceto a essa vida miserável que passa.
Não se enganem: esse medo orquestrado é contagiante. Se não nos armarmos internamente, nos deixaremos dominar por ele.
Nossa reação
São Paulo enuncia magnificamente a atitude do católico diante do mal: "Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (Rom 12, 21). Um ilustre chefe de Estado disse: “Todos os povos conheceram sucessos e contratempos. É pela maneira com que reagem que se mostram fracos ou altivos.”
Primeiro, nossa reação à epidemia. É especialmente em face da morte que os católicos devem ser testemunhas de Jesus Cristo. Diz São Paulo: ”Não vos entristeçais como os outros, que não têm esperança" (1Ts 4, 3). São Francisco gostava de repetir que somos “peregrinos e hóspedes sobre a terra” (Heb 11, 13). Nossa alegria é nos dirigirmos ao lar do Senhor, o céu (ver Sl 121, 1).
Lembremos também que foi o beijo que São Francisco deu no leproso o ponto central de sua conversão, como ele afirma em seu Testamento. Aquele que não podia suportar a visão desses pobres trapos humanos, "voltando para enfrentar sua perfeita resolução de vida e lembrando que tinha que primeiro se conquistar se quisesse se tornar um soldado de Cristo" (São Boaventura), fez a si próprio esta violência", e o que lhe parecera amargo foi transformado em gentileza de alma e corpo" (Testamento). Sim, a alegria franciscana que atrai as almas e conquista a sua conversão tem esse preço.
Nossa reação ao neo-comunismo global
O Cardeal Pie, aludindo-se aos Últimos Dias, lembra que eles serão precedidos pelo "divórcio das sociedades com Deus". "A Igreja, uma sociedade que sem dúvida será sempre visível, será reduzida cada vez mais a proporções meramente individuais e domésticas. [...] Ela se verá disputando o chão, pé a pé, ela estará cercada, constrangida por todos os lados." Não é isso que vimos nas últimas semanas?
Então, qual é o dever dos bons nestes tempos? Devem eles se acomodar? Não, disse o ilustrado prelado. “O destronamento terrestre de Deus é um crime: nunca nos resignemos a ele!" Os verdadeiros católicos repetirão, "lutando por uma impossibilidade mais palpável do que nunca, dirão com energia redobrada e pelo ardor de suas orações, pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, assim na terra como no céu; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade! "
Nossos meios de ação
Como pediremos concretamente o reino de Deus na terra como no céu? Nossos meios são nossa regra. É através dela que nos venceremos e faremos Jesus Cristo reinar. "Minha reforma social", diz Leão XIII, "é a Ordem Terceira". “Não faz sentido transformar instituições se não se transforma as almas", disse o estadista citado acima.
A Regra da Terceira Ordem prescreve o Ofício do Pater: nos faz gemer com a oração ensinada por Jesus e clamar o seu reino nesta terra. A Regra nos faz reverenciar o jugo suave da lei de Cristo, prescrevendo práticas concretas de renúncia ao mundo e às boas obras na vida cotidiana. Sem essas práticas humildes, seremos talvez bons oradores, mas não muito credíveis (ver Tg 1, 23-25). “Mostra-me a tua fé sem obras”, diz São Tiago, “e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras (2, 18). Assim, a Regra viveu, é Jesus Cristo que reina em nossas almas, nas famílias, em nossos relacionamentos sociais.
Finalmente, em conclusão, só podemos encorajar a leitura dos belos exemplos dos heróis da resistência católica ao comunismo, que sabiam que não deviam se deixar vencer pelo mal, mas triunfar sobre ele com o bem. Digne-se São Francisco dar-nos a graça de estarmos de pé nesta luta!
Irmão Laurent, O. C. D.