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Delírios ecumenistas do cardeal Walter Kasper

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Julho 26, 2009 escrito por admin

“Ponto luminoso” ou “nuvem tenebrosa”
 
O Osservatore Romano de 13 de setembro de 2001, em um artigo assinado pelo dominicano suíço Georges Cottier (“neoteólogo” e, apesar disso, “teólogo da Casa Pontificia”, quer dizer, “teólogo do Papa”), o Osservatore Romano, dizíamos, nos informa sobre a publicação de “estudos em honra do [neo] cardeal Walter Kasper” (cf. Sim Sim Não Não nº 104, dez. 2001: Cardeais sem fé). Ao mesmo tempo, nos cai entre as mãos o discurso pronunciado em Barcelona pelo próprio Kasper, no dia 4 de setembro de 2001, por ocasião da habitual reunião “ecumênica” da não menos ecumênica Comunidade de Santo Egídio.
 
Kasper vê brilhar (feliz ele!) um “ponto luminoso” na “obscuridade” do século recém transcorrido: o nascimento do ecumenismo. A dizer a verdade, os Pontífices romanos, até Pio XII inclusive, julgaram o fenômeno ecumenista de maneira muito distinta. Equivocaram-se todos esses Papas, ou é o cardeal Kasper quem toma e faz passar as trevas por luz?

Não só “desejada”, mas também realizada
 
Kasper não deixa de recordar que “Jesus Cristo desejava [sic] uma Igreja” e que, por isso, “as divisões são contrárias à vontade de Jesus; constituem um pecado, e um escândalo aos olhos do mundo”; por isso, diz, “é um sinal da ação do Espírito Santo em nosso tempo o fato de que se haja difundido em todas as Igrejas [sic] um novo sentimento de arrependimento [?] pelas divisões”.
 
O “arrependimento” comporta, como se sabe, uma mudança de conduta, ao passo que o “pecado” e o “escândalo” exigem reparação. A mudança de conduta e a reparação pelo pecado e o escândalo das divisões se patenteiam, ao dizer de Walter Kasper, justamente no fato de que “todas as Igrejas [sic] tomaram o caminho do ecumenismo”. “Não há outra opção”, conclui peremptoriamente.
 
Kasper, no entanto, parece esquecer que Nosso Senhor Jesus Cristo não se limitou a desejar a unidade da Igreja, mas que a realizou de fato. De maneira alguma reservou aos ecumenistas e a seu presumido “Espírito” a função de realizar em nossos dias a unidade da Igreja.
“A Igreja foi fundada e constituída por Jesus Cristo Nosso Senhor; portanto, quando inquirirmos a natureza da Igreja, o essencial está em saber o que Jesus Cristo quis fazer e o que fez em realidade. [...] Por isso, quando Jesus Cristo fala desse edifício místico, só menciona uma Igreja, que chama sua: ‘Eu edificarei minha Igreja’. Qualquer outra que se possa imaginar fora dela, não pode ser a verdadeira Igreja de Jesus Cristo” (Leão XIII, Satis Cognitum).
 
Não só foi feita una, mas também conservada na unidade
 
Nosso Senhor Jesus Cristo também não deixou aos modernistas atuais e a seu presumido “Espírito” a função de devolver à Igreja aquela unidade que, segundo eles, seu divino fundador e cabeça, a despeito de suas promessas, foi incapaz de garantir-lhe.
“A Igreja Católica é una: não está rota nem dividida” (Leão XII, Pastoris Aeterni, 2 de julho de 1826). Qualquer divisão, com efeito, se dá fora da Igreja, e aí permanece: o herege e o cismático se separam da Igreja, mas não quebram sua unidade! São Cipriano se pasmava de que alguém pudesse pensar que a unidade da Igreja podia dissolver-se e perder-se pelo desacordo de vontades discordantes” (De cath. Eccl. unitate, 6).
 
A heresia da “Igreja dividida” é própria do ecumenismo protestante. Os acatólicos, fautores do pancristianismo ou reunião das diversas “confissões cristãs”, escreve Pio XI, “têm sempre na boca as palavras de Cristo: ‘Que todos sejam um... haverá um só rebanho e um só pastor’ (Jn. 17, 21; 10, 16); mas, segundo eles, as supracitadas palavras exprimem um desejo e uma prece de Jesus Cristo ainda não realizados” (Mortalium animos). Essa “opinião falsa” constitui o fundamento do ecumenismo acatólico, mas, como faz notar o Papa, está em contradição com todo o evangelho, que afirma a indefectibilidade da Igreja. Esta, “após a morte de seu fundador e dos Apóstolos... não podia certamente nem deter-se nem desaparecer, já que lhe cabia o dever de levar todos os homens à salvação eterna, em todo tempo e lugar: “ide, pois; ensinai a todos os povos...” (Mt 28, 19); nem tampouco podia a Igreja desfalecer de maneira alguma no cumprimento de sua função, pois é “assistida continuamente pelo próprio Cristo segundo sua solene promessa: ‘Eu estarei convosco sempre até a consumação do mundo’ (Mt 28, 20)”.
 
Assim, pois, o postulado fundamental do ecumenismo, segundo o qual a unidade da Igreja de Cristo está por se fazer ou por se refazer, é intrinsecamente herético. “A menos que se queira dizer (conclui Pio XI), o qual é absurdo, que Jesus Cristo não alcançou o que se propunha ou que se equivocou ao afirmar que as portas do inferno não prevaleceriam nunca contra sua Igreja (Mt 16, 18)”.
 
Tamanho absurdo, no entanto, que comporta mais negações heréticas, encontramo-lo hoje nos lábios de um cardeal da Igreja romana! E não é o único absurdo, nem tampouco o mais grave.
 
Não “opção”, mas caminho obrigatório
 
Posto que Nosso Senhor Jesus Cristo não só quis a unidade de sua Igreja, mas a realizou de fato, e posto que não se limitou a realizá-la, mas a guardou até o dia de hoje, bem podemos dizer como Kasper que “não há outra opção”; não há mais que um só caminho. Esta senda única, no entanto, não é a ecumenista, como ele diz aos católicos, mas a que os Romanos Pontífices não se cansaram de mostrar aos acatólicos, a quem o cisma e/ou a heresia dispersaram e debandaram fora do redil único de Cristo:
 
“Os filhos abandonaram a casa paterna, infelizmente, mas nem por isso esta caiu, sustentada como estava pelo auxílio ininterrupto de Deus”; daí que “a única maneira de fomentar a unidade dos cristãos é procurar o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, da qual, num dia funesto, se afastaram” (Pio XI, Mortalium animos).
 
Assim, o ecumenismo não é a única “opção”, há outra, ainda que de fato, na verdade, não se trata absolutamente de uma opção, mas de um caminho obrigatório, mostrado, como sempre, pela fé e pela razão (desterradas ambas do espírito dos neomodernistas), e mostrado também pelo ensinamento constante da Igreja, da qual se aparta o presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos. O que é gravíssimo, porque dizer ensinamento constante da Igreja é o mesmo que dizer magistério ordinário infalível.
 
O repúdio descarado do “dogma mais firme de nossa religião”
 
“A mudança de rumo, prossegue Kasper, trouxe-o consigo o concílio Vaticano II [como duvidar disso?]. [...] O ponto decisivo [sic] estava em que o Concílio já não dizia [sic]: a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo [...] O concílio afirmava, com mais prudência [sic], que a Igreja de Jesus Cristo subsiste (subsistit) na Igreja Católica, quer dizer, que a Igreja de Jesus Cristo se acha realizada e presente na Igreja Católica de maneira concreta; mas que fora de sua realidade invisível se acham também elementos da Igreja de Jesus Cristo, e, no caso das Igrejas orientais e ortodoxas, igrejas [sic] autênticas, sem dúvida”. E eis aqui a conclusão, brutal a mais não poder: “Também fora da Igreja há salvação”. E assim, pela senda do ecumenismo, chegamos ao repúdio descarado do dogma “mais firme de nossa religião” (Pio VIII), dogma de fé divina e católica, definido infalivelmente: “Fora da Igreja não há salvação”.
 
Para afiançar sua heresia, o neocardeal Kasper apela ao Concílio: “o Concílio já não dizia: a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo”. Mas era esta realmente a “mente” dos Padres conciliares? E pode um concílio (que se autoproclamou não dogmático) “já” não dizer o que a Igreja disse durante dois mil anos? Pode a Igreja repudiar seu magistério infalível ordinário e extraordinário? Certamente que não. Podem dar-se sim, homens da Igreja que contradigam o magistério infalível da Igreja, tanto ordinário como extraordinário. Mas então não são “a Igreja”, e segui-los não é já seguir a Igreja, mas seguir a homens da Igreja em seus erros (cf. São Vicente de Lérins, Commonitorio).
 
Uma heresia “mais prudente”
 
“O Concílio afirmava, com mais prudência [sic], que a Igreja de Jesus Cristo subsiste (subsistit) na Igreja Católica”. E essa terminologia “mais prudente”, acrescentamos nós, permite hoje ao ecumenismo inventar “autênticas” Igrejas fora da Igreja Católica, que é a única verdadeira Igreja de Cristo, multiplicando a Igreja “una” a título de... “penitência” pelo escândalo das divisões!
 
Mas, perguntamos, acaso é “mais prudente” favorecer a heresia, ou o atalhar-lhe o passo, como o fez sempre a Igreja? E como se realizará a unidade, que se funda na verdade, se se começa por sacrificar esta? Estranha “prudência”, em verdade!
 
Nós, entretanto, perseveremos no que a Igreja ensinou sempre (isso sim, que é prudência), isto é, que “a verdadeira Igreja é una, santa, católica, apostólica e romana; una, a cátedra fundada sobre Pedro em virtude das palavras do Senhor (cf. Mt. 16, 18); fora dela não se dão nem a verdadeira fé nem a salvação eterna, porque não se pode ter a Deus por pai se não se tem a Igreja por mãe, e em vão se forja alguém a ilusão de formar parte da Igreja quando se acha separado da cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada a Igreja” (Pio IX, Singulari quidem). Daí que “a condição em que se encontram as distintas sociedades religiosas discordes entre si e separadas da Igreja Católica” haja sido sempre inequivocamente clara: “nenhuma dessas sociedades em particular, nem todas juntas unidas, constituem de modo algum ou são aquela única e católica Igreja que Jesus Cristo edificou, constituiu e quis que existisse; nem tampouco se pode dizer de nenhuma maneira que sejam membros ou partes da própria Igreja, pois estão visivelmente separadas da unidade católica” (Pio IX, Iam vos omnes).
 
Essa é a doutrina proposta constantemente pela Igreja. Ora, se nem sequer um concílio pode contradizer o ensinamento constante da Igreja, porque este não é mais que a transmissão infalível da revelação divina, não vemos com que autoridade um Walter Kasper pode contradizer o ensinamento constante da Igreja.
 
A fé não é já questão de integridade, mas de... quantidade!
 
Segundo se vê, as primeiras condenações pontifícias golpearam o ecumenismo desde que nasceu, quando se fundou em Londres a primeira sociedade para promover a “unidade dos cristãos” (Pio IX, Apostolicae Sedis, 16 de setembro de 1864). Walter Kasper, no entanto, encontra as origens do ecumenismo na Alemanha, “nas trincheiras da segunda guerra mundial e nos campos de concentração do Terceiro Reich”, quando, segundo ele, “cristãos católicos e evangélicos [dá no mesmo?] descobriram, na resistência comum a um regime desumano e criminal, que o que os unia era mais que o que os dividia”.
 
E daí? Por grande que possa ser o que une, nas coisas de fé sempre é mais importante o que separa. Dizia Santo Agostinho dos hereges de seu tempo: “Concordam comigo em muitas coisas, mas não em todas: mas por causa das poucas em que não estamos de acordo, de nada serve que coincidamos em muitas outras [e em verdade que eram muitas se as comparamos com as que unem aos ‘evangélicos’ de hoje]” (Enarr. in Psalm. 54, nº 19). E explica Leão XIII na Satis Cognitum, consagrada precisamente à unidade da Igreja: “quem em um só ponto recusa seu assentimento às verdades divinamente reveladas realmente abdica de toda a fé”: acaso não foi Deus o autor de toda a revelação? E não “repugna à razão negar-se a crer (ainda que só fosse em um ponto) em Deus quando fala”? (Ivi e Pio XI, Mortalium animos).
 
Leão XIII recorda também a praxe constante da Igreja, que “considerou como rebeldes declarados e expulsou de seu seio a todos os que não pensam como ela sobre qualquer ponto de sua doutrina”. E o exemplifica assim: “Os arianos, os montanistas, os novacianos, os quartodecimanos, os eutiquianos não abandonaram, certamente, toda a doutrina católica, mas somente tal ou qual parte, e, no entanto, quem ignora que foram declarados hereges e expulsos do seio da Igreja?”.
 
E não passou pela mente de ninguém, durante dois mil anos, que o “muito” em que se concordava com os dissidentes autorizaria a considerar uma ninharia o pouco em que se discordava. Mas eis que, contrariamente à doutrina e à praxe constante da Igreja (praxe que, como se sabe, goza também de valor magisterial), Walter Kasper parece que nos quer fazer crer exatamente o contrário: que “por causa daquele pouco” em que concordam conosco, não importa, absolutamente, que os hereges dissintam de nós em “muito”.
 
Estamos diante da perda da noção católica de fé, que ou é íntegra, ou não existe, unida a um espantoso vazio de lógica, com o deslize conseguinte para a concepção latitudinarista do racionalismo protestante, para o qual não faz nenhuma falta a unidade da fé, mas que basta e sobra com uma unidade “qualquer”.
 
Em realidade, “católicos” e “evangélicos” não descobriram absolutamente nada nas trincheiras e nos campos de concentração do Terceiro Reich. Os maus “católicos”, os “católicos liberais”, já há muito que haviam desertado, às claras ou às escondidas, nas trincheiras dos protestantes racionalistas, donde, em companhia de seus “irmãos separados”, disparavam contra sua santa mãe a Igreja, como já demonstramos ao falar de Pio IX e nos propomos provar ulteriormente (cf. Sim Sim Não Não nos 103 e 104, nov. e dez. 2001).
 
Um “buraco” negro
 
Depois de haver igualado dessa maneira a Igreja com as seitas, Kasper nos assegura que “nenhuma Igreja pode renegar sua tradição própria”. Devagar! Há Tradição, com maiúscula, e tradição, com minúscula; ou seja: por um lado, temos a Tradição divino-apostólica, que é “própria” da Igreja Católica; por outro lado, tradições humanas heréticas. A tradição “própria” dos ortodoxos, luteranos, calvinistas, anglicanos, etc., não se remonta a nosso Senhor Jesus Cristo e aos Apóstolos, mas a Fócio, a Miguel Cerulário, a Lutero, a Calvino, etc. O que nestas seitas se remonta ainda a Jesus Cristo e aos Apóstolos não é “próprio” delas, mas o tomaram da Igreja Católica e o detêm por usurpação. Só a Igreja Católica tem como “própria” a Tradição divino-apostólica, da qual é guardiã, assistida infalivelmente por Deus; e tomando por patrona a dita Tradição, mede, aprovando-as ou rechaçando-as, quaisquer outras tradições humanas, porque a todos os homens incumbe a obrigação de aderir à revelação divina. Por isso Pio IX esclareceu, a propósito de “certas doutrinas” divulgadas porum dignitário eclesiástico conceituadas como “tradições das Igrejas de seu país”, mas com a intenção de reduzir os direitos da Sé Apostólica: “Sim, apreciamos sem dúvida as tradições particulares, mas só as que não se apartam da mente da Igreja Católica” (Discurso ao Consistório Ubi primum, 17 de dezembro de 1847).
 
Kasper, ao contrário, ainda que sabendo que a tradição “própria” das seitas é precisamente o que nelas se aparta da “mente” da Igreja Católica, afirma que “nenhuma Igreja pode renegar sua tradição própria”. Kasper continua crendo na Tradição divino-apostólica, ou seja, na revelação divina? Tememos que não. Com efeito, por que, segundo ele, não devem as seitas, melhor dizendo, não podem como tampouco pode a Igreja Católica, renegar sua tradição “própria”? Porque, diz, “na fé a pessoa se acha diante de convicções da consciência, que não podem mudar-se como se muda de camisa ou como se compra um carro novo”.(!) Mas será que já não existe para Kasper uma verdade objetiva, uma verdade revelada por Deus neste caso, à qual a consciência deve conformar suas convicções e que ele, cardeal (ai!) da Igreja romana, está obrigado a defender “usque ad effusionem sanguinis”?
 
É certo que a fé não se muda com a mesma desenvoltura com que se muda de camisa ou como se compra um carro novo, mas como quem se dá conta de que pôs uma camisa rasgada corre a mudá-la, e como quem adverte que seu carro funciona mal e não pode conduzi-lo com segurança se apressa em procurar outro, assim também, quem vê que sua “fé” não é a fé revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo e, por isso, não serve para salvá-lo, tem o dever e deveria sentir a necessidade, se não é soberbo ou estulto (no fundo, são a mesma coisa), de abandonar suas errôneas convicções para aderir à verdade revelada por Deus. Ou deveríamos ser menos realistas para nossa salvação eterna do que sabemos sê-lo para nossa salvação temporal? E assim como ninguém deixaria um homem despido só porque ele estivesse convencido de achar-se vestido, assim tampouco ninguém que tenha um mínimo de caridade (e se, ademais, é Pastor, que tenha também a responsabilidade própria de seu cargo) assim ninguém, dizíamos, pode renunciar a iluminar um herege e/ou cismático, cuja salvação eterna estiver em perigo por essa sua condição, só porque ele se ache convencido erroneamente de professar a fé verdadeira.
 
A Igreja, cuja doutrina Kasper deveria expor, a Igreja, dizemos, ensina o primado da verdade, não o da consciência. Tanto é assim, que até nos obriga a formarmos em nós uma consciência verdadeira, quer dizer, conforme com a verdade ou norma objetiva, corrigindo-a em caso de que nossa consciência seja errônea, e tirando-lhe as dúvidas se se achar nelas.
 
O primado da consciência sobre a verdade é um erro daquele subjetivismo em cujas névoas se extraviou a pseudo-filosofia moderna e parece extraviarem-se hoje muitos prelados católicos também, em cuja mente, em lugar da “noção eterna da verdade”, a única coisa que encontramos é um buraco negro, muito mais preocupante que o “buraco” da camada de ozônio.
 
O engano do “só o batismo basta”
 
Chegado a este ponto, Kasper ratifica a unidade no menor denominador comum: “Já existe hoje – diz ele - uma autêntica comunhão eclesial, apesar de que, infelizmente, não é plena ainda. [...] Não se funda em um humanismo genérico, mas na fé em Jesus Cristo e no batismo comum, pelo qual somos membros do corpo único de Cristo”.
 
Deixemos de lado a fé em Jesus Cristo, porque é evidente que não pode dar-se uma “fé em Jesus Cristo” que não aceite toda a verdade revelada por Ele, e perguntemos: Basta o batismo para sermos membros do corpo único de Cristo e continuarmos como tais? Walter Kasper nos diz hoje que sim, mas a Igreja, com sua tradição constante, nos disse sempre que não: para pertencer à Igreja não basta fazer-se membros dela em virtude do batismo, mas precisa-se, ademais, permanecer na unidade de fé e de governo (cf. Pio XII, Mystici Corporis). Quem se obstina em rechaçar ainda que seja uma só verdade revelada, ou se nega a obedecer aos pastores legítimos (Papa e bispos em comunhão com ele), postos por Cristo para governar sua Igreja, torna-se a si mesmo estranho ao corpo único de Cristo: “Em vão alguns dos que não estão unidos à cátedra de Pedro se lisonjeiam de estar onde devem, dizendo que também eles se acham regenerados na água da salvação” (Gregório XVI, Mirari Vos).
 
Em poucas palavras, “os que aceitam a Cristo é mister que O aceitem todo inteiro: ‘Tomado em sua integridade, Cristo é cabeça e corpo: o Filho unigênito de Deus é cabeça, a Igreja constitui Seu corpo” (Santo Agostinho, citado por Leão XIII em Satis Cognitum). Em que autoridade se funda o modernismo atual para aprovar, contra o magistério constante e infalível da Igreja, o elogio do “só o batismo basta”? “Elogio” nos acatólicos, mas engano gravíssimo por parte dos membros da hierarquia católica.
 
Unidade plena = deformidade plena
 
Chega-se ao cúmulo quando Walter Kasper nos explica em que consistirá a “unidade plena” em questão (a unidade “não plena ainda” já a teríamos graças ao batismo):
 
“Em que consiste a unidade plena? Estamos de acordo em que o ponto final não pode consistir em uma Igreja uniforme, mas que há de ser a unidade na diversidade. A unidade não deve confundir-se com a uniformidade. Necessita-se da unidade substancialmente [?] em uma fé única, nos sacramentos e nos ministérios reconhecidos reciprocamente [sic!; não nos instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo?]. Com isso, podem dar-se formas diversas de expressão da mesma fé única, distintos acentos, diferentes tradições humanas e costumes. Tal diversidade não significa um empobrecimento, mas riqueza e plenitude. É católica no sentido autêntico do termo”.
 
Assim, pois, Kasper vem dizer-nos, ao cabo de dois mil anos, que a Igreja Católica não possui, ou para dizer melhor, jamais possuiu, a “catolicidade em sentido autêntico do termo”, visto que sempre se deu pressa em expulsar de seu seio heresias e cismas, negando-se a converter-se naquela “cloaca de todas as heresias” (São Pio X) em que querem transformá-la hoje os neomodernistas, segundo parece. Com efeito, que a Igreja haja aceitado sempre em seu seio “formas diversas de expressão da mesma fé única, distintos acentos, diferentes tradições humanas e costumes”, tanto a própria Igreja como toda sua história o demonstram sem necessidade de recorrer a probas ulteriores.
 
Mas ao neocardeal Kasper, ao contrário, lhe incumbe a obrigação de demonstrar que podem denominar-se “formas diversas de expressão da mesma fé única” o fato de afirmar, por exemplo, que a sagrada Tradição é uma fonte da fé e o fato de o negar; o fato de afirmar que o Papa goza do primado em toda a Igreja, não de mera honra, mas de jurisdição efetiva, e o fato de o negar; o fato de afirmar que Cristo está presente real e permanentemente na Eucaristia em virtude da transubstanciação e o fato de o negar; o fato de afirmar que a Santa Missa é um sacrifício propiciatório verdadeiro e próprio e o fato de o negar; o fato de afirmar que à Santíssima Mãe de Deus é devido o culto de hiperdulia e o fato de o negar; o fato de afirmar que o matrimônio é indissolúvel e o fato de o negar; etc., etc.
  
“A unidade não deve confundir-se com a uniformidade”, nos diz Kasper. Mas, replicamos, tampouco a “diversidade” pode confundir-se com a “contradição”, nem a “ortodoxia” com a “heresia”; porque aqui não se trata da “unidade na diversidade”, mas da unidade na contradição, como o mais elementar senso comum não pode deixar de ver. Só quem perdeu o “medo da contradição” (R. Amério, Iota Unum) pode forjar-se a ilusão de fazer passar as verdades de fé e sua negação por “formas diversas de expressão da mesma fé única”.
 
Um cardeal ambicioso
 
Depois disso, bem se vê que efeito nos faz o ver Kasper elogiar o “passo corajoso, diria que revolucionário” (sic!; e issonão lhe dá que pensar?), que deu o Papa Wojtyla ao convidar as seitas heréticas e/ou cismáticas “a um diálogo fraternal sobre o exercício futuro [sic] do ministério de Pedro” (exercício que não pode deixar de ser substancialmente idêntico ao do passado).
  
“Infelizmente – prossegue Kasper -, as Igrejas ortodoxas não participaram oficialmente, até agora, em tal diálogo”. Diante disso, a nós, que esperamos da misericórdia de Deus um Papa que corrija o rumo da barca de Pedro, fazendo-a voltar à santa Tradição, não nos resta outra coisa que dar graças à Providência Divina por servir-se também da obstinação dos ortodoxos para salvar sua Igreja do abismo em que parece querer precipitá-la o delirante ecumenismo de alguns de seus pastores atuais.
  
Entretanto, enquanto em Roma, com o aplauso do “teólogo da Casa Pontifícia”, se publicam estudos “em honra” do neocardeal Kasper (o qual, a dizer verdade, até agora não se fez digno de nenhuma honra), em outras partes (verbi gratia, na diocese de Avolino), ele é proposto como “papável”.
  
São Paulo exigia do bispo o requisito de que fosse “guardador da palavra fiel; que se ajuste à doutrina de maneira que possa exortar com sã doutrina e refutar os contraditores” (Tit. 1, 9). Hoje parece exigir-se dos bispos e cardeais exatamente o contrário: a aversão à doutrina verdadeira, que é a conforme com a Tradição, e a abertura às “novidades” dos “contraditores”. E de tais bispos e cardeais haverá de sair um Papa segundo a mente de Deus? Mas sursum corda! O Senhor salvará sua Igreja da cegueira dos homens da Igreja. Não nos resta outra esperança; mas se trata de uma esperança fundada na palavra de Deus.
   
Simeón
(Revista Sim Sim Não Não, no. 111)

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