PERMANÊNCIA

"Permanecerei em mim e eu permanecerei em vós."

A Permanência, seus fundadores e sua história.

Fundada em 29 de Setembro de 1968, por Gustavo Corção e diversos intelectuais católicos egressos do Centro Dom Vital, tradicional associação cultural católica, a PERMANÊNCIA surge para militar contra os inimigos da Igreja e propiciar estudo e vida católicas através de publicações, cursos e atividades diversas. Presidiu a Editora Permanência, de 1969 a 2004, Júlio Fleichman, que depois da morte do fundador procurou seguir seu exemplo e firmeza na fé até sua morte, em maio de 2005.

Constituiu-se o movimento Permanência como um Centro Cultural sem fins lucrativos e sobrevive graças aos donativos, à venda dos livros editados por sua editora (a Editora PERMANÊNCIA) e ao esforço abnegado de alguns católicos desejosos de PERMANECER firmes na fé e COMBATER.

Em nosso trabalho de estudo e de vida católica, cingimo-nos sempre à doutrina tradicional da Igreja, única e imorredoura, preservando seus ritos e o tesouro de sua doutrina bi-milenar. Sem perder, contudo, a noção da nossa insignificância:

"Mais do que nunca na história é imperiosa a mobilização de todas as devoções. Temos o direito de reclamar, de acusar, de denunciar, e até de pedir o castigo dos soberbos. Mas todos esses incontestáveis direitos são fracos recursos diante de um dever que pode nos esmagar mas do qual não podemos fugir: o dever de tomar os lugares vazios, as vagas, e o dever de preencher com atos de submissão e de adoração os enormes buracos deixados pelos trânsfugas. Precisamos multiplicar por cem ou por mil as orações de súplica e de adoração, precisamos importunar nosso Pai do Céu com a repetição de nossos atos de Fé, com nossa fidelidade, com nossa incondicional permanência. Nossa pobre PERMANÊNCIA não tem porte para ser "obra", não ganha vulto de "fundação", não pretende ser "movimento": será então uma promessa, um desagravo, uma espécie de oração". (Gustavo Corção)

29 de setembro - 40 anos da Permanência

Dom Lourenço Fleichman OSB

Paira ainda, em nossas Capelas, o perfume dos dias santos que vivemos desde quarta-feira passada, quando recebemos oito padres para as comemorações dos 40 anos da nossa Permanência. A idéia inicial era trazer os padres da Tradição, da resistência católica, que trabalham no Brasil. Acontece que o Padre Jean-Marc Nély, 2º assistente de Dom Bernard Fellay, da Fraternidade São Pio X, estava nessa época, fazendo uma viagem por todo o Distrito da América do Sul, em companhia do superior do Distrito, o Padre Bouchacourt. E eles aceitaram o convite de vir até o Rio de Janeiro e Niterói participar desse encontro.

Na quinta-feira, dia 25, passamos o dia reunidos em conversas e conferências, entre os padres. Fiz uma exposição sobre a Permanência, sua fundação, sua história, suas vocações, para que os novos padres que aqui trabalham tivessem certa noção de tudo que vivemos ao longo dessas quatro décadas. Em seguida, o Padre Jahir Britto de Souza, de Salvador, nos contou como foi fundada a sua comunidade de Irmãos da Familia Beatae Mariae Virginis, em 1969, para salvaguardar a fé, diante do turbilhão causado por Vaticano II. A espiritualidade mestra desta familia de Nossa Senhora é a noção de Estabilidade. Por aí vemos o quanto somos irmanados no combate, pois aquele que se agarra na Estabilidade da Fé para não cair, é o mesmo galho que Permanece unido ao tronco da videira, (S.Jo, XV) que é a inspiração do nome Permanência, como explicava Gustavo Corção.

Depois do Padre Jahir (na foto com Dom Lourenço), o Padre Luiz Cláudio Camargo, da Fraternidade S. Pio X, contou o que ele encontrou na Permanência quando aqui chegou, com 14 anos: a Missa no centro da vida daquelas famílias, o amor pela Igreja, presente em cada conversa e o sofrimento diante da crise, presente em cada olhar. O Padre Camargo descobriu naquelas pessoas a grandeza de Gustavo Corção, não porque todos vivessem de uma sentimental lembrança do mestre, mas porque em todos se descortinava o seu amor pela Igreja e pela doutrina da fé.

No dia seguinte, sexta-feira 26 de setembro, fomos à Capela São Miguel, no Rio, voltando para Niterói após o almoço. Às 18:30 teve início a belíssima missa Solene que encantou a todos. O Rev. Pe. Nély foi o celebrante, tendo como diácono o Pe. Bouchacourt, sub-diácono o Pe. Alejandro Rivera (capela de S. Paulo) e cerimoniário o Pe. Rodolfo Eccard (capela de Sta Maria). Os padres Dom Lourenço e Luiz Cláudio Camargo (Capela de Sta Maria) cantaram o próprio, enquanto o côro da Capela N. Sra da Conceição cantou o belíssimo hino "O Heros", em honra de S. Miguel Arcanjo, entre outros.

Quem somos
Quem somos
Quem somos
Quem somos
Quem somos
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Apesar de ser uma sexta-feira à tarde, a nossa igreja foi-se enchendo e logo já tinha todos os seus bancos ocupados. Terminada a Santa Missa, passamos para o salão, onde o Pe. Nely fez uma conferência sobre as relações da Fraternidade São Pio X com Roma, destacando-se as quatro declarações públicas feitas por Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer, numa primeira parte, e as relações mais recentes, na segunda parte. Esta conferência será em breve publicada no nosso site.

Como já de costume, o jantar que seguiu-se foi marcado pelo clima de serena alegria, de amizade, e de boas conversas com todos esses padres.

Comecei dizendo que ainda paira no ar da nossa Capela o perfume desses dias em que ficou mais claro para nossos fiéis o que é a Igreja, como ela se manifesta no sacerdócio católico, nas missas e na Caridade que une a todos na Comunhão dos Santos. Dentro desse contexto, gostaria de deixar para vocês um pequeno trecho da conferência que o Pe. Jahir fez para os padres, na quinta-feira, dia 25.

"Nossa Senhora... como foi por meio dela que Deus nos deu a Estabilidade; por meio dela que Deus nos deu o Verbo... ele podia usar de muitas outras formas, mas não usou; se não usou é porque essa era a melhor para nós. Não só por meio de uma mulher, mas daquela mulher, que é a Virgem Maria. Então, N. Senhora tem um papel importantíssimo na catolicidade, de tal maneira que é como se não pudéssemos pensar em Jesus Cristo sem pensar em Nossa Senhora... É verdade que Nosso Senhor não escoheu Nossa Senhora para ser sacerdote, porque escolheu para ela uma coisa maior do que se pode imaginar. Ela gerou o sacerdócio. O que é o sacerdócio? A ponte entre Deus e os homens... Ego te absolvo... fez a ponte; ego te baptizo... fez a ponte. O que N. Senhora fez? Fez um Homem-Deus para sempre; humanidade e divindade coladas para todos os séculos dos séculos. Quem chegar ao céu vai olhar o homem e verá a Deus, vai olhar a Deus e vai ver o homem, por todos os séculos. Isso nunca mais vai desaparecer, ela gerou o sacerdócio, gerou a união do homem com Deus, em Jesus Cristo. Quando ela se realizou em Jesus Cristo, Deus rompeu, para sempre, a separação que o domônio tinha conseguido estabelecer no Paraíso... rompeu para sempre; não há mais separação. Resta só concretizar em cada homem.... "jesuar" a cada homem (desculpe o neologismo). Quem foi que fez isso? Quem o fez primeiro?... a Virgem Maria... foi ela quem fez isso. Então nós colocamos N. Senhora num lugar muito, muito particular... O Rosário para nós é tão importante que se um dia a Familia B.M.V. for reconhecida pela Santa Sé, eu gostaria que se permitisse que o Rosário seja aceito como parte do Ofício Divino. Não abro mão do Rosário em hipótese alguma. É um ato de submissão a N. Senhora, de entrega, que eu acho vital na Igreja de hoje. É vital! Quando N. Senhora apareceu em Lourdes, com o terço na mão, e em todas as aparições, mesmo quando ela não falava coisíssima nenhuma, a Santa rezava o terço, o que significava que aquela parte era suficiente para ela vir do céu e aparecer. O Rosário me parece fundamental."

Quem somos
De pé - Padres Luiz Cláudio, Rodolfo, Jahir, Nely, Bouchacourt, Joel e Alejandro.
Dom Lourenço com Dna Tereza Ferreira da Costa (mãe de D. Tomás) e Dna Anna Luiza Fleichman.

Eis, portanto, como passamos o aniversário da nossa Permanência. Seria impossível transmitir tudo o que foi dito e tudo o que foi ouvido nesses dias. Mais dificil ainda seria mostrar num site o que nos une no combate pela fé católica. Mas pedimos a nosso padroeiro, São Miguel Arcanjo, que nos preceda, espada em punho, vencedor do demônio e de seus anjos maus, na luta pelos direitos de Deus e de sua Igreja. E que reúna, nos quatro cantos da terra, este exército de almas combatentes que sofrem pela Igreja, para que estejamos todos unidos em um único sentimento, em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A Espiritualidade dos movimentos católicos

Dom Lourenço Fleichman OSB

Ronda

Passei estes dias a reler coisas antigas, movido pela perplexidade diante da nossa condição humana. Não falo da conjuntura política, que já ultrapassou todos os limites da razão; não falo da economia nem da insegurança nacional.

Neste curto texto já amarelado pelo tempo, apesar do tempo e do amarelo do papel, brilha aquilo que até hoje procuramos viver em nossa Permanência.O mundo girou...girou, nações desapareceram, outras nasceram e o mundo foi se transformando num deserto. Sigam os seis princípios colocados pelo velho Gálata do Cosme Velho. Em nenhum deles encontraremos o mundo pós-moderno em que vivemos. Mas nós Permanecemos porque temos raízes plantadas junto ao curso das águas, como o cedro do Líbano.

Eis o primeiro princípio: "A dureza cristalina da família, a nitidez estável de seus contornos é condição essencial de uma sociedade verdadeiramente humana." - E segue condenando o divórcio e o liberalismo em suas bases filosóficas.
2- "Um outro princípio, que tiramos de Santo Agostinho na "Cidade de Deus", diz que uma cidade de homens só é verdadeiramente humana quando respira justiça. Fora dessa condição nós teremos um aglomerado de brutos e não uma cidade humana feita à semelhança de Deus. Do mesmo Aristóteles e de Santo Tomás tiramos o conceito derivado de amizade cívica (amicitia), virtude anexa da justiça, virtude essencial, oxigênio vital para o clima de uma cidade verdadeiramente humana."
3- "Esse será o nosso terceiro princípio: a família é o lugar adequado para a germinação da justiça; é a fonte da amizade cívica."

Já não há mais a família, porque o divórcio a devorou no almoço e no jantar ela serviu de sobremesa às opções sexuais de cada um.
Já não há mais justiça porque na ideologia democrática liberal esta palavra é apenas uma arma eleitoral e de manipulação da verdade.
Já não há mais amizade cívica porque o individualismo cegou a todos e produziu o ódio cívico mais bem comportado que o mundo já conheceu.

Depois desses três primeiros princípios, fui obrigado a parar e me sentar um pouco. Respiro. Nossa estrada passou na beira de abismos profundos. Foi quando Corção lembrou da necessidade da Revelação, da vida da fé, para que a cidade temporal encontre sua harmonia. Ah! pobres de nós! Onde estais ó Madre divina, ó Igreja Santa e Imaculada, sem ruga nem manchas? Por onde andais, Esposa de Cristo, que escondestes vossa Santa Visibilidade e aceitastes ser flagelada pelo Sinédrio moderno?

Porque desde o Concílio Vaticano II que se vê o abandono dos princípios católicos, da vida sobrenatural, em favor do racionalismo protestante e do vazio espiritual do mundo. E a Igreja, que deveria estar santificando o mundo, foi impedida, silenciada, amordaçada por seus próprios chefes. A família cristã, que Corção chama para dar vida ao mundo, perdeu sua força, sua santidade. E se o sal não salgar, para que serve, senão para ser lançado fora e ser calcado pelos homens? O Catolicismo já não é mais o Sal do mundo.

É aqui o lugar de um grande mistério. No quinto princípio, o autor vai aplicar aquilo que estabeleceu como critério da família católica aos grupos, movimentos e associações católicas. "E diria assim: a sorte das sociedades depende do grau de heroísmo (de autêntico heroísmo cristão) dos movimentos católicos." Ouçamos atentos, e procuremos praticar.

O que pode, então, ser a vida de um grupo de fiéis que se reúne para estudar, para rezar, para santificar-se individualmente e em suas famílias? Heroísmo. Mas o que é heroísmo para o católico? Não há herói que não seja santo. Ser um heróico católico, dar a um movimento católico a nota de heroicidade nada mais é do que exigir de si mesmo e do grupo a santidade do Evangelho: "Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito". Ora, perfeição significa prática das virtudes sobrenaturais. E este é o sexto princípio estabelecido por Gustavo Corção para a vida de um movimento católico. Santidade. Mais do que santidade, o martírio da virtude heróica que leva as almas para o céu.

Tendo, então, por base, o brilho divino da Fé, da Esperança e da Caridade, movidos pelo sopro do Divino Espírito Santo, com seus sete dons inefáveis, todos os católicos e todos os movimentos católicos que militam em defesa da Tradição, em defesa da Fé, em defesa do verdadeiro catolicismo, deverão respirar as virtudes da sociedade santa, da família santa, da alma santa.

Voltemos, então, àquelas virtudes que estavam presentes nos três primeiros princípios, a justiça, a amizade, e acrescentemos como fundamento e como condição sine qua non para todo movimento católico a Caridade, a rainha das Virtudes. O amor sobrenatural de Deus correrá nas veias de todos os organismos católicos e fará germinar entre eles o calor da amizade, de uma fraternidade vivida em torno do Pai, na Cruz do Filho e no amor do Espírito Santo. Sem isso, não há catolicismo. "Vejam como eles se amam!" E São João não cansava de repetir: "Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros".

Estes são os nossos princípios enquanto movimento católico. Sempre foram, desde a fundação, em 1968, e antes mesmo dela, quando já muitas famílias se agrupavam para ouvir Gustavo Corção no Centro Dom Vital. E, creio poder dizer, temos a felicidade de viver esta amizade sobrenatural com muitos outros, sejam eles movimentos, casas religiosas ou leitores e amigos individuais, espalhados pelo Brasil e pelo mundo. A Fraternidade São Pio X, com seus bispos e mais de quinhentos padres, o Mosteiro da Santa Cruz, com os demais mosteiros beneditinos fiéis à Tradição, os dominicanos, os capuchinhos, os redentoristas, as carmelitas, dominicanas, as irmãs da Fraternidade e muitos outros. Todos os que gostam de estar conosco e com quem nós gostamos de estar, comungam da mesma fé, ensinam a mesma doutrina, e buscam nas mesmas raízes o alimento espiritual, dogmático, moral que anima estas instituições. E vão além disso, pois abrem o coração ao mesmo amor de caridade ordenado por Nosso Senhor.

Estas raízes comuns nós sempre as buscamos, em primeiro lugar, nos santos da Igreja. Dentre eles queremos destacar os santos papas e os grandes papas que cumpriram sua missão de Vigários de Cristo com coragem e heroísmo. O Magistério da Igreja é composto e dirigido por eles e este é o nosso tesouro da fé. Nossas orações e nossos olhares se voltam, assim, para todos os papas santos, chefiados por São Pio V e São Pio X, os dois últimos a receberem a honra dos altares; voltam-se também para os grandes papas não santos: Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Bento XV, Pio XI e Pio XII. E participaram também deste Santo Magistério, apesar de ser em grau menor, dois bispos que foram amigos nossos, que estiveram conosco e nos sustentaram na fé no meio da tempestade e do frio da noite: Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer. Todos eles têm peso e importância para nós, hoje, quando nos encontramos sem meios de receber de Roma a orientação de que precisamos para guardar a fé.

Cada um deles defendeu a Igreja como pode, alguns cometeram erros que tiraram algum brilho de suas coroas, mas não deixaram de buscar sempre a salvação das almas e o bem da Igreja. Que fique nossa homenagem a todos, e que fique longe de nós o só pensar em seus erros e condená-los por isso.

Além destes papas e bispos que compuseram o Magistério da Igreja, aprendemos na escola de Sto Tomás de Aquino, o Doutor Comum, e de todos os santos Doutores e Padres da Igreja. Também muitos grandes teólogos e pensadores: Dom Vital, Dom A. Macedo Costa, Pe. Emmanuel-André, o Pe. Garrigou-Lagrange, Pe. Berto, Pe. Gardeil, Pe. Castellani, Pe. Meinvielle, Pe. Calmel e tantos outros. Junto com Gustavo Corção, nossa homenagem a Chesterton, a um Donoso Cortés, a Carlos de Laet, a Louis Jugnet, a Marcel de Corte, a Gustave Thibon, aos irmãos Charlier, a Alfredo Lage e Julio Fleichman. E muitos pensadores que não tinham a fé mas defenderam a Igreja e servem para nós como exemplo de desprendimento e de honestidade intelectual: Nelson Rodrigues e Charles Maurras entre outros. Ah! claro, todos eles cometeram seus erros também, eram humanos como nós. Mas qual de nós não os comete? Se alguém pois, nunca pecou, que tome a primeira pedra! E se é certo que há partes de suas obras que não podemos seguir, também é verdade que eles têm muito a nos ensinar e fortalecer.

Estes todos e muitos outros formam esta biblioteca universal e espiritual, onde gostamos de beber da doutrina santa que a Igreja nos propõe há dois mil anos. Pelo menos é esse o nosso gosto, nós aqui da Permanência, da Capela São Miguel e da Capela Nossa Senhora da Conceição assim como esses nossos amigos citados acima, e vocês todos, leitores e amigos que nos visitam na Internet.

É triste ver como muitos preferem outros caminhos e se fecham orgulhosos em seu próprio pensamento. Não tomam para si as referências que são nossa luz, preferindo seguir seu próprio brilho. Estes não gostam muito da nossa amizade porque, mesmo quando defendem a mesma fé, não vivem do mesmo espírito. Quem são seus mestres? Com quem aprenderam a defender a fé? Não se sabe. Por isso, em vez de reconhecer a grandeza de todos estes grandes defensores da fé e da civilização católica, ficam procurando meios para incriminá-los, para denegrir suas imagens. E inventam! Ah! como inventam e caluniam, como ficam a ver fantasmas e sombras onde, para nós, reina a luz da Igreja. Mas não há o que possa ser feito pois a marca deste orgulho é a cegueira espiritual que gera o sectarismo.

Estejamos, portanto, com os olhos voltados para a vida da Igreja, para a luz do Céu. Nesta grande reunião em torno da Fé, na amizade e na Caridade que já prenuncia o encontro que teremos nas portas do Paraíso, como tão singelamente pintou Fra Angélico em sua "Dança dos Eleitos". De nada nos adianta, como católicos e como um grupo de fiéis católicos, nos destacarmos de todos e vivermos sós, como se só nós pudéssemos ensinar, como se só nós merecêssemos a confiança dos nossos leitores e fiéis. Não é este o espírito da Igreja, não é assim a grande festa do Reino dos Céus. O que queremos aqui, nos diversos sites da nossa "porteira" é abri-la de par em par para todas as almas de boa vontade, todos os que querem encontrar doutrina e amizade, Fé e Caridade; venham e bebam desta água viva que corre do seio da Igreja, sentem-se à mesa e tomem deste alimento espiritual que lhes propomos e sigam o seu caminho. Temos a certeza de seguirão com maiores luzes e movidos pelo verdadeiro amor de Deus, na travessia do deserto desta vida.

Entrevista com Julio Fleichman

A CRISE É DE FÉ

Alguns anos antes de falecer, após 35 anos de militância como presidente da Permanência, Júlio Fleichman narrou sua trajetória ao lado de Gustavo Corção — o mais firme de nossos polemistas católicos — os eventos decisivos na formação de seu posicionamento diante desta terrível crise de nosso tempo, e de seu combate aos inimigos da Igreja.

Hoje, os membros de Permanência e os novos católicos que vão se convertendo à defesa da Tradição, reúnem-se na Capela S. Miguel Arcanjo, às sextas e domingos, no Cosme Velho, para assistir a "Missa de sempre" — a Missa Tridentina, celebrada por D. Lourenço Fleichman, OSB — e prosseguir no combate.

Como foi o seu encontro com Gustavo Corção? Como o senhor chegou a conhecê-lo?

Eu era um judeu já adulto e tinha um amigo chamado Frederico de Carvalho. Éramos um grupo de três ou quatro amigos, e nos encontrávamos à noite para andar pelas ruas discutindo tudo. Discutíamos cultura, arte, filosofia, política — tudo provavelmente na base da opinião. O Frederico de Carvalho, que era mais velho e não participava muito das discussões, costumava sediar as conversas em sua casa, pois era o único casado. Ele conhecia um lugar chamado "Resistência Democrática", que havia sido fundado por escritores e políticos católicos, e por um socialista de tipo raro, chamado Hílcar Leite, de um tipo que hoje em dia não existe mais, por ser de uma idoneidade intelectual fora do comum. Essa instituição tinha grandes personalidades, como Fernando Carneiro, Barreto Filho e Gustavo Corção, e lá aconteciam debates freqüentemente muito engraçados.

O fato é que o Frederico nos levou a esse ambiente e nos falava de Corção, que então havia lançado seu primeiro livro, "A descoberta do outro", saudado pela crítica como uma verdadeira revelação — chegou a ser comparado a Machado de Assis. Comecei a freqüentar esse grupo e me encantei. Na época, não era religioso, não era judeu praticante. Também nunca tinha me envolvido diretamente com política; tivera simpatias pelo comunismo, mas só. No entanto, eu estava então muito interessado no assunto. Nos debates, Gustavo Corção ganhava sempre, porque era muito vivo, muito culto, muito engraçado, e logo atraía a atenção de todos. Interessei-me muito por ele e ouvi dizer que ele tinha um curso, que dava aulas de religião no Centro Dom Vital, que naquele tempo era na Praça Quinze. Era um prédio que pertencia ou era emprestado à Cúria, e tinha lá os cursos religiosos, entre os quais o do Corção. E eu fui para lá.

Embora não fosse religioso, me interessava particularmente pela sua inteligência. Havia nessas aulas umas dez ou doze pessoas. Eram todos moços, mas, em geral, casados e mais velhos do que eu. Naturalmente, como católicos, olhavam-me como uma presa a ser capturada, com interesse por minha conversão; discutíamos muito fora das aulas, sobretudo política. Eu ficava furioso, porque ainda nutria simpatias pelo comunismo e eles eram amigos de Carlos Lacerda, que, nessa época — isso foi em fins de 1949 — estava fundando a "Tribuna da Imprensa". Carlos Lacerda era cronista do "Correio da manhã", eu não o lia e não gostava dele. Fiquei irritado com sua campanha contra o candidato comunista nas eleições de 1950, que se chamava Fiúza, e ele apelidara de “Rato Fiúza”.

Na "Tribuna da imprensa" Corção escrevia uma pequena crônica, sempre muito engraçada, e me encantei por sua personalidade e inteligência.

Naquela época, eu era um leitor ávido, lia tudo que me caía nas mãos. Li um livro de um escritor inglês chamado G. K. Chesterton, um católico polemista muito vivo, amigo, mas oponente, de Bernard Shaw, e um livro de São Tomás. Fiquei furioso com aqueles livros.

Um dia, um amigo meu virou-se para mim e perguntou por que eu tinha toda aquela gana. Por que essa raiva toda? Eu olhei para ele e não soube o que responder.

Depois, caiu-me nas mãos um livro de S. Kierkegaard, A angústia humana. Eu gostava de andar na rua pensando nas coisas que lia, até que um dia, de repente, me aconteceu uma espécie de ajuste. Foi como se dentro da minha alma alguma coisa que estava distorcida, contorcida, se colocasse no lugar. E me deu um vento interior de sanidade — não tive nenhuma revelação, mas senti uma espécie de alívio, como se eu, enfim, entendesse certas coisas. Até então eu tinha uma reputação de doutor-sabe-tudo junto a meus amigos. O fato é que tudo que me aparecia, inclusive o catolicismo, que eu desprezava, eu enquadrava numas certas colocações que, no fundo, significavam que eu julgava que sabia tudo, que tinha o mundo todo mais ou menos equacionado.

Com esse livro do Kierkegaard, e com esse ajuste, eu de repente me dei conta de um universo que eu simplesmente não sabia que existia, que era o da minha alma, do meu eu interior. A minha vida interior era angustiada, sem que eu o percebesse. Era a angústia de uma distorção espiritual em que as pessoas vivem sem nem perceber. Era o meu caso.

As coisas que eu estava lendo começaram a fazer sentido. Comecei a ver que a tal cultura, a tal mentalidade que eu tinha, dentro da qual pensava caber o mundo inteiro, era uma caixinha de fósforos pequenina e errada; e o universo, uma coisa muito mais ampla, complexa e rica do que a minha caixinha.

Com isso, com a freqüência ao Centro Dom Vital, e depois ao mosteiro de São Bento, eu acabei pedindo a dom Marcos Barbosa que me batizasse. Na primeira vez que ele marcou, eu não fui, fugi, mas depois fui finalmente batizado. Frederico de Carvalho foi o meu padrinho. Apareceram três freiras do Colégio Sion a quem Corção tinha pedido que rezassem pela minha conversão. Afinal, me converti e nunca mais deixei o Corção e segui firme no caminho que tinha que seguir.

Comecei a ajudar Corção na medida do possível. O Centro Dom Vital fora fundado por Jackson de Figueiredo no princípio do século. Era uma organização que reunia escritores católicos, e cujo presidente, então, era o Alceu Amoroso Lima. Quando comecei a freqüentar o Centro, procurei assistir às aulas dele, mas logo me enchi. Vi que tudo aquilo era meio sumário, apesar de sua grande fama de scholar. Um esquerdista da época, Joaquim Pimenta, dizia que a cultura do Alceu era uma cultura de fichário — e devia ser mesmo. Ele dividia todos os problemas em três e então tratava deles. Para um novato, no princípio, era muito interessante, porque ele simplificava os problemas e os resolvia, mas logo descobríamos que não era assim, que aquilo era muito simplório.

Em 1963, o Alceu começou a tomar posições esquerdistas e entrou em conflito com Corção, que era o vice-presidente. Então, saímos do Centro Dom Vital e, mais tarde, em 1968, fundamos a Permanência.

A Permanência foi fundada com todo o apoio do episcopado da época, o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro celebrou a missa de fundação. Alugamos um espaço na casa de umas polonesas, e lá tínhamos nossas conferências e missas.

Com a missa do cardeal, foi fundada religiosamente a Permanência. A fundação jurídica foi feita por mim, a fundação política foi feita por uma conferência de Corção no auditório do Ministério da Educação, que ficou completamente lotado.

A fundação da Permanência acontece apenas por causa da divergência com o dr. Alceu, ou já tem em vista o Concílio?

Não, nessa época ainda não nos dávamos conta do que acontecia na Igreja. Ainda não tínhamos em vista o Concílio.

Uma das finalidades do Centro Dom Vital era o apostolado católico no plano da inteligência. Nós fundamos a Permanência para prosseguir com esse objetivo e também para combater os comunistas, como já fazíamos no Centro Dom Vital. Quando perdemos o Centro, fundamos a Permanência para prosseguir com as aulas de Corção e publicar a “Revista Permanência”, que durou 22 anos.

A respeito das divergências entre o Corção e o doutor Alceu, uma visão superficial leva muitos a acreditar que se tratava de um problema meramente político — mas o problema era mais profundo.

Justamente. Escrevi um livro chamado A crise é de fé e é grave. Essas palavras do título foram, para mim, bênçãos do céu e me socorreram diante desse debate e diante do caráter que tentavam atribuir a ele. Naquele tempo nós ainda não avaliávamos bem as coisas. Ninguém pensaria que um dia o Papa iria desonrar a Igreja ou pôr a Igreja em risco de perder a fé. Ninguém imaginaria uma coisa dessas e nos consideraríamos pecadores se fôssemos ter essa idéia e tentar expô-la.

O que víamos nesse tempo, aqui no Brasil, quando tínhamos muito pouca notícia do que se passava no mundo, era que uma porção de personalidades católicas começara de repente a tomar partido a favor da esquerda. Isso nos deixava indignados. E víamos que, além disso, escreviam coisas estranhas.

O Alceu, em 63, escreveu um artigo de página inteira no Jornal do Brasil sobre o problema do Concílio, que, como Corção veio a dizer depois, era uma espécie de “Encíclica do Alceu”; nela defendia que a Igreja das condenações tinha morrido para ceder lugar à Igreja do diálogo, à Igreja da compreensão fraterna. E o Alceu honrava Dom Hélder Câmara, que honrava os terroristas; e veio o Leonardo Boff, com a teologia da libertação.

Nós víamos que isto não era só um problema político. Diziam-nos que não podíamos “agredir” o Alceu, pois éramos irmãos católicos, e não devíamos dar essas demonstrações públicas de divergências entre irmãos, e que a nossa divergência era meramente política. Nós sabíamos que não era. Mas não tínhamos nem apoio, pois os bispos já estavam calados e não nos ajudavam, nem uma compreensão mais profunda do problema, que, para nós, era muito difícil de investigar a fundo. E nos perguntávamos: E Roma, por que é que não fala? E os bispos?

O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara, gostava de nós, e nos convidou para um encontro quando da discussão com Alceu a respeito do Centro Dom Vital. Ele nos disse: vocês fiquem, quem vai sair é ele. Mas passou o tempo e ele não saiu.

Dom Jaime tinha mandado uma carta para o Alceu pedindo a ele que renunciasse, mas ele respondeu: não renuncio; o senhor que me demita. O que é uma atitude de insubordinação; mas eles podem fazer isso, nós é que não podemos...

Um dia, Dom Jaime estava na Igreja do Cristo Redentor, que era nossa Igreja paroquial nesse tempo. Logo depois entrou o Sobral Pinto com um papel na mão, e brandiu o papel no nariz do cardeal. O cardeal ficou receoso de tomar uma atitude pública e recuou.

Mais tarde, ele nos renovou o convite para um encontro pessoal. E lá fomos, Corção, Gladstone Chaves de Melo e eu. Ele começou dizendo que devíamos estar desapontados com ele, e fez uma pausa. Corção disse: “Senhor Cardeal, eu não creio que o senhor queira que comecemos esta entrevista mentindo. Devo dizer, com toda franqueza, que nós estamos realmente decepcionados.”

O encontro, enfim, ficou na conversa, e o cardeal não fez nada. Ele se sentia tolhido, e mais tarde ficamos sabendo que Roma não deixava que os cardeais tomassem certas atitudes. O fato é que, então, saímos nós do Centro Dom Vital e fundamos a Permanência.

Foi neste momento que corremos nós o mais grave risco de perder a fé, de entrar nessa onda de lama e matéria fecal, que mistura os tons, os matizes e torna as pessoas prontas a acreditar em tudo, aceitar todas as mudanças, e encontrar fraternidade com os pulhas.

Tivemos a ajuda preciosa de um autor que não era católico, mas a quem repugnava essa miscigenação, essa falta de nitidez no combate, o Nelson Rodrigues. Ele escreveu uma série de artigos ironizando o Alceu, o dom Hélder, e honrando o Corção. Chegou a escrever um artigo chamado "Carta a um milionário paulista", onde dizia que era preciso manter a Permanência. Foi numa época em que estávamos praticamente sem dinheiro.

O fato é que quase não tínhamos ajuda. O risco que corremos nesse tempo foi o da tentação de pensar "Será que é mesmo só um debate político e estamos faltando com um dever de caridade?" Mas caridade não é isso que eles dizem. Caridade começa com a verdade. E às vezes começa com o bastão, com o vergaste, com o chicote. No Antigo Testamento está escrito que o pai que poupa seu filho da vara tem ódio à sua alma. Poupar aí se refere a não castigar o filho que agiu mal.

Nessa época andava muito aflito com essa situação. Eu sabia que era um problema religioso. Nessa hora, por uma misericórdia do Céu, o cardeal-arcebispo de Buenos Aires, dom Caggiano, diferentemente do cardeal do Rio, disse publicamente as palavras: Não, a crise é de fé e é grave! Bendito seja Deus! Se é assim, tudo mais eu entendo. Agora está tudo claro. Agora eu sei o que eu tenho de fazer, quem é o inimigo, e como eu devo conduzir-me na guerra que concerne a mim.

E sei também qual é a pérola preciosa que precisa ser preservada acima de tudo. Pérola a respeito da qual Nosso Senhor Jesus Cristo usou a mais violenta linguagem que já se ouviu até hoje. E note que ele não fala assim por causa de qualquer pecado: não é por causa do pecado da carne, não é pelo pecado de roubo, não é por nada disso que ele usa esta linguagem. É por causa do que se chama em teologia de "escândalo". E escândalo quer dizer "pôr outrem ou você mesmo em risco de perder a fé". É por causa da fé. Se a tua mão te escandaliza, corta-a; se o teu olho te escandaliza, mete o dedo no globo ocular e arranca-o. Você já viu alguém usar uma linguagem tão violenta assim? Arranca o olho com o dedo, porque é melhor entrar no reino dos céus com um olho só do que ir com os dois para o inferno.

Isso Nosso Senhor disse por causa da fé. E quem conhece um pouco a doutrina católica sabe que essa é a pérola escondida, esse é o fermento que leveda a massa, essa é a jóia pela qual é preciso dar a vida. Tudo o mais decorre dela.

Então, se alguém mexeu com a fé, já sabemos o que fazer. Não é possível aceitar nada que venha nesse sentido.

E o Corção, nisso tudo?

Esse livro que eu escrevi é sobretudo a história do combate do Corção: a história de como a crise da Igreja foi chegando ao Brasil. Porque, com essas palavras de Dom Caggiano, eu compreendi que o problema não era só aqui; a crise era mundial. Já tínhamos alguns indícios disso por alguns outros problemas que ocorreram. Íamos tomando conhecimento das coisas que aconteciam aqui e lá fora, e íamos resistindo.

Houve uma famosa séance no Centro Dom Vital, ainda quando estávamos lá, com o Alceu presidindo, em que dois franceses, um homem e uma mulher, da equipe do cardeal Bea, iam nos falar. O cardeal Bea tinha sido confessor do Papa e o homem mais influente da corte de Roma no tempo de Pio XII. É a figura mais sinistra da transição; provavelmente foi o grande responsável por ela — porque Pio XII é o fim da Igreja, tal como ela foi durante vinte séculos. A partir de João XXIII — e nós ainda não sabíamos disso — estava começando uma nova era, o que, em 63, o Alceu compreendeu, pois tinha informações que nós não tínhamos. Foi quando escreveu a sua famosa "encíclica", que, de fato, era verdadeira num certo ponto: Roma tinha mudado. Nessa sessão, com os dois franceses do cardeal Bea, estavam presentes muitos religiosos, inclusive Dom Lucas Moreira Neves, além de Corção, Alceu, etc. Em resumo, os franceses disseram o seguinte: nós estivemos numa favela, e vimos os comunistas lá em ação. Eles são muito mais caridosos que vocês, são muito melhores que vocês! Quer dizer, nós, para eles, éramos apenas uns burgueses. Ficamos todos ali estupefatos; eu apenas pensava: Como é que eles podem dizer isso, se não nos conhecem? Claro que eram cretinos. Mas como eles tinham vindo do cardeal Bea e falavam em francês, nós ficamos paralisados.

Mas não ficamos indiferentes por dentro. Aquilo criou um certo constrangimento. De repente, duas senhoras francesas, lá atrás, se levantaram e berraram: salauds! Vous êtes des communistes, nous vous connaisons déjà! E aí fechou o tempo, o Alceu ficou irritadíssimo, nós começamos a rir e a respirar aliviados.

Por esse incidente, começamos a saber que as coisas estavam ficando estranhas. Mas o parto foi longo e doloroso. Foi só em 1970, provavelmente em 72, já perto da morte de Corção, que ele escreveu um artigo contra o Vaticano. Foi a primeira vez que nós, realmente, dissemos que não era possível mais acompanhar o Papa.

Até então, com João XXIII, não conhecíamos as palavras mais significativas do pensamento do Papa. As que conhecíamos, procurávamos interpretar de modo benéfico, fazíamos alguns malabarismos intelectuais, como era próprio de um católico fiel e dócil à autoridade, que não tem nem quer ter espírito revolucionário. Não é que procurássemos tapar o sol com a peneira, mas procurávamos interpretar as coisas, inclusive as coisas do Concílio, de modo benéfico. Gustavo Corção escreveu vários artigos benéficos sobre o Concílio, sobre Paulo VI, que é o grande responsável pela ruptura da Igreja. Quando o Papa veio a usar a palavra transignificação ao invés de transubstanciação, que é de São Tomás, nós procuramos achar que havia algum problema de tradução, etc. Procurávamos aceitar tudo. Mas chegou uma hora em que ficou claro que aquilo que o Papa estava dizendo não podia ser católico, embora Corção não tivesse ousado sequer pensar nisto tão claramente.

A primeira atitude do Papa contra o Brasil foi após a Revolução militar de 64. O Papa disse que o Brasil era contra os pobres, e Corção disse que não podia aceitar aquilo. Então, ele começou a gemer, a rezar, a chorar, e se perguntava: O que é que vou fazer? Eu não posso me calar. Ele não podia deixar de escrever, estava claro que havia uma espécie de conspiração palaciana, com os Hélder Câmara, daqui e de lá, querendo colocar o Papado contra o governo militar, que tinha salvo o Brasil de uma ameaça comunista iminente. João Goulart tivera os comissários do povo organizados e incitara os marinheiros e soldados contra os oficiais — a revolução, enfim, chegara a estar em marcha.

Corção continuou a escrever gemendo, cheio de cuidados. Ele se pegou com Santa Catarina de Sena, que, no século XIV, não só tinha clamado contra os bispos ruins, que chamou de demônios encarnados, mas também, como naquele tempo o Papado estava dividido, ela, que era uma mulher de fogo, foi ao Papa que ela sabia ser o verdadeiro dos três, e disse: Sê homem! Levanta-te daí, volta para Roma, Roma é a sede da Igreja. Levanta-te! Eu vejo aqui demônios encarnados na tua corte! Corção, então, se pegou com ela, e começou a usar palavras dela para dizer o que ele tinha de dizer ao Papa e pedia a mamma Caterina, como ele a chamava, que o ajudasse. Ele usou palavras dela e fórmulas dela para dizer ao Papa que não era possível admitir um pronunciamento como aquele.

E foi um escândalo. Corção estava atacando o Papa! E depois, tudo foi ficando cada vez pior e ele cada vez mais rígido porque, com o tempo, nós começamos a ver que uma série de coisas não era aceitável. Houve um momento em que, na URSS fuzilaram cinco pessoas que queriam fugir da Rússia, e o Papa não disse nada. Um mês depois, na Espanha de Franco, cinco terroristas foram condenados à morte por terem jogado bombas em algum lugar, e o Papa foi suplicar que não os fuzilasse. Corção perdeu a cerimônia e escreveu “eu não posso crer que isto que vem de Roma seja coisa de um Papa”.

Depois começou a estudar os textos do Concílio, sobretudo o número 55 da constituição Gaudium et Spes, um documento do Concílio, que dizia "o homem hoje é responsável perante os seus irmãos..." e o quê, Deus? Não. E a "História".

Nessa ocasião, o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, então D. Eugênio Sales, mandou distribuir em todas as Igrejas do Rio um documento dizendo que Corção não falava pela Igreja, que ele não podia ser seguido nem lido; ou seja, colocou Corção praticamente no ostracismo. O combate foi ficando cada vez mais claro, cada vez mais nítido, até que, em 76, ele descobriu monsenhor Lefèbvre.

No começo da "Permanência", nós tínhamos como redator e colaborador Alfredo Lage, que era um dos mais inteligentes, mais cultos e mais finos de nossos companheiros. E, no primeiro número de "Permanência", ele incluiu um artigo de um certo monsenhor Lefèbvre, que então não conhecíamos. Parecia apenas um bispo europeu, muito interessante, muito animado com o encontro de jovens que se interessavam pelos assuntos católicos e queriam ser padres. Era um artigo nesse sentido. Mas somente cerca de quinze anos depois viemos realmente a conhecer Mons. Lefèbvre. Corção morreu um pouco depois e a nossa relação passou a ser com Mons. Lefèbvre e com uns franceses combatentes, sobretudo um muito inteligente, chamado Jean Madiran, que dirigia uma revista chamada Itinéraires.

No início não sabíamos quase nada do Concílio. Só vinte anos depois do Concílio é que li o principal depoimento a respeito, um livro escrito por um jesuíta americano, também jornalista, que tinha participado do Concílio e que se chamava Ralph Wiltgen, "Le Rhin se jette dans le Tibre". Nesse livro, ele conta como é que o Concílio foi manipulado.

Na primeira sessão, os bispos alemães e franceses se uniram, se levantaram, fizeram uma espécie de sublevação e disseram que não queriam os esquemas para discutir os assuntos tais como preparados pela Cúria, mas queriam discutir os assuntos democraticamente, com voto, etc. O Papa aceitou. E aí quebraram a ingerência da Cúria, cujo dirigente principal era o Cardeal Otaviani, um homem muito preparado, muito fiel, mas que foi derrubado, sobretudo pela cumplicidade secreta do Papa João XXIII contra ele.

Só depois nós fomos conhecer o discurso de abertura do Concílio, já muito significativo, e as palavras com que o Papa disse, ele mesmo, como teve a idéia de convocar o Concílio — uma coisa muito estranha, muito esquisita, que não se enquadrava na tradição da Igreja; enfim, tudo isso nós fomos aprender depois.

Este livro, que só fui ler vinte anos depois, relata incidentes muito interessantes. Por exemplo, o papel de monsenhor Lefèbvre e de dois bispos brasileiros, mais trezentos e tantos bispos que os ajudaram numa organização para resistir aos progressistas e tentar obter uma condenação do comunismo, o que o Concílio recusou. Mais tarde, viemos a saber que tinha havido um acordo de um delegado do Papa com dirigentes da União Soviética.

Sabe-se de alguma informação a respeito da influência da maçonaria sobre o Concílio?

Da maçonaria não sei. Na década de 70, houve uma denúncia, na França, de que inúmeros cardeais e bispos franceses eram membros da maçonaria. Aqui no Brasil houve um escândalo com o cardeal-arcebispo da Bahia, na época, Dom Avellar Brandão, que celebrou missa num templo maçônico e usou os paramentos maçons.

Quando essa denúncia surgiu na Europa, e a denúncia incluía o cardeal secretário de estado da cúria romana na época, os acusados negaram indignados. Mas as publicações davam até o número de inscrição deles.

Em 1980, houve o escândalo do banco Ambrosiano com o banco do Vaticano, e por aí se viu que o banco do Vaticano era cúmplice e sócio do banco que sustentava a principal loja maçônica do mundo, chamada P2, dirigida por Lucio Gelli, preso pela polícia por causa do escândalo. Lucio Gelli tinha manobras e relações com deputados, generais e políticos do mundo inteiro, comandava uma rede de grandes empresas e levou o banco Ambrosiano à falência com um rombo de 1 bilhão e 200 milhões de dólares. Isso mostrou que as relações do Vaticano com a maçonaria italiana não eram nenhuma brincadeira.

Sobre a influência da maçonaria no Concílio Vaticano II não tenho dados, mas dos protestantes sim. Existe uma famosa fotografia do Papa Paulo VI com seis representantes protestantes. Corção chamou a atenção para o fato de que, atrás do Papa e dos protestantes, pode-se ver uma porção muito grande de bispos participantes do Concílio, todos rindo às gargalhadas; o Papa e seus convidados, não, mas os participantes estavam. E Corção escreveu um artigo perguntando: Mas de que é que eles se riem? Por que estão rindo?, e aí fazia uma série de considerações a respeito.

Mais tarde, foi confirmada a influência desses representantes protestantes. Eles não tinham voto, mas participavam das discussões, prestavam esclarecimentos, distribuíam material, entravam nos assuntos todos, enfim, como se fossem membros do Concílio para expor suas idéias. E assim foi sendo feita a subversão da Igreja...

O ecumenismo e a revolução litúrgica já estavam sendo preparados, mesmo antes do Concílio. Um monge beneditino belga, dom Lambert Beaudouin, dera sinais inquietantes de querer mudar a liturgia e fora censurado por Roma. Ele gostava muito da liturgia oriental, ortodoxa, e quase virou ortodoxo. Ele fundou um movimento litúrgico que, no início, nós recebemos de braços abertos. Até hoje, nossa missa é dialogada em voz alta. O catolicismo, no início do século, era mais praticado pelas mulheres, as beatas. Os homens, quando iam à Igreja, ficavam atrás conversando. Sobral Pinto, em seu tempo, causava comoção porque freqüentava a missa, comungava, ajoelhava-se, e isso não era costume masculino. Mas mesmo as pessoas que iam à Igreja não sabiam bem o que estava acontecendo. Algumas rezavam o terço, que é algo que realmente se pode fazer, desde que se reze com a devida intenção, caso contrário não se está assistindo a missa nenhuma. Nas missas, as pessoas têm de saber o que está acontecendo, o que é aquilo, e participar pelo menos no sentido de oferecer a Deus o Cristo imolado, porque a missa é a reiteração, a apresentação hoje da mesma realidade que aconteceu dois mil anos atrás, a saber, a morte do Cristo na cruz, em que Se oferece ao Pai em remissão dos pecados dos homens. É o mesmo Cristo que está ali presente, o mesmo Cristo que consagra a hóstia e que Se oferece ao Pai. Os fiéis estão presentes para oferecer o sacrifício de Cristo a Deus junto com o sacerdote, e é por isso que, na hora do oferecimento, o acólito segura a casula do sacerdote, significando que estamos ali para isso, para oferecer a Deus um sacrifício pelos nossos pecados e pelos pecados dos outros.

Ora, o movimento litúrgico fora instituído justamente para fazer com que as pessoas tomassem consciência do que estava acontecendo na missa e participassem verdadeiramente dela, mas depois ele extrapolou. Começou-se a estudar a liturgia e os sacramentos, e, em seguida, a fazer elucubrações sobre o sacramento da Eucaristia e sobre o papel do sacerdote, e a sustentar que o povo também é sacerdote, e começaram alguns bispos e cardeais a dizer besteiras.

Essas besteiras se prolongaram e acabaram gerando, nos meios intelectualíssimos da Cúria Romana, compostos de muitos progressistas, um desejo de simplificar a missa, mudar a missa, corrigir a missa — coisa que os católicos jansenistas tinham feito na França no século XVIII. De fato, foi exatamente isso o que fizeram: colocaram as mãos na missa para usar as palavras das Escrituras para ensinar isso e aquilo. Não tem nada que usar a missa para ensinar. A missa é o resultado místico de uma obra mística, de grandes místicos. Primeiro do próprio Jesus e depois os ritos surgiram de grandes místicos da Igreja, que foram, primeiro, os apóstolos, todos santos, depois grandes Papas santos e grandes doutores santos — com isso foi se formando a missa que tem, se não na sua integridade, pelo menos na sua essência, dois mil anos. E quando começaram a aparecer variações que punham em risco a pureza daquele ato litúrgico, o Concílio de Trento, no século XVI, estabeleceu as normas que a missa devia seguir e o Papa, São Pio V, publicou uma encíclica famosa, chamada Quo Primum, proibindo que se tocasse na missa, e estabelecendo as únicas exceções, que eram certos ritos, variantes do rito romano, com mais de 200 anos, mas admissíveis. O Papa proibia que se fizessem modificações na missa dali para a frente, coisa que os progressistas de Roma de nosso tempo não admitiram, e disseram que, se um Papa proibiu, o outro Papa, que tem poder igual, pode "desproibir", e então fabricaram a missa de Paulo VI, que é essa que está aí.

Quando surgiu essa missa, nós, inicialmente, íamos a ela. Claro que procurávamos sempre padres sérios, comedidos, não esses que ficam distribuindo as hóstias na mão como se as tirassem de uma caixa de biscoitos, mas, mesmo com um padre sério, eu me sentia mal. Eu descobri, sem querer, que se esquecesse o padre e fixasse os olhos no Sacrário, eu me sentiria melhor. Passei a fazer isso e voltei a usar o missal antigo. Eu rezava minha missa ali sozinho, fixando os olhos no sacrário, sem tomar conhecimento do que o padre fazia no altar.

Depois que Corção morreu, que monsenhor Lefèbvre morreu e que acabou a revista "Permanência", eu quis deixar uma lembrança disso tudo para meus filhos e netos. Tinha um instrumento precioso, os artigos que Corção escrevia duas vezes por semana nos jornais, em que ele foi cada vez mais deixando a política de lado e se concentrando no debate espiritual e religioso. Eu tinha então um registro, duas vezes por semana, do que acontecia no mundo católico: o que o Papa disse, o que disseram os bispos, fatos que aconteciam e que Corção comentava. Peguei a coleção e o fui seguindo, contando esta história no meu livro, muitas vezes usando trechos do que Corção escrevia, muitas vezes mesclando o tema da crise da Igreja com assuntos políticos. E contei também a divisão que ocorreu no grupo da "Permanência" depois que Corção morreu.

Quando compreendemos que a missa nova era insuportável, começamos a procurar padres que nos dissessem a missa tradicional. Primeiro, encontramos um franciscano, que depois ficou doido, foi para a Europa e se ligou a outro doido que acreditava ser o Papa Gregório XVII. Depois surgiu um padre jesuíta, que nos disse a missa tradicional por algum tempo, mas acabou sendo proibido pelo superior dele, quando soube do que se tratava. Enfim, andávamos atrás de padres que nos dissessem a missa de sempre, inequivocamente católica.

Até que descobrimos um padre holandês com quem fui conversar. Sentei-me ao seu lado no banco da Igreja e perguntei: Padre, me diga uma coisa, o senhor acha que está proibido dizer a missa tradicional da Igreja? E ele me respondeu que não, que não podiam proibir essa missa. Eu disse: O senhor concorda que não pode ser proibida a missa que a Igreja santificou durante vinte séculos? Ele concordou. Nesse tempo, não era proibida. Isso não interessava ao diabo, porque exoneraria as pessoas de sua responsabilidade pessoal. O diabo quer levar as pessoas para o inferno o mais que puder; ele quer que as pessoas sejam cada vez mais enredadas, até que elas também prefiram ficar com a missa nova. Então, eu pedi ao padre que dissesse a missa para nós e ele aceitou. Tínhamos a missa na capela de umas freiras carmelitas, ao meio dia. Depois apareceu um rapaz que conhecia música e tocava gregoriano. A missa ficou uma beleza, as freiras ficaram deslumbradas conosco, com a nossa missa, com a música e com o padre holandês, que fazia sermões muito ingênuos, mas muito bons — sermões de padre de verdade. E nós passamos cerca de quatro anos de felicidade tranqüila, porque para nós isso era o principal da nossa vida.

Depois, perdemos a missa, porque a família de uma das freiras nos denunciou e o cardeal mandou proibir. O padre holandês recebeu a proibição e ficou apavorado, com medo de o cardeal manda-lo de volta para a Holanda, e se recusou a continuar com aquela missa.

Encontramos um outro jesuíta. Meu filho foi pedir a ele que rezasse a missa para nós, ele aceitou, rezou uma vez. Nós entramos pelos fundos, escondidos, para ter a missa. E esse padre, daí em diante, quando eu aparecia na sacristia, ficava apavorado, com medo de ser punido pelo superior. Por isso, quando me via, começava a ficar nervoso.

Outra vez ficamos nós sem missa, e voltamos a correr atrás de padres. Surgiu então um franciscano, depois, um padre de Campos, que vinha de avião dizer a missa para nós na sede da "Permanência".

Até que Corção morreu e foi quando nós perdemos a missa definitivamente e eu resolvi não ir mais à missa de Paulo VI. Metade de nosso pessoal ficou contra nós, porque há uma obrigação de ir à missa aos domingos. Mas eu tomei a decisão de não ir. Muita gente hesitou, mas acabaram tomando a decisão de também não ir.

No domingo, me fechava no meu quarto e rezava meu missal sozinho. Na hora da consagração, eu fazia uma espécie de comunhão espiritual e rezava a missa todinha, de cabo a rabo. Passamos assim algum tempo.

Quando Corção fez 70 anos, houve grandes comemorações, isso saiu em todos os jornais, etc.; quando ele fez 80, ninguém falou mais nada. E hoje também ninguém fala mais nada. A que o senhor atribuiria isso? E como o senhor responderia às críticas que fazem ao Corção, principalmente depois de "O século do nada" e ao senhor de serem desobedientes?

Há uma conhecida tática de esquerda, que consiste em "não fazer marola". Eles não querem barulho, não querem debate. Eles não gostam de discutir, fazem uma conspiração de silêncio, e fizeram isso contra o Corção.

Por outro lado, muita gente deixou de ler o Corção porque ele, cada vez mais, foi tomando uma posição marcadamente católica. Ele foi cada vez mais se voltando para assuntos católicos. Mesmo quando discutia alguma coisa que tinha implicações políticas, ele punha naquilo a marca da fé, da defesa de valores católicos, e foi ficando, então, com uma posição muito marcada. Daquelas pessoas que saudaram a fundação da "Permanência", que lotaram o auditório no Ministério da Educação, a maioria, ou pelo menos uma grande parte, se entusiasmava com o debate político ou com o debate intelectual, filosófico, mas o debate religioso não interessava muito. Muitas das pessoas não estavam interessadas no assunto, que era o principal, como Corção compreendeu, e como procurou apresentar na sua coluna. De forma que à medida que ele ia marcando uma posição cada vez mais nitidamente católica, menos pessoas se interessavam.

Muitos diziam, então, que ele era católico demais. Ora, ninguém é católico demais, essas pessoas é que não estavam interessadas na fé, nem na religião, e nós estávamos.

Se o mundo está transviado, como a gente tem razões para temer, o que vai acontecer é que as pessoas vão cada vez mais se desinteressar dos assuntos religiosos e querer novidades. Agora mesmo há um número de movimentos que estão pululando por aí, como Foccolari, Comunhão e Libertação, movimentos novidadeiros que, após analisados, revelam-se não-católicos. Considere a Renovação Carismática, por exemplo, em que querem chamar o Espírito Santo outra vez, e a que até instituições muito sérias, como o Mosteiro de São Bento, deu abrigo. O cardeal do Rio chegou a publicar um documento oficial, dizendo que aquilo é uma coisa respeitável, que pode ser seguida; ora, aquilo não é respeitável e não é para ser seguido de maneira alguma.

Nosso Senhor diz em passagem relativa ao fim do mundo que, nesta hora, aparecerão muitos que dirão: eis, aqui está o Cristo! E recomenda: não saiais para ver. Ei-lo acolá. Não ide ver. Aqui está o Cristo, vem ver. Não ide atrás. É isso que esses movimentos me lembram. O Cristo está aqui, o Cristo está ali, e vêm versões novas do cristianismo, como se não fosse a Igreja que tem o ensino da Verdade, como se não fosse ela que sabe o que está dizendo, que tem o segredo do Cristo. Não, são eles. Essas novidades. "O Cristo está aqui, o Cristo está lá" — Nosso Senhor nos alertou: não dêem atenção.

Ora, quem disse que nós estamos em tempos apocalípticos não fui eu. Grandes pensadores, grandes filósofos já o disseram, principalmente por causa dessas crises, por causa de coisas como o abalo que a Igreja está sofrendo. Evidentemente, nós estamos em tempos apocalípticos, resta saber quanto tempo vai durar. Nosso Senhor disse que seria breve. Porque se não, diz Ele, nem os santos agüentariam. E disse que Deus ia abreviar esses dias.

Por um lado, nos espantamos de como os tempos passam depressa. Por outro, de como a crise está durando. Já são trinta anos — e olha que não é brincadeira.

Um amigo meu, de São Paulo, chamou a atenção para uma coisa muito interessante. Uma das sete cartas do Apocalipse, a sexta, é a da Igreja de Filadélfia. A impressão que eu tenho é que é para nós. Porque Ele diz assim: Eu sei que vocês não têm força, por isso eu vos ajudo, mas guardai a coroa da vossa fé. Não deixeis que outros tomem essa coroa ou a estraguem. Guardai a vossa posição, eis que Eu venho depressa. Esperai. E Ele ainda diz que os "falsos judeus" serão postos a vossos pés. Ora, os falsos judeus, hoje, têm outro sentido: trata-se dos falsos fiéis

E na carta seguinte, destinada a outra Igreja, Ele diz as famosas palavras a respeito daqueles não são nem quentes nem frios: já estou a vomitá-los da minha boca. Isso é para a sétima Igreja, é a sétima carta, para este mundo, creio eu, que está engolindo tudo e pensa que é católico.

Eles reclamam de nós, que somos desobedientes ao Papa. E nós respondemos que a obediência é uma grande virtude, mas não é a principal. A principal é a fé, junto da esperança e da caridade. Por estas é que nós temos que meter o dedo no olho e arrancá-lo fora, e cortar a mão e o pé se for o caso. Não importa. E cortar com pai, mãe, filho, seja com quem for, que Ele também o exigiu. Cortar com todo mundo, com tudo. A obediência é uma virtude que nós queríamos aceitar, mas se a fé está em jogo, não venham cobrar obediência.

Ao passo que a eles, seria o caso de lhes perguntar: Quando vêem as declarações do Papa João Paulo II, quando vêem as mudanças no Credo, isso não os comovem?

Muitos vêem o pontificado de João Paulo II como conservador. O que é que o senhor acha?

Conservador coisa nenhuma. O Papa João Paulo II, usando uma astúcia muito conhecida, dá uma no cravo e outra na ferradura. Paulo VI fazia a mesma coisa: tomava posições aparentemente boas para depois adotar outras contrárias à Igreja de sempre.

João Paulo II, por exemplo, disse que devia voltar a haver a confissão no confessionário e não confissão coletiva. Todo mundo então acha formidável. Mas logo em seguida ele vai pedir desculpas a Galileu, vai pedir desculpa aos judeus, para não sei mais quem, até para os cantores de rock — e isso é o de menos. Ele vai receber bênção de sacerdotisa hindu. Sua pior obra é Assis, que se renova todos os anos. Assis é uma coisa muito séria. A reunião foi feita na cidade-berço da obra de São Francisco, cidade cheia de evocações católicas.

Um grande bispo católico francês, depois cardeal Pio, um dos grandes nomes do Concílio Vaticano I, tem um sermão impressionante sobre a santa intolerância católica, que me lembra uma declaração de Chesterton. Ele conta que os romanos eram muito ecumênicos, muito acolhedores dos deuses dos povos que eles venciam e costumavam honrar os deuses dos outros. No Pantheon, em Roma, eles tinham estátuas dos deuses do mundo inteiro. E, uma vez, propuseram botar lá uma estátua de Jesus, mas os cristãos recusaram.

Essa atitude dos cristãos, de não admitir paridade entre sua religião e a dos pagãos irritou grandes espíritos romanos que defendiam os cristãos, que tinham pena dos cristãos, como Plínio, que ficou indignado com essa atitude. Então, Chesterton diz algo assim: "as pessoas não se dão conta de que o mais grave risco que já correu a fé de Jesus Cristo sobre a face da Terra, o mais grave risco de desaparecimento da fé cristã sobre a face da Terra, foi corrido num mar de boa acolhida, de boa vontade, de boa disposição, quando, às margens do Adriático, foi oferecido aos cristãos colocar lá sua estátua de Jesus no meio das outras, para ser mais uma entre as outras. Esse foi o mais grave risco que a religião cristã correu de desaparecer, porque foi para não admitir isso que os mártires morreram, que os mártires deram o sangue."

Foi para não admitir isso que eles fazem hoje, com esse ecumenismo da alta hierarquia oficial da Igreja. Isso é que é inaceitável, isso é que é insuportável. E não venham dizer que não é sincretismo; pouco importa. Isto que fizeram em Assis foi uma amorfa e repugnante coabitação de coisas díspares como a do Catolicismo com o Dalai Lama, que nem sequer pretende ser um Papa, e sim um deus. Ele estava sentado na frente de um altar, onde a lâmpada acesa (diz o jornal Avvenire, jornal oficial da Conferência dos Bispos Italianos) indicava a presença do Santíssimo no sacrário e ele, de costas para o sacrário, recebia a adoração dos seus seguidores, numa das igrejas mais veneráveis de Assis. Fora os peles vermelhas, protestantes, etc., todos eles com uma igreja à sua disposição para fazer essa coabitação repugnante, pela qual o sangue dos mártires fica sem sentido.

Santa Perpétua era filha de um senador e o juiz que a julgava pelo crime de ser católica era amigo do pai dela. Ele lhe dizia: "olha, você não tem que fazer nada, você pode continuar como cristã. Faz só um gesto de incensação da estátua do imperador e eu te libero. Dê atenção às lágrimas de seu pai, lembre-se do seu filhinho, que você teve na prisão". E ela dizia "não posso". E morreu. Foi entregue às feras, foi posta no Coliseu.

"Não posso". O que é que custava incensar a estátua do imperador? Ela não o fez.

Os jesuítas que foram à China no século XVIII queriam aceitar a veneração popular à estátua de Confúcio. O Papa disse que isso era inaceitável. Os jesuítas eram muito inteligentes, fizeram um apostolado muito grande na China, mas não podiam dizer aos fiéis que cortassem todos os laços com a religião de Confúcio, ou seriam condenados à morte. Então, foram a Roma pedir ao Papa permissão para aceitar essa "devoção cívica" a Confúcio. E o Papa negou, porque a devoção não era cívica, mas religiosa. E uma religião falsa não pode conviver com outra verdadeira. O Papa negou a permissão ainda que isso significasse arruinar a obra dos jesuítas. É por essas e outras que também nós, que queremos ficar fiéis à nossa Fé, não podemos aceitar o Vaticano II.

(Versão Revisada pelo Autor. Originalmente publicado em "O Indivíduo")

Repercussão na Imprensa

Decididamente, nosso trabalho na Permanência não é feito por um grupo de gente retrógrada, atrelada a coisas caducas. O mundo é que mudou e já não se interessa por aquilo que antes lhe interessava. Assim são os jornais. Falavam do Corção, falavam da Permanência e difundiam com seus ricos meios, sem matéria paga, notícias sobre um grupo de pensadores e escritores católicos que iniciavam um trabalho de defesa da fé e da civilização católica que vivia então, na década de 1960-1970, seus primeiros anos de demolição.

Estes documentos e estas imagens que aqui reproduzimos servirão, pelo menos, para homenagear nossos fundadores que, eles, mantiveram-se sempre fiéis aos seus princípios católicos.

O GLOBO, 17 de Agosto de 1968
"LANÇADA PERMANÊNCIA, A REVISTA DE UNIÃO CATÓLICA
Com o auditório do Ministério da Educação lotado, foi lançada ontem "Permanência", revista mensal de católicos leigos que será porta-voz do movimento pelo mesmo nome liderado pelo escritor Gustavo Corção (...)"

JORNAL DO BRASIL, 17 de Agosto de 1968
"CORÇÃO ANUNCIA PALAVRA DE CRISTO COM INTERPRETAÇÃO CORRETA EM "PERMANÊNCIA" O professor Gustavo Corção lançou oficialmente, ontem, a revista Permanência, afirmando que a nova publicação católica surge "para anunciar a doce verdade da Igreja e para dar o testemunho das palavras de Cristo na sua interpretação correta (...)".

ESTADO DE SÃO PAULO, 17 de Agosto de 1968
"CORÇÃO LANÇA REVISTA Em reunião de que participaram civis, religiosos e militares, o escritor Gustavo Corção lançou ontem no auditório do Ministério da Educação a revista "Permanência", com o objetivo de combater "as confusões e deformações da Igreja no Brasil, introduzidas pela chamada ala progressista do clero Falando na ocasião, o sr. Gustavo Corção disse que a revista denunciará os padres que falam de "desmistificação" porque eles erram duas vezes (...)".

O GLOBO, 27 de Setembro de 1968
"MOVIMENTO PERMANÊNCIA LANÇA EDITORA E CENTRO DE CULTURA
O Movimento Permanência dará início, no próximo domingo, às atividades de sua editora e do Centro de Cultura Humanística. A cerimônia constará de uma missa, celebrada pelo Cardeal Dom Jaime Câmara, e do lançamento da revista mensal "Permanência". As solenidades terão início às 11h 30m, na nova sede do movimento (...)".

O GLOBO, 30 de Setembro de 1968
"CATÓLICOS LANÇAM MOVIMENTO ANTI-REVISIONISTA
O primeiro número da revista "Permanência", editada pelo movimento de resistência católica, foi lançado ontem, em Laranjeiras, em missa celebrada pelo Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, com a inauguração, simultânea, da sede do Centro de Cultura Humanística, que iniciará, esta semana, uma série de cursos e palestras (...)".

REVISTA CRUZEIRO, 12 de Outubro de 1968
"PERMANÊNCIA
Gustavo Corção lança seu protesto contra o "esquerdismo" na Igreja. O movimento já possui sede própria no Cosme Velho e está pronto para promover o lançamento de uma revista, através da qual pretende denunciar aos "bons católicos" a presença do comunismo no clero (...)".

O GLOBO, 07 de Abril de 1969
"CURSOS DARÃO AOS CATÓLICOS MELHOR VISÃO DA IGREJA
O Movimento Permanência, ampliando suas atividades, vai iniciar no próximo dia 14 uma série de cursos, visando a tornar mais conhecida a Igreja pelos fiéis. As aulas serão diárias, e além dos cursos regulares serão convidados vários conferencistas, que discorrerão sobre temas diversos, uma vez por semana (...)".

Muitos outros artigos apareceram em todo o Brasil. Na impossibilidade de reproduzi-los todos, limitamos aqui a referir alguns dos mais importantes:

O Estado de São Paulo, 01/10/68, "Católicos Iniciam Resistência no Rio;
Jornal do Brasil 01/11/68, "Corção dará respostas em Permanência;
Estado de Minas 28/11/68, "Publicações" (matéria assinada por Oscar Mendes);
O Globo 18/12/68, "Festejados os 72 anos de Gustavo Corção", 19/06/69, "Noite de Autógrafos";
O Globo 29/09/69 "Missa pelo Aniversário de Permanência",
O Globo 29/09/70, "Permanência festejará o 2o. aniversário",
O Globo 01/12/71, "Suassuna fala sobre o romanceiro",
O Globo 02/12/71, "Suassuna fala de influências no romanceiro" (sobre conferência do escritor na Permanência),
O Globo 25/04/69, "Tardes de Recolhimento";
O Estado de São Paulo, 21/06/69, "Problemas Católicos em Revista";
O Globo 14/06/69, "Gladstone: Não se deve escrever como se fala",

Citemos ainda, alguns dos artigos elogiosos aparecidos na:
O Município, Brusque, Santa Catarina, 23/8/68, "Agitação e Permanência", de Brasílio Pereira;
Diário Popular, Pelotas, RGS, 24/08/68, "Permanência", de Gilberto Gigante;
Unitário 8/06/69, jornal Universitário de Fortaleza (nota sobre o número 8 da revista Permanência).

Dom Anjo Ferreira da Costa OSB

Nascido em Volta Redonda (RJ) em 5 de junho de 1965 (batizado José Antônio)

Professo beneditino em 1990 (Mosteiro da Santa Cruz)

Sacerdote em 11 de fevereiro de 1995

Enviado à França como Prior do novo mosteiro de Bellaigue em 1999

Falecido em 9 de março de 2008, aos 42 anos, no 1º Domingo da Paixão, festa de Santa Francisca Romana, oblata beneditina que via o seu Anjo da Guarda.

*

Era a terça-feira 4 de março. No silêncio do claustro de Bellaigue o cortejo de monges avança pelos corredores mergulhados na paz. Em cada mão uma luz, uma candeia acesa, em cada voz uma oração, um canto de louvor:

Vexilla Regis pródeunt
Fulget Crucis mysterium
Quo carne carnis Conditor
Suspensus est patibulo

Avança o estandarte do Rei
Brilha o mistério da Cruz
Na carne é pendurado
o Criador da carne

Assim vão cantando os trinta monges, como tantas vezes processionaram pelo claustro do mosteiro. Podia ser no mês de Maio, para a Virgem Maria, ou na Páscoa, o canto do Salve Festa Dies... mas desta vez, eles caminham em direção à cela do Prior, Dom Anjo. No final do cortejo, um dos padres vestido com a pluvial e véu humeral, carrega ao peito o Santíssimo Sacramento, cercado pelas velas dos acólitos, pelo sininho que canta, ele também, seu som de bronze anunciando a passagem do Senhor. Não estou romanceando, não descrevo um ritual medieval. Estas coisas aconteceram naqueles dias, e ainda se ouve sob as abóbadas e arcos da velha abadia o eco longínquo daquela canto maravilhoso. Entram na cela e são recebidos por um anjo enfraquecido por quase um ano de combate contra a doença cruel. Ei-lo, este Jacó guerreiro, que após passar toda a noite lutando com o anjo, é ferido de morte para elevar-se ao céu. Dom Anjo recebe piedosamente o Santo Viático, este sacramento dos viajantes, que a Igreja, em sua bondade maternal, reserva para seus filhos que partem para a derradeira viajem.

Accipe, frater, Viáticum Corporis Domini nostri Jesu Christi, qui te custodiat ab hoste maligno et perducat in vitam aeternam. Amén.
Recebei, irmão, o Viático do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que Ele te proteja do inimigo maligno e te conduza à vida eterna. Amém.

Tendo comungado, Dom Anjo dirige suas últimas palavras à comunidade de irmãos que ele, tão cedo, recebera como filhos para cuidar, para levar no caminho da santidade. Os leitores mais assíduos terão lido as palavras que escrevi sobre a morte de Dom Gérard. Pois foi dado a este jovem monge brasileiro ocupar o lugar vazio deixado pela queda do Barroux. Dom Anjo conquistou os franceses com sua humildade alegre, sua extrêma caridade para com todos e esta paz interior que é o apanágio das almas puras.

Eu não estava lá, mas é como se estivesse, tamanha a impressão que deixou nos corações aquelas palavras sublimes, elevadas, de um anjo ferido de morte. Pelo relato de dois irmãos com quem tive o privilégio de falar ao telefone, percebi o que significou aqueles poucos minutos em torno do Prior agonizante. E esta impressão, tão cedo não será apagada da comunidade dos monges beneditinos de Bellaigue.

Assim morrem os santos. Assim é uma morte "em odor de santidade". Seu sacrificio foi aceito e abriu-se a porta do Céu.

Aqui ficamos nós, rezando nosso Réquiem por sua alma; lá, do outro lado da eternidade, existe um sorriso materno, um véu que esconde, um manto que cobre e em algum momento da eternidade, uma Rainha que se levanta do Trono, a mãe que vem receber seu filho para introduzi-lo na luz da glória, junto ao Trono de Jesus. Vá, Anjo de Deus, filho de São Bento, parte desta vida, como nos convida o Ritual dos mortos, parte desta vida e olhe por nós que ainda temos aqui uma vida para sofrer.

Carta ao milionário brasileiro

Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues
1

Meu caro milionário paulista. Não, não. Melhor será dizer: brasileiro. Meu caro milionário brasileiro: em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não sinto nenhum preconceito contra o rico. Fica-lhe muito bem a sua fortuna e vou-lhe dizer mais: desejo do fundo da alma que você tenha uma casaca. Se a tem, creia-me: está justificado o fato de você ter nascido.

2

Nem pense que a casaca seja um dado frívolo, intranscendente. Sabe você por onde se demonstra o nosso racismo jamais confessado? Por um fato muito mais dramático do que se imagina: até hoje, não se viu um preto brasileiro de casaca. Não importa que os nossos sociólogos ponham a mão no fogo por uma democracia racial que nunca existiu. Primeiro, a casaca; depois, a sociologia.

3

Mas como ia dizendo: não tenho o preconceito contra a fortuna e tenho o preconceito oposto, ou seja: contra a miséria. Entendo que o Dom Hélder ame a miséria, ame a mortalidade infantil, ame a fome. Tudo isso é o seu ganha-pão. Por uma questão de sobrevivência e de turismo (ele, que viaja tanto), interessa-lhe que o Nordeste apodreça de fome infantil e adulta. Mas eu quero, inversamente, a multiplicação dos ricos.

4

Está escrito que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Escrevo isso e já uma dúvida me ocorre: será “fundo de uma agulha” ou “buraco de uma agulha”? Em ambas as hipóteses, tanto faz. Não sei se é católico e, em caso afirmativo — que tipo de católico? No passado, o católico era simplesmente católico. Mas hoje tudo mudou. Os “padres de passeata”, ditos “progressistas”, questionam todos os dogmas e, até, acham graça nos dogmas. Uns são católicos-marxistas, outros católicos sem vida eterna, e ainda outros “católicos-maoístas'“, ou “católicos-fidelistas” etc. etc. Só não são católicos.

5

Se meu caro milionário está na linha de D. Hélder e Dr. Alceu, a história do camelo e da agulha não passa de fábula de “gibi”. Mas quero crer que você seja um católico de verdade e não dos falsamente chamados “progressistas”. E, nesse caso, entre o efêmero e o eterno, você terá escolhido a eternidade.

6

Mas pergunto: entrará você no reino dos céus? Façamos aqui uma breve meditação sobre o seu destino efêmero e o seu destino eterno. Na Terra ou por outra — no Brasil, ser rico é um risco. Duas forças o ameaçam: de um lado, o comunismo; de outro lado, o anticomunismo. O que o salva do comunismo é o comunista. Com que inépcia, cegueira, obtusidade, irrealismo, alienação o comunista liquida o comunismo.

7

Resta o anticomunismo, que, por um ressentimento ingênuo, também não gosta dos ricos. Outro dia, dizia-me um milionário: “Ainda vou-me disfarçar de ceguinho.” Não brincava. Falo muito no ceguinho da Rua do Ouvidor. É o que toca ao violino sempre o mesmo tango: “La Cumparsita”. E o meu amigo milionário, nas suas fantasias, imagina-se de óculos escuros, bisando eternamente “La Cumparsita”. Gemeu: “O ceguinho da Rua do Ouvidor está muito mais seguro do que os milionários do Brasil.” Certamente, há, no seu pânico, um relativo exagero.

8

Eu me pergunto se você será ou não um herdeiro. Fez a sua fortuna ou se a recebeu, de graça? Em ambas as hipóteses, não há mal nenhum. Admitamos que seja um milionário de berço. Antes da primeira chupeta, já era milionário. Resta saber que destino escolheu para a sua herança. Você a dinamizou, você a potencializou, você injetou-lhe a sua vontade criadora?

9

Não sei se você passa muitas vezes pela Avenida Atlântica. É o meu caminho diário. Aquelas máquinas, aqueles guindastes, aquelas estacas, aquelas dragas, tudo aquilo parece a fundação do mundo. Todas as manhãs, faço o caminho do Forte ao Leme. E sinto que a praia da véspera não é a mesma do dia seguinte; que o mar é outro; que as dunas conquistam o mar. E como a praia muda, e muda o mar, e as espumas, tudo começa a mudar. É um delírio. Eis o que eu quero dizer: o seu dinheiro pode transformar também a realidade. Pode fazer inventar outras praias, outros mares, outros horizontes, outras ilhas.

10

Quero saber se você, meu bom milionário, tem feito horizontes, ilhas, praias. Há de gostar de uísque. Ou por outra: não gosta, mas toma uísque. Ninguém gosta e todos se encharcam de uísque. Está maravilhosamente certo. Ninguém bebe o que quer, ninguém come o que quer, ninguém tem a mulher que quer. Também finge que adora o seu jardim. Mandou Burle Marx fazê-lo. E o seu jardim só tem uma cor: um verde obsessivo, apavorante, alucinatório. Nós sabemos que não há nada mais feio do que uma cor sem as outras. E as visitas invejam o seu insuportável jardim e acham Burle Marx um gênio.

11

Você gosta de ter, nas imediações, decotes ideais. Nada disso o impedirá de atravessar o buraco da agulha (não o estou chamando de camelo). Mas o que é que você faz ou que é que você tem feito? O Brasil está para ser feito, nós temos de fazê-lo. Você nasceu, e como justifica o fato de ter nascido? É milionário e o acusam de ter dinheiro. Estão contra você o comunismo e o anticomunismo. E é possível que você mesmo, em suas insônias, faça uma autoflagelação.

12

Estou dizendo tudo isso para lhe fazer um pedido, meu bom milionário. Não quero de você nada de épico, de sublime. Pelo contrário. É um pequeno ato, de uma infinita modéstia. Sim, ato humilde, que não vai absolutamente promovê-lo. Ninguém vai saber que você o fez, senão você mesmo. É o seguinte: há, no Brasil, uma revista católica chamada Permanência. Imagino o seu pânico: “Revista católica?” Não se assuste, meu caro milionário. Permanência é uma desesperada batalha contra os “assassinos da Igreja”.

13

Não sei se você sabe, e, se não sabe, fique sabendo: a maioria absoluta, a quase unanimidade das revistas católicas são feitas, precisamente, pelos anticatólicos. Outro dia, li um pequeno jornalzinho e lá Cristo é apresentado como um guerrilheiro. Sim, como um assassino. Dirá alguém: “Mas o guerrilheiro não é assassino.” Acontece, porém, que é perfeitamente — assassino. Sabemos que qualquer guerra é monstruosa. Na última, morreram milhões e milhões de pessoas. Essa abundância cadavérica chega para o nosso horror. Pois a guerrilha é a mais infame das guerras, a chamada “guerra suja”. Direi, apenas, que é a guerra sem prisioneiro, que não admite prisioneiros, que mata prisioneiros. Você entende? Se quem mata prisioneiros não é assassino, quem o será?

14

Permanência constitui uma dramática exceção. É uma das raras, raríssimas revistas católicas feitas por católicos e não pelos inimigos da Igreja. Vive e sobrevive graças ao esforço abnegado e solitário de uma meia dúzia. E, sem meios promocionais, é pouquíssimo conhecida. Imagino que você, milionário, diga: ”Eu nunca a li.” E outros dirão: ”Nem eu, nem eu.” Não importa que ninguém a tenha lido. Mesmo sem um único leitor, Permanência precisa existir, continuar, não morrer.

15

Bem. Vamos ao pedido. Eu queria, milionário, que você fizesse o seguinte: mandasse um cheque para Permanência. Ninguém saberá, ou por outra: saberá aquele que o receber. Mas não mande uma quantia pequenina e vil. Se você, milionário, me pedisse uma sugestão, eu diria: um cheque de vinte milhões antigos. Gostaria de saber se, entre os milionários brasileiros, há um capaz desse gesto de amor. Se você fizer isso, meu amigo, o camelo passará pelo buraco da agulha. Sua doação será um momento da consciência católica.

(O Globo 27-12-1969; PERMANÊNCIA, 1990, julho/agosto, números 260/261.)

Nossos Princípios

Corção
Gustavo Corção

1. Encontramos na "Política" de Aristóteles um princípio básico da estruturação das sociedades que poderíamos enunciar assim: "As sociedades são o que são suas famílias".

Em outras palavras, a organicidade de uma cidade verdadeiramente humana, tem base na célula familiar, na constituição sadia e estável da instituição familiar. Os erros estruturais que podem afligir uma sociedade são dois: um da dissolução individualista (erro do liberalismo burguês) outro da absorção dos direitos da família pelo Estado (erro do totalitarismo).

A dureza cristalina da família, a nitidez estável de seus contornos é condição essencial de uma sociedade verdadeiramente humana. Daí nossa repulsa pelo divórcio, à luz da razão natural antes mesmo da iluminação da fé. O divórcio é uma reivindicação individualista, anti-social, e por conseguinte anti-humana. O divórcio, como reivindicação individualista, é essencialmente um erro corolário do erro mais geral do liberalismo; mas é também um erro utilizado pelo totalitarismo, apesar da aparente contradição, porque o totalitarismo aparece (como a história o demonstrou) como uma contraditória conseqüência do liberalismo. Em relação à família os dois erros sociais se encontram com a mesma maléfica eficácia; ambos procuram destruir a estabilidade familiar e a indissolubilidade do vínculo; ambos ferem a lei natural do mesmo modo, embora por motivos e em perspectivas históricas diferentes.

2. Um outro princípio, que tiramos de Santo Agostinho na "Cidade de Deus", diz que uma cidade de homens só é verdadeiramente humana quando respira justiça. Fora dessa condição nós teremos um aglomerado de brutos e não uma cidade humana feita à semelhança de Deus. Do mesmo Aristóteles e de Santo Tomás tiramos o conceito derivado de amizade cívica (amicitia), virtude anexa da justiça, virtude essencial, oxigênio vital para o clima de uma cidade verdadeiramente humana.

3. Ora, esses dois princípios são conexos, porque a família, a casa da família é, ou deve ser, o lugar onde se exercita a amizade cívica, o lugar onde se destila, o lugar adequado onde se prepara o elemento essencial ao bom clima humano da cidade. Esse será o nosso terceiro princípio: a família é o lugar adequado para a germinação da justiça; é a fonte da amizade cívica.

4. Avancemos mais um passo. Na situação concreta do mundo, isto é, no caso concreto de uma humanidade decaída e redimida, o problema moral da cidade, mesmo considerado sob o ângulo temporal, deve ser colocado em sub-alternação aos preceitos divinos revelados, ou como diz Maritain, deve ser colocado em termos de uma moral "adequatement prise".

Nessa nova perspectiva ganha singular realce o papel que desempenham as famílias cristãs. Já não se trata somente de estrutura a sociedade com células normais que resistam à lepra do liberalismo ou ao câncer do totalitarismo; trata-se agora de uma regulação muito mais profunda, de uma atuação mais intensa em que a qualidade domina a quantidade.

Eu diria agora, com mais esse dado concreto da verdadeira condição humana, que uma sociedade humana será medida pelo grau de heroísmo de suas famílias cristãs. E esse é o nosso quarto princípio, que apenas traduza, aplicando-as ao problema da estrutura social, as palavras evangélicas tão conhecidas e tão pouco seguidas: "Vós sois o sal da terra".

5. Dirigindo agora a nossa atenção para a concretíssima conjuntura, isto é, pensando no mundo em que vivemos, no momento histórico que atravessamos, eu estenderia aos outros grupos — associações, escolas, sindicatos — o que disse até aqui da família. E aplicaria a esses grupos, proporções guardadas, os mesmos princípios que acabamos de considerar. E por conseguinte, aplicaria aos movimentos católicos — isto é, às associações fundadas com especificação temporal, como por exemplo a C.F.C. [1] — as mesmas conclusões. E diria assim: a sorte das sociedades depende do grau de heroísmo (de autêntico heroísmo cristão) dos movimentos católicos.

Ainda mais, diria que esses movimentos, pelo seu caráter excepcionalmente militante, devem levar ainda mais longe do que qualquer outra instituição cristã o grau de heroísmo necessário à salvação do mundo. Parodiando Winston Churchill, que traduziu a seu modo inglês as palavras de Cristo, eu direi que nunca, na história do mundo, tantos dependeram tanto de tão poucos. E é essa desproporção que nos deve dar a medida do que Deus espera de nós.

6. O nosso sexto princípio tem nexo estreito com o anterior. Se os movimentos católicos, para atuarem no mundo, precisam de uma forte dose de heroísmo cristão, concluímos que devem ter uma base de espiritualidade de onde lhes venha essa força de sobrenatural fecundidade para estímulo e vitalização de suas tarefas de ordem temporal e profana.

Não se trata de trazer para a tarefa especificada por objeto de ordem natural as virtudes infusas que têm por objeto a salvação e a a vida eterna; mas de trazer para a atuação no mundo um grau de liberdade, uma força de heroísmo que só o evangelho pode dar. Em outras palavras nós diremos que só pode atuar no mundo quem puder afirmar praticamente, efetivamente, a transcendência do homem sobre o mundo. Ou ainda: só pode haver obra social, com interesse fervoroso, para quem tiver cursado a escola evangélica do desapego. E esse é o nosso sexto princípio, de capital importância para os movimentos católicos.

(Gustavo Corção, in  "A Espiritualidade dos Movimentos Católicos", A Ordem, dezembro de 1951)

Nosso Padroeiro

O HEROS
A São Miguel de Arcanjo

"O Heros invincibilis, Dux Michael,
Adesto nostri proeliis:
Ora pro nobis, pugna pro nobis, Dux Michael.

"Tu Noster dux militiae, Dux Michael
Defensor es Ecclesiae:
Ora pro nobis, pugna pro nobis, Dux Michael.

"Per te, o heros belliger, Dux Michael,
Prostratus jacet Lucifer:
Ora pro nobis, pugna pro nobis, Dux Michael.

"Ejectis procul hostibus, Dux Michael,
Fer opem desperantibus:
Ora pro nobis, pugna pro nobis, Dux Michael"

Ó Herói invencível - São  Miguel
Defendei-nos no combate
Intercedei por nós, combatei por nós, ó São Miguel

Sois o chefe da milícia - São Miguel
Defensor da Santa Igreja
Intercedei por nós, combatei por nós, ó São Miguel

Por vossa mão, herói da guerra - São Miguel
Lúcifer jaz prostrado por terra
Intercedei por nós, combatei por nós, ó São Miguel

Lançai para longe os inimigos - São Miguel
Dai força aos enfraquecidos
Intercedei por nós, combatei por nós, ó São Miguel

São Miguel de Arcanjo
Oração rezada no final da Santa Missa

São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate
Cobri-nos com vosso escudo contra os embustes e  ciladas do demônio
Subjugue-o Deus, instantemente vos pedimos
e vós, Príncipe da milícia celeste, precipitai no inferno a Satanás
e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo
Para perder as almas. Amém.