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Category: PoemasConteúdo sindicalizado

Florilégio místico

Durval Borges de Moraes nasceu na Bahia, em 20 de novembro de 1882, e faleceu no Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1948. Em sua obra, vasta e valiosa, verifica-se uma evolução marcante, correlata à sua evolução espiritual e à sua especial devoção ao pobre de Assis, com o progressivo despojamento de todo virtuosismo técnico em prol de uma pobreza intencional do verso. Pobreza que, posteriormente, veio a desabrochar em versos de grande resplendor e espiritualidade, versos "de um poeta livre, alto, nobre, e de um grande místico". (André Muricy, Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro).

Para apresentarmos a obra deste poeta, que também foi entre nós o tradutor do I Fioretti franciscano, escolhemos algumas das suas mais belas flores neste jardim de pobreza e religião.

À Virgem Santíssima

Num sono todo feito de incerteza, 
De noturna e indizível ansiedade, 
É que eu vi teu olhar de piedade 
E (mais que piedade) de tristeza.

Não era o vulgar brilho da beleza, 
Nem o ardor banal da mocidade, 
Era outra luz, era outra suavidade, 
Que até nem sei se as há na natureza.

Um místico sofrer, uma ventura 
Feita só do perdão, só da ternura 
E da paz da nossa hora derradeira.

Ó visão, visão triste e piedosa! 
Fita-me assim calada, assim chorosa... 
E deixa-me sonhar a vida inteira!

São Venceslau, rei e mártir

São Venceslau, em torno de cujo monumento o povo tchecoslovaco ergueu sua última barricada, foi rei e santo. Seu reinado ocorreu no período em que, pressionados pelos magiares, o país vê seu centro político deslocar-se para oeste, fazendo crescer em importância o ducado da Boêmia e sua capital Praga. São Venceslau, duque da Boêmia, recebeu de sua avó Santa Ludmila, uma educação profundamente cristã. Como soberano foi um apoio para os órfãos, as viúvas e os pobres. Muitas vezes carregava em seus ombros, durante a noite, lenha para os necessitados; assistia ao enterro dos pobres e libertava os que definhavam nas prisões. Tinha grande respeito pelos sacerdotes. Semeava com as próprias mãos o trigo das hóstias e espremia ele mesmo as uvas para a Eucaristia. No inverno ia visitar de pés descalços as igrejas, pela neve e pelo gelo, deixando em sua passagem manchas de sangue. Boles'au, seu irmão, a conselho da própria mãe, resolveu matá-lo. Venceslau foi trespassado com uma lança e morreu agarrado à porta de uma igreja no dia 28 de setembro de 929. Seu túmulo acha-se em Praga e sua estátua na praça de seu nome onde se desenrolaram os episódios citados pelos jornais.

 

 

SÃO VENCESLAU, REI E MÁRTIR

Paul Claudel

 

Nem o golpe selvagem do pagão, nem o ódio dos heréticos,

Nem os traidores, os sábios, os políticos,

Nem os que arrebataram o globo dourado e a coroa tombada

Do limiar solene onde jaz o corpo assassinado,

Nem o povo órfão que o esquece, nada, ninguém jamais conseguirá

Arredar da porta do céu, Venceslau o Magnífico.

E nem separar da Igreja e da porta de Deus

O punho real que a ela se prende pela argola e pelo meio.

A mão enraizada do mártir, da qual pende todo o corpo

Dá testemunho da porta ao esparso rebanho;

Alguns a preço de ouro, outros pela rudesa do ferro,

Alguns por herança, outros por aliança possuíram suas terras.

Mas a Boêmia bebeu seu soberano, 

Sua carne assinalou cada campo,

Seu sangue embebeu todo o solo,

Cada coração recebeu do rei semeado sua cor indelével.

Após a colheita de um dia, depois da obra servil e passageira,

Projeta-te sobre o escudo da Europa,

Testemunha ainda onde o centro da Europa e o nó de suas águas

Sobressai mais uma vez, desabrocha e vive, refloresce de novo e 

mostra-te! ó mancha do sangue do Rei sobre a neve!

Resiste, tcheco obstinado! Não soltes nunca a porta, ó Venceslau!

Roga vertiginosamente no céu pelo deserto de trigo aqui na terra,

Com seus duros pequenos vales repentinos,

Seus amplos açudes adormecidos.

Pede por teu país que espera entre florestas.

Por teus homens ardilosos e ardentes, suas mulheres de olhos claros,

Pelo deserto imenso e fastidioso!

É tudo plano, mas só, no horizonte, o esguio campanário lembra

uma haste.

E, longe da linha sombria dos pinheiros,

Um açude, a hospedaria, três casas,

Onde começa, com uma cruz, a estrada para Deus;

De cada lado macieiras tristes prosseguindo, sem que se veja o fim. 

 

(Revista Permanência, no. 1, Out. de 1968)

5 sonetos

Dados biográficos:
 
Poeta cearense, José Albano nasceu em Fortaleza a 12 de abril de 1882 e faleceu em Montauban, na França, a 11 de julho de 1923. Católico fervoroso, eruditíssimo, de temperamento explosivo e comportamento extraordinário, recebeu a admiração de Jackson de Figueiredo — que o considerava um dos únicos poetas brasileiros de inspiração clássica verdadeiramente católicos — Alceu Amoroso Lima, entre outros. Pouco publicou em vida, e sua obra, pequenina no tamanho, mas grandíssima no valor, permaneceria desconhecida do grande público, não fosse a edição de sua obra pelo poeta Manuel Bandeira em 1948, de onde tiramos os poemas que seguem.
 
Dele escreveu Bandeira: “José de Abreu Albano foi um altíssimo poeta, escreveu um dos mais belos sonetos da língua portuguesa e de todas as línguas, viveu perfeitamente feliz dentro do seu sonho, na loucura que Deus lhe deu e na miséria que foi a criação de sua própria mão perdulária”.

Ao Imaculado Coração de Maria

Senhora! O vosso altar já foi sacrário
De riquezas do céu, que o céu vos dava
Em prol de Portugal.
Em cada português tínheis um filho,
De todos éreis Mãe, refúgio a todos,
Nas angústias do mal.

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