Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute–se assim. – Parece que a profecia supõe uma disposição natural.
1. – Pois, a profecia o profeta a recebe conforme a disposição dele. Assim, aquilo da Escritura. – O Senhor surgirá de Sião – diz a glosa de Jerônimo: É natural, que todos os que querem comparar uma causa com outra tirem as suas comparações das causas de que tem experiência e no meio dos quais foram criados; por exemplo, é natural aos navegantes compararem os seus inimigos com os ventos e o dano sofrido, com o naufrágio. Do mesmo modo Amós, que foi pastor de Tebanhos, compara o temor de Deus ao rugido do leão. Ora, o que é recebido por um ser, ao modo do recipiente, supõe uma disposição natural. Logo, a profecia supõe uma disposição natural.
2. Demais. – A especulação da profecia é mais alta que a da ciência adquirida. Ora, uma indisposição natural impede a especulação da ciência adquirida; pois, muitos, por indisposição natural, não podem chegar a possuir as ciências especulativas, Logo, com maior razão, é ela necessária à contemplação profética.
3. Demais. – Uma indisposição natural causa–nos maior embaraço que um impedimento acidental. Ora, um obstáculo acidental sobreveniente pode impedir a especulação profética. Assim, diz Jerónimo: A prática do ato conjugal priva da presença do Espírito Santo, mesmo se for profeta quem pratique tal ato. Logo, com maior razão, uma indisposição natural impede a profecia. Donde resulta que a profecia exige uma boa disposição natural.
Mas, em contrário, Gregório diz: O Espírito Santo é quem inspira o jovem Citaredo e dele faz um psalmista; e transforma em projeta o pastor de rebanhos, que se nutre de discômoros. Logo, a profecia não exige nenhuma boa disposição precedente, mas depende só da vontade do Espírito Santo, do qual diz o Apóstolo: Um mesmo Deus é o que obra tudo em todos e a cada um dá como quer.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a profecia verdadeira e absolutamente falando, provém da inspiração divina; e só acidentalmente se chama tal a procedente de uma causa natural. Mas, devemos considerar, que Deus, causa agente universal, não tem necessidade de qualquer matéria preexistente nem de nenhuma disposição material para produzir um efeito corpóreo, senão que pode causar a matéria e infundir nela uma disposição e uma forma. Assim também, para produzir um efeito espiritual não necessita de nenhuma disposição preexistente, mas pode, simultaneamente com o efeito espiritual, imprimir a disposição conveniente, como o exige a ordem da natureza. E ulteriormente poderia também criar o próprio sujeito, de modo a dispor, para a profecia a alma que criou e dar–lhe a graça de profetizar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – São indiferentes, numa profecia, as comparações expressivas da realidade profética, sejam elas quais forem. Por isso, a ação divina, na profecia, não causa nenhuma mudança no profeta; mas, a virtude divina dele remove o que repugnar à profecia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A especulação científica é produzida por uma causa natural. Ora, a natureza não pode obrar senão por uma disposição preexistente na matéria. O que não se pode dizer de Deus, causa da profecia.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Uma indisposição natural não removida poderia impedir a revelação da profecia; tal o caso de quem fosse inteiramente destitui do dos sentidos naturais. Assim como também impedirá o ato de profetizar uma paixão veemente, como a ira ou a concupiscência, como esta se manifesta no coito, ou qualquer outra paixão. Mas essa indisposição natural a remove a virtude divina, causa da profecia.
O segundo discute–se assim. – Parece que a revelação profética não se faz por meio dos anjos.
1. – Pois, diz a Escritura, que a sabedoria de Deus se transfunde nas almas santas e forma os amigos de Deus e os profetas. Ora, os amigos de Deus ele os forma imediatamente também forma os profetas imediatamente mediante os anjos.
2. Demais. A profecia é classificada entre as graças gratuitas. Ora, é o Espírito Santo quem dá as graças gratuitas, segundo o Apóstolo: Há repartição de graças, mas um mesmo é o Espírito. Logo, a revelação profética faz–se mediante o anjo.
3. Demais. – Cassiodoro diz, que a profecia é uma revelação divina. Se, pois, fosse feita por meio dos anjos chamar–se–ia revelação angélica. Logo, a profecia não se faz por meio dos anjos.
Mas, em contrário, diz Dionísio: Os gloriosos pais nossos alcançaram as visões divinas por meio das virtudes celestes. Ora, ele aí se refere as visões proféticas. Logo, a revelação profética se faz mediante os anjos.
SOLUÇÃO. – Como diz o Apóstolo, as causas de Deus são ordenadas. Ora, a ordem da divindade exige, como ensina Dionísio, que as causas ínfimas sejam dispostas por meio das médias. Ora, os Anjos são medianeiros entre Deus e os homens, como mais participantes, que os homens, da perfeição da divina bondade. Logo, as iluminações e as revelações divinas Deus as defere aos homens por meio dos anjos. Ora, o conhecimento profético se faz pela iluminação e pela revelação divinas. Por onde, manifestamente se faz por meio dos anjos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A caridade, tornando o homem amigo de Deus, é uma perfeição da vontade, que só Deus pode nela imprimir. Ora, a profecia é uma perfeição do intelecto, a qual também os anjos podem imprimir nele, como dissemos na Primeira Parte. Por isso, não há semelhança nessa comparação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As graças gratuitas atribuem–se ao Espírito Santo, como ao princípio primeiro, o qual, contudo, infunde tais graças nos homens, mediante o ministério dos anjos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A obra de um instrumento se atribui ao agente principal, por virtude do qual o instrumento opera. Ora, sendo o ministro um quase instrumento, por isso, a revelação profética feita pelo ministério dos anjos se chama divina.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a profecia pode ser natural.
1. – Pois, com diz Gregório, às vezes as almas preveem certos acontecimentos, pela força da sua penetração. E Agostinho nota, que as alma humana, quando separada dos sentidos do corpo, pode desvendar o futuro. Ora, isto constitui a profecia. Logo, a alma pode naturalmente profetizar.
2. Demais. – O conhecimento da alma humana se exerce, antes, na vigília, que no sono. Ora, dormindo, certos naturalmente desvendam certos futuros, como está claro no Filósofo. Logo, com maior razão, o homem pode naturalmente prever os futuros.
3. Demais. – O homem é, por natureza, superior aos brutos. Ora, certos brutos têm a previsão de futuros a eles concernentes; assim, as formigas preveem as chuvas futuras, e o demonstra o fato de começarem, antes de chover, a enceleirar grãos nas suas covas; semelhantemente, os peixes preveem as tempestades futuras, como se conclui dos movimentos, que fazem, desviando–se dos lugares tempestuosos. Logo, com maior razão, os homens podem naturalmente prever o futuro a ele concernentes, o que constitui a profecia, Logo, profetizar é natural.
4. Demais. – A Escritura diz: Quando falta a profecia, dissipar–se–á o povo; por onde é claro, que a profecia é necessária à conservação dos homens. Ora, a natureza não falha em matéria necessária. Logo, parece natural a profecia.
Mas, em contrário, a Escritura: Porque em nenhum tempo foi dada a profecia pela vontade dos homens; mas os homens santos de Deus é que falaram inspirados pelo Espírito Santo. Logo, a profecia não é natural, mas um dom do Espírito Santo.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a previsão profética pode desvendar o futuro, de dois modos: em si mesmo ou nas suas causas. – Desvendar os futuros em si mesmos é próprio da inteligência divina, a cuja eternidade todas as coisas estão presentes, como dissemos na Primeira Parte. Por onde, tal previsão dos futuros não pode provir da natureza, mas só, da revelação divina.
Mas, nas suas causas, os futuros podem ser previstos, por conhecimento natural, mesmo do homem; assim, o médico prevê a saúde ou a morte futuras em certos casos por ter previsto experimentalmente o ordenar–se deles para tais efeitos. Ora, essa previsão dos futuros podemos admitir que o homem a tem da natureza, de dois modos. – Primeiro, por poder a alma, pelo que em si mesma é, prever imediatamente os futuros. Por isso, como diz Agostinho, certos ensinaram, que a alma humana tem por si mesma a faculdade de adivinhar. O que concorda com o sentir de Platão, quando ensinou, que a alma tem conhecimento de todas as coisas, por participação das ideias, embora esse conhecimento nela fique obnubilado, pelo conhecimento do corpo, mais em uns, menos em outros, segundo a pureza diversa dos seus corpos. E assim, pode–se dizer, que os homens, cujas almas não estão muito entenebrecidas pela união com o corpo. podem prever tais futuros por ciência própria. Mas, contra essa opinião objeta Agostinho: Por que não pode ter a alma a faculdade de adivinhar sempre que quiser?
Por onde, sendo mais verdadeira a opinião de Aristóteles, pela qual a alma tira o seu conhecimento, das cousas sensíveis, como dissemos na Primeira Parte, melhor se dirá, de outro modo, que os homens não têm o conhecimento de tais futuros, mas podem adquiri–lo por via experimental, no que são ajudados pela disposição natural, dependente da perfeição da faculdade imaginativa e da clareza da inteligência.
E contudo, essa previsão dos futuros depende da primeira, oriunda da revelação divina, de dois modos. Primeiro, porque pela primeira se pode prever quaisquer eventos e infalivelmente. Ao passo que a previsão, que podemos naturalmente ter, só versa sobre certos efeitos, a que pode estender–se a experiência humana. – Segundo, porque a primeira espécie de profecia se baseia na verdade imóvel; não porém a segunda, que é susceptível de falsidade.
Ora, a previsão da primeira espécie constitui propriamente a profecia; mas não, a segunda, porque, como dissemos, o conhecimento profético tem por objeto o que naturalmente sobreexcede o conhecimento humano. Donde devemos concluir, que a profecia absolutamente falando, não pode provir da natureza, mas só da revelação divina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A alma, separada do mundo dos corpos, torna–se mais apta para perceber o influxo das substâncias espirituais; e também para perceber os movimentos subtis, produzidos na imaginação humana por impressão de causas naturais, de perceber os quais fica a alma impedida, quando dominada pelas coisas sensíveis. Por isso, diz Gregório, que a alma, quando se abeira da morte, prevê certos futuros pela penetração da sua natureza, isto é, porque percebe as mínimas impressões. – Ou também conhece os futuros pela revelação angélica. Mas não, por virtude própria; pois, como ensina Agostinho, se assim o fosse, estaria sempre no seu poder desvendar o futuro, todas as vezes que quisesse, o que é evidentemente falso.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A previsão do futuro, durante o sono, é ou pela revelação das substâncias espirituais, ou por uma causa corpórea, como dissemos quando tratámos da adivinhação. Ora, uma e outra ação pode manifestar–se melhor nós adormecidos do que nos acordados; porque a alma do acordado, dominada pelos sensíveis externos, é menos apta para receber as impressões subtis quer das substâncias espirituais, quer mesmo das coisas naturais. Quanto porém à perfeição do juízo, a razão vigora mais no acordado que no adormecido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Mesmo os brutos não têm previsão dos eventos futuros senão enquanto eles podem ser conhecidos nas suas causas. Estas movem–lhes a fantasia, mais que no homem; porque as fantasias deste, sobretudo no estado de vigília, dispõem–se mais de conformidade como a razão, do que por impressão de causas naturais. Ora, a razão causa muito mais abundantemente no homem o que causa nos brutos a impressão das causas naturais. E além disso, o homem é ajudado pela graça divina, inspiradora dos profetas.
RESPOSTA À QUARTA. – O lume profético alcança também a direção dos atos humanos. E assim, a profecia é necessária ao governo do povo. Sobretudo em relação ao culto divino, para o qual não basta a natureza, sendo necessária a graça.
O sexto discute–se assim – Parece que o conhecido ou anunciado profeticamente pode ser falso.
1. – Pois, a profecia tem por objeto os futuros contingentes, como se disse. Ora, os futuros contingentes podem não se realizar, do contrário se cumpririam necessariamente. Logo, a profecia é susceptível de falsidade.
2. Demais. – Isaías prenunciou profeticamente a Ezequias, quando disse: Ordena a tua casa, porque tu morrerás e não viverás. E contudo depois, foram–lhe acrescentados à vida ainda quinze anos, como se lê na Escritura. Semelhantemente, o Senhor disse a Jeremias: De repente falarei contra uma gente e contra um reino para desarraigá–la, destruí–la e arruiná–lo. Se aquela gente se arrepender do seu mal, de que eu a tenho repreendido, também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. E isto o manifesta o exemplo dos ninivitas, como se lê na Escritura: O Senhor compadeceuse deles para não lhes fazer o mal, que tinha resolvido fazer–lhes e com efeito lho não fez. Logo, uma profecia pode ser falsa.
3. Demais. – De roda condicional, cujo antecedente é necessário absolutamente, o consequente é também absolutamente necessário; porque numa condicional, o consequente está para o antecedente, como num silogismo, a conclusão, para as premissas. Ora, num siliogismo, não podemos deduzir, de premissas necessárias, senão o necessário, como o prova Aristóteles. Ora, se uma profecia não pode ser falsa, há de por força ser verdadeira esta condicional: O que foi profetizado há de realizar–se. Ora, nesta condicional, o antecedente é absolutamente necessário, porque ele se refere ao passado. Logo, também o consequente será absolutamente necessário. O que é inadmissível, porque então a profecia não teria como objeto os contingentes. Logo, é falso que uma profecia não seja susceptível de falsidade.
Mas, em contrário, diz Cassiodoro ser a profecia uma inspiração ou revelação divina, que anuncia, na imóvel verdade, os acontecimentos reais. Ora, a verdade da profecia não seria imóvel se pudesse ser inquinada de falsidade. Logo, não pode ser falsa.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, a profecia é um conhecimento impresso no intelecto do profeta, como um ensino, pela revelação divina. Ora, a verdade do conhecimento é a mesma, tanto no discente como no docente; pois, o conhecimento do discente é uma semelhança do conhecimento do docente; assim como também, nas formas naturais, a forma do gerado é uma certa semelhança da forma do gerador. E deste modo também Jerônimo diz, que a profecia é um certo sinal da presciência divina. Logo, a verdade há de ser a mesma, tanto do conhecimento como do enunciado profético, que é a do conhecimento divino, absolutamente insusceptível de falsidade, como estabelecemos na Primeira Parte. Logo, na profecia não pode haver falsidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como dissemos na Primeira Parte, a certeza da presciência divina não exclui a contingência dos futuros contingentes particulares; porque recai sobre eles como estando presentes e já presos a uma determinação. Por isso, também a profecia, semelhança impressa da presciência divina ou sinal dela, não exclui, na sua imóvel verdade, os futuros contingentes.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A presciência divina respeita os eventos futuros, de dois modos. Primeiro, em si mesmos, isto é, enquanto os conhece como se foram Presentes. Segundo, nas suas causas, isto é, enquanto os vê como uns efeitos dependentes das suas causas. E embora os futuros contingentes sejam em si mesmos, sujeitos a uma determinação, contudo, considerados nas suas causas, não são determinados de modo tal, que não se possam realizar de outra maneira. Não obstante, porém esses dois conhecimentos estarem sempre conjugados, no intelecto divino, não o estão sempre, contudo, na revelação profética, porque a impressão do agente nem sempre é adequada à capacidade do paciente. Por onde, às vezes a revelação profética é a impressão de uma certa semelhança da presciência divina, quando considera os futuros contingentes em si mesmos, que então se realizam como foram profetizados; assim aquilo de Isaías: Eis que uma virgem conceberá. Outras vezes, porém, a revelação profética é a impressão da semelhança da presciência divina, enquanto conhecedora da ligação entre as causas e os efeitos; e então os acontecimentos se realizam diversamente do que foram profetizados. E contudo não é falsa a profecia, pois, o sentido dela é que a disposição das causas inferiores ou naturais, ou a dos atos humanos implica a realização de um tal acontecimento. E tal é o sentido das palavras de Isaias: Tu morrerás e não viverás, isto é, a disposição do teu corpo se ordena para a morte. E o das palavras de Jonas: Daqui a quarenta dias será Ninive subvertida, isto é, ela merece ser subvertida. E também se diz, metaforicamente, que Deus se arrepende, por proceder como quem se arrepende, isto é, por mudar a sentença, embora não o conselho, como diz Gregório.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Sendo a mesma a verdade da profecia e da presciência divina, corno dissemos, neste sentido é verdadeira a condicional – O que foi profetizado há de realizar–se – como o é estoutra – O que foi preconhecido há de realizar–se. Pois, em ambas é impossível deixar de ser o antecedente o que é. Portanto, também o consequente é necessário, não como futuro que é, para nós, mas, como considerado na qualidade de presente pela presciência divina, a que está sujeito, conforme explicamos na Primeira Parte.
O quinto discute–se assim. – Parece que o profeta discerne sempre o que conhece pelo seu espírito próprio, do que conhece pelo espírito de profecia.
1. – Pois, refere Agostinho, que sua mãe dizia não sabes que espécie de gosto inefável a ajudava a discernir as divinas revelações, dos sonhos de sua alma. Ora, a profecia é uma revelação divina, como se disse. Logo, o profeta sempre discerne o que anuncia por espírito de profecia, do que prediz por espírito próprio.
2. Demais. – Deus não ordena nenhum impossível, como diz Jerónimo (Pelágio). Mas, ordenou aos profetas, como se lê na Escritura: O profeta, que tem um sonho conte o seu sonho; e o que tem a minha palavra anuncie a minha palavra verdadeiramente. Logo, o profeta pode discernir o que refere por espírito de profecia, do que vê de outro modo.
3. Demais. – Maior é a certeza oriunda do lume divino, do que a proveniente do lume da razão natural. Ora, pelo lume da razão natural, quem tem ciência sabe que a possui com certeza. Logo quem profetiza, por influência do lume divino, sabe, com maioria de razão, que o faz com certeza.
Mas, em contrário, diz Gregório: Não devemos ignorar, que às vezes, os santos profetas, ao serem consultados, anunciam, pelo grande hábito de profetizar, certas causas, de seu próprio espírito, pensando assim procederem inspirados pelo espírito de profecia.
SOLUÇÃO. – O espírito do profeta pode ser instruído por Deus de dois modos: por expressa revelação ou por uma certa inspiração, que às vezes recebem inconscientemente, como diz Agostinho.
Ora, daquilo que expressamente conhece o profeta, por espírito de profecia, disso tem a máxima certeza e sabe com segurança, que o foi revelado por Deus. Donde o dizer a Escritura: Na verdade o Senhor me enviou a vós para que falasse aos vossos ouvidos todas estas palavras. Do contrário, se dessas coisas o profeta não tivesse certeza, a fé em que se ele funda não seria certa. E o sinal da certeza profética podemos deduzi–lo do fato de Abraão que, advertido, numa visão profética, preparou–se para imolar o filho unigénito, o que de nenhum modo o faria se não estivesse certíssimo da revelação divina.
Mas, quanto ao que conhece por inspiração, fica às vezes o profeta em estado de não poder dlscernir plenamente se o pensa por alguma inspiração divina ou se por espírito próprio. Pois, nem tudo o que conhecemos por inspiração divina se nos manifesta por uma certeza profética; porque essa inspiração é algo de imperfeito no gênero da profecia. E neste sentido devemos entender as palavras de Gregório. Mas, para não caírem em nenhum erro, proveniente dessa situação, os profetas, acrescenta Gregório, logo corrigidos pelo Espírito Santo, dele aprendem a verdade; e a si mesmos se repreendem por terem predito falsidades.
Quanto às primeiras objeções elas se fundam no que é revelado por espírito profético. Donde se deduzem claras as RESPOSTAS A TODAS OBJEÇÕES.
O quarto discute–se assim. – Parece que o profeta conhece, pela revelação divina, tudo o que pode ser conhecido profeticamente.
1. – Pois, diz a Escritura: O Senhor Deus não fará nada sem ter revelado antes o seu segredo aos profetas, seus servos. Ora, todas as revelações proféticas são palavra, divina. Logo, nenhuma delas pode deixar de ser feita ao profeta.
2. Demais. – As obras de Deus são perfeitas, no dizer da Escritura. Ora, a profecia é uma revelação divina, como se disse. Logo, é perfeita. O que não se daria se não fosse revelado ao profeta tudo o que pode ser profetizado; pois, perfeito é aquilo a que nada falta, como diz Aristóteles. Logo, ao profeta é revelado tudo o que pode ser profetizado.
3. Demais. – O lume divino, causa da profeta, é mais forte que o lume da razão natural, causa da ciência humana. Ora, quem possui uma ciência conhece tudo o que a ela concerne; assim, o gramático conhece toda a matéria gramatical. Logo, parece que o profeta conhece tudo o que pode ser profetizado.
Mas, em contrário, diz Gregório: As vezes o espírito de profecia faz o profeta revelar o presente sem lhe dar a conhecer o futuro, outras vezes fâ–lo revelar o futuro, sem lhe conceder o conhecimento do presente. Logo, o profeta não conhece tudo o que pode ser profetizado.
SOLUÇÃO. – Coisas diversas não existem necessariamente ao mesmo tempo, senão por um laço que as une e de que dependem; assim dissemos, que todas as virtudes existem simultaneamente, por causa da prudência ou da caridade. Ora, todos os conhecimentos, que temos, em virtude de um princípio, ligam–se entre si nesse princípio e dele dependem. Por onde; quem conhecer perfeitamente o princípio, na totalidade da sua virtude, conhece ao mesmo tempo tudo o que por intermédio desse princípio se conhece. Mas, quem ignorar o princípio comum ou o apreender em geral, não conhece necessariamente todas as causas ao mesmo tempo; mas, é cada uma dessas coisas, de per si, que se lhe há de manifestar; e por consequência poderá conhecer umas dentre elas, e outras, não. Ora, o princípio daquilo, que é manifestado pelo lume divino é a verdade primeira em si mesma, a qual, como tal, não a veem os profetas. Por onde, não hão de necessariamente conhecer todas as coisas que podem ser profetizadas; mas, cada um deles conhece, algumas delas, por uma especial revelação a elas concernente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor revela aos profetas todo o necessário à instrução do povo fiel; mas não, tudo a todos, senão certas coisas a uns e outras, a outros.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A profecia é algo de imperfeito no gênero da revelação divina; donde o dizer o Apóstolo, que as profecias deixarão de ter lugar, e que em parte profetizamos, isto é, imperfeitamente. Mas, a perfeição da revelação divina será na pátria; e por isso acrescenta: Quando vier o que é perfeito abolido será o que é em parte. Por onde, não é preciso a revelação profética ser perfeita; mas basta não lhe faltar nada daquilo a que ela se ordena.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem possui uma ciência conhece–lhe os princípios, de que depende tudo quanto a constitui. Por onde, quem perfeitamente possui o hábito de uma ciência sabe tudo o que a ela pertence. Ora, pela profecia não é conhecido em si mesmo o princípio do conhecimento profético, que é Deus. Logo, a não colhe a comparação.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a profecia tem só por objeto os futuros contingentes.
1. – Pois, diz Cassiodoro, que a profecia é uma inspiração da revelação divina, manifestativa dos acontecimentos reais, na verdade imutável. Ora, os acontecimentos constituem os futuros contingentes. Logo, a revelação profética manifesta só os futuros contingentes.
2. Demais. – A graça da profecia entra na mesma divisão que a sabedoria e a fé, concernentes às coisas divinas; e a discrição dos espíritos, concernente aos espíritos criados, e a ciência, relativa às coisas humanas, como está claro no Apóstolo. Ora, os hábitos e os atos se distinguem pelos seus objetos, como já se bem estabeleceu. Logo, parece que a profecia não pode se referir a nada do atinente a nenhuma dessas graças.
3. Demais. – A diversidade do objeto causa a diversidade da espécie, como do sobredito resulta. Se, pois, há profecias, cujo objeto são os futuros contingentes, e outras, cujo objetos são outros, parece concluir–se, que essas profecias não são da mesma espécie.
Mas, em contrário, diz Gregório, que certas profecias se referem ao futuro, como aquela de Isaías: Eis que uma virgem conceberá e parirá um filho. Outras, ao passado, como a seguinte: No princípio criou Deus o céu e a terra. Outras, ao presente, como a do Apóstolo: Se profetizarem todos e entrar ali um infiel, as causas ocultas do seu coração se fazem manifestas. Logo, a profecia não tem por objeto só os futuros contingentes.
SOLUÇÃO. – A manifestação, que se faz por meio de um lume, estende–se a tudo aquilo que nesse lume se compreende; assim, a visão corpórea se estende a todas as cores; e o conhecimento natural da alma a tudo o que cai sob a ação do lume do intelecto agente. Ora, o conhecimento profético se realiza por meio do lume divino, pelo qual tudo pode ser conhecido, tanto o divino como o humano, tanto o espiritual como o corpóreo. Por onde, a revelação profética se estende a tudo isso; assim, a Isaías foi feita uma revelação profética sobre a excelência de Deus e dos anjos, pelo ministério dos espíritos, conforme aquilo da Escritura: Vi ao Senhor assentado sobre um alto e elevado sólio. E essa profecia também contém o que respeita os corpos naturais, segundo o passo: Quem é que mediu as águas com o seu punho? etc. Contém ainda o que respeita os costumes humanos, conforme o lugar: Parte o teu pão ao que tem tome, etc. E finalmente abrange o concernente aos eventos futuros, conforme as palavras: Em um só dia virão subitamente sobre ti estes dois males, a esterilidade e a viuvez.
Devemos porém considerar, que a profecia versa sobre o que é superior ao nosso conhecimento; por onde, tanto mais um assunto é objeto de profecia quanto mais sobrepuja o nosso conhecimento. Ora, esta superioridade é susceptível de tríplice grau. – O primeiro é o do que ultrapassa o conhecimento sensível ou intelectual de um determinado homem, mas não, o de todos os homens. Assim, pelos sentidos, pode uma pessoa conhecer o que lhe está localmente presente, o que, contudo, não o pode outra, sensivelmente, por lhe estar a cousa ausente; desse modo Eliseu conhece profeticamente o que, na sua ausência, faria o seu discípulo Giezé, como se lê na Escritura. E semelhantemente, as coisas ocultas do coração de um podem manifestar–se profeticamente a outro, segundo o Apóstolo. Desta maneira também o que um sabe demonstrativamente pode ser revelado, profeticamente. – O segundo grau é o das coisas, que ultrapassam em universal o conhecimento de todos os homens; não por não serem em si mesmas cognoscíveis, mas, por deficiência do conhecimento humano, assim, o mistério da Trindade, revelado pelo Serafim, quando disse: Santo, Santo, Santo, etc., como se lê na escritura. – O último grau é o das coisas superiores ao conhecimento de todos, por não serem em si mesmas cognoscíveis; tais os futuros contingentes, cuja verdade não é determinada. E como o que existe universalmente e por si tem prioridade sobre o que é particular e de existência mediata, por isso, à profecia propilssimamente pertence a revelação dos acontecimentos futuros, donde se derivou mesmo o nome de profecia. Donde o dizer Gregório: Sendo a profecia assim chamada porque prediz o futuro, perde essa denominação a razão de ser quando a profecia se refere ao passado ou ao presente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A profecia aí se define segundo o que é propriamente significado por esse nome. E também por este modo a profecia se distingue das outras graças gratuitas. – Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. Embora se possa dizer, que tudo o que pode ser objeto de profecia tem de comum o não poder ser conhecido do homem senão pela revelação divina; ao passo que a matéria da sabedoria, da ciência e da interpretação das línguas pode ser conhecida do homem pela razão natural; mas, de maneira mais alta, pela ilustração do lume divino. Quanto à fé, embora tenha um objeto invisível ao homem, contudo não lhe pertence conhecer aquilo em que crê, mas, ela nos faz assentir com certeza ao que é conhecido pelos outros.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O elemento formal no conhecimento profético é o lume divino, de cuja unidade a profecia tira a sua unidade específica, embora haja diversidade no que é manifestado profeticamente pelo divino lume.
O segundo discute–se assim. – Parece que a profecia é um hábito.
1. – Pois, como diz Aristóteles, três coisas há na alma: a potência, a paixão e o hábito. Ora, a profecia não é uma potência, porque então existiria em todos os homens que têm todas as potências da alma. Semelhantemente, não é uma paixão, porque as paixões pertencem à potência apetitiva, como se estabeleceu; ora, a profecia respeita principalmente o conhecimento, como se disse. Logo, a profecia é um hábito.
2. Demais. – Toda perfeição da alma, que não é sempre atual, é um hábito. Ora, a profecia é uma perfeição da alma; mas nem sempre está em ato; do contrário não se diria de um profeta, que está adormecido. Logo, parece que a profecia é um hábito.
3. Demais. – A profecia é computada entre as graças gratuitas. Ora, a graça é um hábito da alma, como se estabeleceu. Logo, a profecia é um hábito.
Mas, em contrário. – É pelo hábito que agimos quando queremos como ensina o Comentador. Ora, não se pode profetizar quando se quer; como está claro na Escritura, a respeito de Eliseu, o qual, tendo–o Josatá interrogado sobre o futuro, e lhe faltando o espírito de profecia, mandou chamar um homem que tocava o saltério, afim de, pela virtude da salmodia, descesse sobre ele o espírito de profecia e lhe enchesse a alma do conhecimento do futuro, como diz Gregório. Logo, a profecia não é um hábito.
SOLUÇÃO. – Como diz o Apóstolo, tudo o que se manifesta é luz, porque, assim como a manifestação da visão corporal se faz pela luz material, assim também a manifestação da visão espiritual, pela luz intelectual. Por onde, há necessariamente a manifestação de proporcionar–se à luz pela qual se realiza, como o efeito se proporciona à sua causa. Ora, a profecia, supondo um conhecimento supra–racional, como se disse, há de por consequência exigir um certo lume inteligível, excedente à luz da razão natural. Donde o dizer a Escritura: Depois de ter estado assentado nas trevas, o Senhor é a minha luz. Ora, um corpo pode ser luminoso de dois modos: por lhe ser a luz a forma permanente, tal a luz material do sol e do fogo; ou por lhe ser a luz ou uma certa paixão ou impressão transitiva, tal a luz do ar. Ora, o intelecto do profeta não tem a luz profética, como forma permanente; do contrário, o profeta teria sempre a faculdade de profetizar, o que é evidentemente falso. Pois, diz Gregório: As vezes falta aos profetas o Espírito de profecia, que nem sempre lhes ilumina a alma; e assim, o não o terem sempre falsos saber que o têm como dom, quando profetizam. Por isso, Eliseu disse, da mulher Sunamite: A sua alma está em amargura e o Senhor mo encobriu e não mo manifestou. E a razão disto é, que o lume intelectual, quando é forma permanente e perfeita, de um ser, aperfeiçoa o intelecto, principalmente para conhecer o princípio daquelas coisas que por esse lume se manifestam; assim, pelo lume do intelecto agente sobretudo, o intelecto conhece os primeiros princípios de todas as coisas naturalmente conhecidas. Mas, o princípio do que pertence ao conhecimento sobrenatural, e que se manifesta pela profecia, é Deus mesmo, desconhecido, na sua essência, dos profetas. Ao passo que, corno tal, ele é contemplado pelos bem–aventurados, na pátria, que têm esse lume, a modo de forma permanente e perfeita, segundo aquilo da Escritura: No teu lume veremos o lume.
Donde se conclui, que o lume profético mora na alma do profeta a modo de paixão ou impressão transitiva. O que está significado na Escritura: Quando passar a minha glória, eu te porei ao buraco da pedra, etc.; e noutra parte, se diz a Elias: Sai e tem–te no monte diante do Senhor; e eis que passa o Senhor, etc.. E daí vem, que assim como os exige sempre nova iluminação, assim também, o espírito do profeta precisa sempre de uma nova revelação, do mesmo modo que o discípulo, ainda não exercido nos princípios da arte, precisa ser ensinado em todas as partes dela. Por isso, diz a Escritura: Pela manhã me levanta o ouvido, para que eu o ouça como ao mestre. E também o modo mesmo de falar designa a profecia, pelo qual se diz, que o Senhor falou a tal ou tal profeta; ou que a palavra do Senhor se fez ouvir; ou, a mão do Senhor se estendeu sobre ele. – Quanto ao hábito, ele é uma forma permanente. Por onde é manifesto, que a profecia, propriamente falando, não é um hábito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Essa divisão do Filósofo não compreende, de modo absoluto, tudo o que existe na alma; mas, aquilo que pode ser princípio dos atos morais e que, ora, procede da paixão, ora, do hábito, e ora, da simples potência, como o demonstram aqueles que, pelo juízo da razão, praticam um ato, antes de terem o hábito. – Pode contudo a profecia provir da paixão, contanto que se tome o nome de paixão por qualquer recepção, no sentido em que o Filósofo diz, que inteiigir é, de certo modo, sofrer. Pois, assim como, no conhecimento natural, o intelecto possível recebe passivamente a luz do intelecto agente, assim também, no conhecimento profético, o intelecto recebe passivamente a ilustração do lume divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como as coisas corpóreas, quando a paixão desaparece, guardam uma certa capacidade para de novo padecerem uma ação, como é o caso da lenha que, uma vez queimada, de novo e mais facilmente se queima, assim também, no intelecto do profeta, quando cessa a ilustração atual, permanece uma certa capacidade para ser de novo e mais facilmente ilustrada. E como também na alma, uma vez provocada à devoção, mais facilmente volta, depois, à devoção primitiva. Por isso Agostinho diz, que são necessárias orações continuadas, afim de não se extinguir totalmente a devoção incipiente. – Pode–se porém dizer, que um tal chama–se profeta, mesmo depois de ter cessado a ilustração profética atual, por deputação divina, conforme aquilo da Escritura: E te estabeleci profeta entre as gentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Todo dom da graça eleva o homem a um estado superior à natureza humana. O que de dois modos pode dar–se. Primeiro, quanto à substância do ato, assim, fazer milagres e conhecer as coisas incertas e ocultas da sabedoria divina. E, para tais atos não é dado ao homem o dom da graça habitual. – Segundo, esse estado superior à natureza humana se refere ao modo do ato, mas não à sua substância; assim, amar a Deus é conhecê–lo no espelho das criaturas. E para isso é conferido o dom da graça habitual.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a profecia não pertence ao conhecimento.
1 – Pois, diz a Escritura, que o corpo de Eliseu ainda depois de morto profetizou; e, mais abaixo, diz, de José, que os seus ossos foram visitados, e depois da sua morte profetizavam. Ora, nem o corpo nem os ossos têm qualquer conhecimento, depois da morte. Logo, a profecia não pertence ao conhecimento.
2. Demais. – O Apóstolo diz: O que profetiza fala aos homens para sua edificação. Ora, a fala é efeito do conhecimento, mas não é o conhecimento mesmo. Logo, parece que a profecia não pertence ao conhecimento.
3. Demais. – Todo conhecimento perfeito exclui a loucura e a insensatez. Ora, tanto uma como outra podem coexistir com a profecia: pois, diz a Escritura: Sabe Israel, que os teus profetas são uns loucos, uns homens insensatos. Logo, a profecia não é um conhecimento perfeito.
4. Demais. – Assim como a revelação é própria do intelecto, assim, a inspiração parece própria do afeto, porque implica uma certa moção. Ora, Cassiodoro, afirma ser a profecia uma inspiração ou revelação. Logo, parece que a profecia não é objeto, antes, do intelecto, que do afeto.
Mas, em contrário, a Escritura: Aquele que hoje se chama profeta se chamava então vidente.
Ora, a visão implica o conhecimento. Logo, a profecia pertence ao conhecimento.
SOLUÇÃO. – A profecia, primária e principalmente consiste num conhecimento; porque os profetas conhecem o que de muito sobrepuja o conhecimento humano. Por isso, a palavra profeta é derivada de fanós, isto é, aparição; porque manifestam certas cousas, remotas. Por onde, diz Isidoro: No antigo testamento, chamavam–se videntes, por verem o que não viam os outros e lobrigarem causas ocultas no mistério. Por isso, a gentilidade lhes chamava vates, palavra derivada de expressão latina vis mentis.
Mas, o Apóstolo diz: A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito; e mais abaixo: Procurai abundar neles para a edificação da Igreja. Por onde, a profecia consiste secundariamente na palavra, porque os profetas anunciam, para a edificação dos outros, aquilo que conhecem, ensinados por Deus, conforme o diz a Escritura: O que eu ouvi ao Senhor dos exércitos, ao Deus de Israel, isso mesmo vos tenho anunciado. E sendo assim, os profetas podem chamar–se, diz Isidoro, uns quase premonitores, porque anunciam de antemão, isto é, falam de causas longínquas, e predizem a verdade sobre o futuro.
Ora, as coisas superiores ao conhecimento e reveladas por Deus, não podem ser confirmadas pela razão humana, que sobrexcedem; mas, por obra do poder divino, segundo o Evangelho: Pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a sua pregação com os milagres que a acompanhavam. Por onde e em terceiro lugar, é próprio da profecia obrar milagres, como uma confirmação da afirmação profética. Donde o dizer a Escritura: Não se levantou mais em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor tratasse cara a cara, nem semelhante em sinais e portentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As autoridades aduzidas se referem à profecia quanto a este terceiro elemento assumido como argumento dela.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O apóstolo, nesse lugar, se refere à enunciação profética.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os chamados profetas loucos e insensatos não são verdadeiros. mas falsos profetas, dos quais diz a Escritura: Não queirais ouvir as palavras dos profetas, que vos profetizam e vos enganam; falam as visões do seu coração, não da boca do Senhor. E noutro lugar: Isto diz o Senhor: Ai dos projetas insensatos, que seguem o seu próprio espírito e não veem nada.
RESPOSTA À QUARTA. – A profecia exige que a intenção do espírito do profeta se eleve para perceber as coisas divinas. Por isso, diz Ezequiel: Filho do homem, põe–te sobre os teus pés e eu falarei contigo. Ora, esta elevação intencional opera pela moção do Espírito Santo; é porque no mesmo lugar se acrescenta: E entrou em mim o Espírito e me firmou sobre os meus pés. Só depois que a intenção do seu espírito se elevou para o alto, é que percebe as coisas dinas, conforme as palavras que se seguem: E ouvi ao que me falava. Assim, pois, a profecia requer a inspiração, quanto à elevação do espírito, segundo aquilo da Escritura: A inspiração do Todo Poderoso dá a inteligência. E requer a revelação, no concernente à percepção mesma das coisas divinas, pela qual se completa a profecia; e por ela se remove o velame da obscuridade e da ignorância, conforme o lugar: Que tira das trevas o que estava escondido.
O segundo discute–se assim. – Parece que não estão convenientemente estabelecidos na lei divina os preceitos relativos às virtudes anexas à temperança.
1. – Pois, os preceitos do decálogo, como se disse, são uns preceitos universais de toda a lei divina. Ora, o princípio de todo pecado é a soberba, como diz a Escritura. Logo, entre os preceitos do decálogo devia ter sido estabelecido um proibitivo da soberba.
2. Demais. – Entre os preceitos do decálogo deviam ser formulados sobretudo aqueles que fazem principalmente o homem cumprir a lei; pois, parece serem esses os principais. Ora, parece que é pela humildade, pela qual nos sujeitamos à lei, que sobretudo nos dispomos à observância da lei divina: sendo por isso a obediência computada entre os graus da humildade, como se estabeleceu. E o mesmo também parece que se deve dizer, da mansidão, que nos leva a não contradizermos a divina Escritura, como ensina Agostinho. Logo, parece que no decálogo devia haver certos preceitos sobre a humildade e a mansidão.
3. Demais. – Conforme se disse, o adultério é proibido no decálogo por contrariar ao amor do próximo. Ora, a desordem dos movimentos exteriores, que contrariam a modéstia, também se opõe ao amor do próximo. Donde o dizer Agostinho: Nos vossos movimentos nada haja que ofenda os olhares de outrem. Logo, parece que também essa desordem devia ter sido proibida por algum preceito do Decálogo.
Em contrário, basta a autoridade da Sagrada Escritura.
SOLUÇÃO. – As virtudes anexas à temperança podem ser consideradas à dupla luz: em si mesmas ou nos seus efeitos. – Em si mesmas, pois, não têm relação direta com o amor de Deus ou o do próximo, mas visam, antes uma certa moderação do que respeita ao sujeito mesmo. – Quanto, porém aos seus efeitos, podem dizer respeito ao amor de Deus ou ao do próximo. Por isso, o decálogo encerra certos preceitos, que proíbem os efeitos dos vícios opostos às partes da temperança. Assim, a ira, oposta à mansidão, pode levar, ora ao homicídio, proibido pelo decálogo, ora a não prestar aos pais a honra devida; o que também pode resultar da soberba, que leva muitos a transgredirem os preceitos na primeira tábua.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A soberba é o início do pecado, mas latente no coração; nem a sua desordem é geralmente pesada por todos. Por isso, a sua proibição não devia constituir um dos preceitos do decálogo, que são os primeiros princípios evidentes.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os preceitos que induzem à observância da lei já a pressupõem. Por isso não podem ser os primeiros preceitos da lei de modo a serem incluídos no pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A desordem dos movimentos exteriores não implicam ofensa ao próximo, pela espécie mesma do ato, como o homicídio, o adultério e o furto, proibidos pelo decálogo; mas só enquanto sinais da desordem interna, como dissemos.