Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute–se assim. Parece que a vida contemplativa implica vários atos.
1. – Pois, Ricardo de S. Vítor distingue a contemplação, a meditação e a cogitação. Ora, parece que a vida contemplativa implica diversos atos.
2. Demais. – O Apóstolo diz: Todos nós, contemplando à cada descoberta a glória do Senhor, somos transformados na mesma claridade. Ora, isto é próprio da vida contemplativa. Logo, além dos três atos supra–referidos, também a especulação pertence à vida contemplativa.
3. Demais. – Bernardo diz, que a primeira e a máxima contemplação é a admiração da majestade. Ora, segundo Damasceno, a admiração é considerada uma espécie de temor. Logo, parece que a vida contemplativa supõe vários atos.
4. Demais. – Diz–se que à vida contemplativa pertence a oração, a lição e a meditação. Ora, também à vida contemplativa pertence a audição; pois, de Maria, símbolo da vida contemplativa, diz a Escritura, que sentado aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Logo, parece que a vida contemplativa implica vários atos.
Mas, em contrário, no sentido de que se trata, chama–se vida a atividade a que o homem principalmente se aplica. Logo, se são várias as atividades da vida contemplativa, não será ela uma só, mas várias serão.
SOLUÇÃO. – Tratamos agora da vida contemplativa, enquanto conveniente ao homem. Ora, como está claro em Dionísio, entre o homem e o anjo há a diferença seguinte: ao passo que o anjo intui a verdade por uma simples apreensão, o homem, só por um certo processo, mediante muitos atos, é que chega à intuição da verdade simples. Assim, pois, a vida contemplativa implica um único ato, de que recebe a perfeição final, e é a contemplação da verdade, que lhe dá unidade; mas, implica muitos atos, pelos quais chega a esse ato final. E desses atos, uns se referem à admissão dos princípios, dos quais procede para chegar à contemplação da verdade; outros, à aplicação dos princípios à verdade daquilo cujo conhecimento se busca; e enfim, o último complemento do ato é a contemplação mesma da verdade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A cogitação, segundo Ricardo de S. Vítor, se refere ao exame dos muitos elementos dos quais se procura coligir uma verdade simples. Por isso, a cogitação pode compreender as percepções sensíveis, para o fim de se conhecerem certos efeitos; as imaginações: o discurso da razão relativamente a sinais diversos; ou tudo o que for conducente ao conhecimento da verdade visada. Embora Agostinho diga que pode chamar–se cogitação a toda operação atual do intelecto. – Quanto à meditação, ela pertence ao processo da razão, pelo qual, partindo de certos princípios, chega à contemplação de uma determinada verdade. E o mesmo é o fim da consideração, segundo Bernardo. Embora, segundo o Filósofo, toda atividade do intelecto se chame consideração. – Mas a contemplação consiste na simples visão intuitiva mesma da verdade. – Por isso, o próprio Ricardo diz, que a contemplação é a visão penetrante e clara que tem a alma das causas que considera; a meditação é a vista da alma toda concentrada na perquirição da verdade; a cogitação e o simples olhar da mesma alma, susceptível de divagação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como nota a Glosa de Agostinho, o Apóstolo emprega a palavra especulantes (contemplando) como derivada de speculo e não, de specula. Pois, ver uma coisa num espelho (per speculum) é ver a coisa por meio do efeito, que manifesta a semelhança dela. Por isso, a especulação se reduz à meditação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A admiração é uma espécie de temor resultante da apreensão do que excede à nossa capacidade. Por onde, a admiração é um ato consequente à contemplação de uma verdade sublime. Pois, dissemos que a contemplação termina no afeto.
RESPOSTA À QUARTA. – O homem chega ao conhecimento da verdade de dois modos. – Primeiro, pelo que recebe de outrem, do modo seguinte. Para o que recebe de Deus, por meio da oração, segundo a Escritura: Invoquei o Senhor e veio a mim o espírito de sabedoria. Para o que recebe dos homens, por meio da audição, pela qual aprende ouvindo a voz de quem fala; e a lição, pela qual aprende lendo o que a escritura transmite. – Em segundo lugar, por meio do estudo próprio. E para isso é necessária a meditação.
O segundo discute–se assim. – Parece que as virtudes morais pertencem à vida contemplativa.
1. – Pois, diz Gregório, que a vida contemplativa consiste em praticarmos com toda a alma a caridade para com Deus e o próximo. Ora, todas as virtudes morais, cujos atos são regulados pelos preceitos da lei, reduzem–se ao amor de Deus e ao do próximo; pois, como diz o Apóstolo, a caridade é o complemento da lei. Logo, parece que as virtudes morais pertencem à vida contemplativa.
2. Demais. – A vida contemplativa sobretudo se ordena à contemplação de Deus; assim, diz Gregório, que ela nos faz desprezar todos os cuidados e arder em desejos de contemplar o Criador face a face. Ora, a isso ninguém pode chegar senão pela pureza, produzida pela virtude moral. Pois, diz o Evangelho: Bem–aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus. E o Apóstolo: Segui a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá a Deus. Logo, parece que as virtudes morais pertencem à vida contemplativa.
3. Demais, – Gregório diz, que a vida contemplativa é a vida da beleza, na alma, sendo por isso Raquel quem, na Escritura, a significa, quando diz que era formosa de rosto. Ora a beleza da alma lhe advém das virtudes morais e sobretudo da temperança, como diz Ambrósio. Logo, parece que as virtudes morais pertencem à vida contemplativa.
Mas, em contrário, as virtudes morais se ordenam às ações exteriores. Ora, Gregório diz, que a vida contemplativa consiste na quietude de toda ação exterior. Logo, as virtudes morais não pertencem à vida contemplativa.
SOLUÇÃO. – O que pertence à vida contemplativa de dois modos pode lhe pertencer: essencialmente ou dispositivamente.
Essencialmente, as virtudes morais não pertencem à vida contemplativa, por ser o fim dela a contemplação da verdade. Ora, o saber, que respeita o conhecimento da verdade, vale pouco para adquirirmos as virtudes morais, como ensina o Filósofo. Por isso, diz ele também que pelas virtudes morais obtemos a felicidade ativa e não a contemplativa.
Mas, dispositivamente, as virtudes morais pertencem à vida contemplativa. Pois, o ato da contemplação, no que essencialmente consiste a vida contemplativa, fica impedido tanto pela veemência das paixões, que abstraem a intenção da alma, do Inteligível, para o sensível, como pela agitação externa. Ora, as virtudes morais impedem a veemência das paixões e acalmam a agitação produzida pela nossa preocupação com as coisas externas. Logo, as virtudes morais pertencem, dispositivamente, à vida contemplativa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como dissemos, a vida contemplativa tem o seu motivo na potência afetiva; e então ela supõe o amor de Deus e o do próximo. Ora, as causas motoras não atingem a essência das coisas, mas a dispõem e a aperfeiçoam. Donde se colige, que as virtudes morais pertençam essencialmente à vida contemplativa.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A santidade, isto é, a pureza é causada pelas virtudes reguladoras das paixões, que impedem a pureza da razão. Ora, a paz é causada pela justiça, que tem por objeto os nossos atos, segundo aquilo da Escritura: A paz é a obra da justiça. No sentido em que quem se abstém de danificar os outros elimina ocasiões de litígios e perturbações. E assim as virtudes morais dispõem para a vida contemplativa, por causarem a paz e a pureza.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a beleza consiste num certo esplendor e proporção devida. Ora, tanto um como outra radical mente existem na razão, à qual pertence fazer brilhar a luz e ordenar à proporção devida das cousas. Por onde, na vida contemplativa, consistente num ato da razão, existe em si e essencialmente a beleza. Por isso a Escritura diz da contemplação da sabedoria: Fiz–me amador da sua formosura. As virtudes morais, porém, só participam da beleza, na medida ela que participam da ordem da razão. E sobre tudo a temperança, repressora das concupiscências que mais obscurecem o lume da razão. Donde vem o ser a virtude da castidade a que mais torna o homem capaz da contemplação, porque são os prazeres venéreos os que mais lhe imergem a alma na matéria, como adverte Agostinho.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a vida contemplativa não encerra nenhum afeto, mas está toda no intelecto.
1. – Pois, diz o Filósofo, que o fim da contemplação é a verdade. Ora, a verdade está totalmente no intelecto. Logo, parece que a vida contemplativa está toda no intelecto.
2. Demais. – Gregório diz, que Raquel, cujo nome se interpreta – contemplação do princípio – significa a vida contemplativa. Ora, contemplar os princípios é função própria do intelecto. Logo, a vida contemplativa propriamente pertence ao intelecto.
3. Demais. – Gregório diz, que a vida contemplativa consiste na quietude de toda ação exterior. Ora, a potência afetiva ou afetiva inclina para as ações externas. Logo, parece que a vida contemplativa de nenhum modo pertence à potência apetitiva.
Mas, em contrário, Gregório diz que a vida contemplativa consiste em praticar com toda a alma a caridade para com Deus e o próximo e entregar–se completamente ao só desejo do Criador. Ora, o desejo e o amor pertencem à potência afetiva ou apetitiva, como se estabeleceu. Logo, também a vida contemplativa tem alguma raiz na potência afetiva ou apetitiva.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, vida contemplativa se chama à daqueles que principalmente se aplicam à contemplação da verdade. Ora, essa aplicação é um ato voluntário, como estabelecemos; pois, visa um fim, o que é o objeto da vontade. Logo, a vida contemplativa, pela essência mesma da sua ação, pertence ao intelecto; mas enquanto nos leva a praticar um determinado ato, pertence à vontade, que move todas as outras potências, e também o intelecto, para o seu ato, como demonstrámos.
Mas, a potência apetitiva nos move à consideração de um objeto, ou sensível ou inteligivelmente. Ora, pelo amor que temos pelo objeto considerado, como no caso do Evangelho: Onde está o teu tesouro aí está também o teu coração. Ora, pelo amor mesmo do conhecimento, que a consideração nos ministra. Por isso, Gregório constitui a vida contemplativa no amor de Deus, porque esse amor nos faz arder no desejo de lhe contemplar a beleza. E como nós nos deleitamos quando alcançamos o objeto amado, por isso a vida contemplativa termina em a deleitação, existente no afeto, e da qual também tira o amor a sua força.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pelo fato mesmo de ser a verdade o fim da contemplação, ela tem a natureza de bem apetecível, amável e deleitável. E por aí pertence à potência apetitiva.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A visão mesma do primeiro princípio, que é Deus, desperta–nos a amá–lo, Por isso, diz Gregório, que a vida contemplativa nos faz desprezar todos os cuidados e arder em desejos de contemplar o Criador face a face.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A potência apetitiva não somente nos move os membros corpóreos para praticar atos externos, mas também o intelecto para exercer o ato da contemplação como dissemos.
O segundo discute–se assim. – Parece que a vida não se divide suficientemente em ativa e contemplativa.
1. – Pois, o Filósofo enumera três vidas sobretudo excelentes: a voluptuosa, a civil, idêntica já ativa, e a contemplativa. Logo, parece que a vida se divide insuficientemente em ativa e contemplativa.
2. Demais. – Agostinho considera três os géneros de vida: a de quietude, que constitui a contemplativa; a de ação, que constitui a ativa; e acrescenta uma terceira composta de uma e de outra. Logo, parece insuficiente a divisão em vida ativa e contemplativa.
3. Demais. – A vida dos homens se diversifica pelas diversas atividades a que eles se aplicam. Ora, mais de duas são as aplicações da atividade humana. Logo, parece que a vida deve dividir–se em mais membros, que a ativa e a contemplativa.
Mas, em contrário, essas duas vidas são significadas pelas duas mulheres de Jacó: Lia significa a ativa e Raquel, a contemplativa. E pelas duas mulheres que deram hospitalidade ao Senhor: a contemplativa, por Maria e a ativa, por Marta, como ensina Gregório. Ora, esta significação não seria congruente se houvesse mais de duas vidas. Logo, é suficiente a divisão em ativa e contemplativa.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, essa divisão da vida humana é a que se funda no intelecto. Ora, o intelecto se divide em ativo e contemplativo. Pois, o fim do conhecimento intelectivo ou é o conhecimento mesmo da verdade, o que pertence ao intelecto contemplativo; ou alguma atividade exterior, o que pertence ao intelecto prático ou ativo. Logo, também a vida suficientemente se divide em ativa e contemplativa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A vida voluptuosa põe o seu fim no prazer material, comum a nós e aos brutos. Por isso, como diz o Filósofo no mesmo lugar, é uma vida animal. Donde, não se compreende na presente divisão, que biparte a vida humana em ativa e contemplativa.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O meio termo se compõe com os extremos e por isso está virtualmente contido nestes; assim o tépido resulta do quente e do frio e o pálido, do branco e do preto. Semelhantemente, no ativo e no contemplativo se compreende o composto de um e de outro. E contudo, assim como em todo misto predomina um dos simples, assim também no gênero médio de vida predomina umas vezes o contemplativo e, outras, o ativo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Todas as aplicações da atividade humana, quando ordenadas pela razão reta às necessidades da vida presente, se compreendem na vida ativa a qual, por meio de ações ordenadas, procura satisfazer às referidas necessidades. Se, porém foram postas ao serviço de qualquer concupiscência, pertencem à vida voluptuosa, que não está contida na vida ativa. Mas as atividades humanas ordenadas à consideração da verdade pertencem à vida contemplativa.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a vida não se divide convenientemente em ativa e contemplativa.
1. – Pois, a alma é por essência o princípio da vida; assim, o Filósofo diz, que a essência dos seres vivos é a vida. Ora, o princípio da ação e da contemplação é a alma, pelas suas faculdades. Logo, parece que a vida não se divide convenientemente em ativa e contemplativa.
2. Demais. – Inconveniente é dividir o anterior pelas diferenças do posterior. Ora, o ativo e o contemplativo, ou o especulativo e o prático, são diferenças do intelecto, como está claro no Filósofo. Mas, viver é anterior a inteligir; pois, a vida se manifesta nos seres vivos, primeiro, pela alma vegetativa, segundo o ensina o Filósofo. Logo, inconvenientemente se divide a vida em ativa e contemplativa.
3. Demais. – O nome de vida implica movimento, como o mostra Dionísio. Ora, a contemplação consiste antes na quietude, conforme aquilo da Escritura: Entrando em minha casa acharei o meu descanso com ela. Logo, parece que a vida não se divide convenientemente em ativa e contemplativa.
Mas, em contrário, Gregório diz: Duas são as vidas nas quais Deus onipotente nos ensina pela sagrada doutrina – a ativa e a contemplativa.
SOLUÇÃO. – Seres propriamente vivos se chamam os que se movem ou obram por si mesmos. Ora, o que sobretudo convém a um ser em si mesmo considerado é o que lhe é próprio e ao que principalmente tende. Por onde, todo ser vivo manifesta a sua vida pela operação que sobretudo lhe é própria e à qual principalmente se inclina. Assim, dizemos que a vida das plantas consiste sobretudo, em nutrirem–se e gerarem; a dos animais, em sentirem e moverem–se; a do homem enfim, em pensar e agir segundo a razão. E por isso ainda, quanto aos homens, a vida de cada um consiste naquilo que mais lhe agrada e que sobretudo busca; pelo que, cada um quer principalmente a convivência dos amigos, como ensina Aristóteles. Ora, como certos homens buscam sobretudo a contemplação da verdade e outros se entregam principalmente à ação externa, daí resulta o dividir–se convenientemente a vida humana em vida ativa e vida contemplativa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A forma própria de um ser, que o atualiza, é o princípio da operação própria dele. Por isso se diz ser a vida própria aos seres vivos, porque tais seres, em virtude de sua essência formal, obram como vivos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A vida, universalmente considerada, não se divide em ativa e contemplativa; mas sim, a vida do homem, que se especifica pelo seu intelecto. Por isso a mesma é a divisão do intelecto e da vida humana.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A contemplação supõe certo a quietude dos movimentos externos; nem por isso porém deixa a contemplação de ser um movimento do intelecto, no sentido em que toda operação se chama movimento. Assim, o Filósofo diz, que sentir e inteligir são determinados movimentos, enquanto que movimento significa o ato de um ser perfeito. E neste sentido Dionísio enumera três movimentos da alma contemplativa: o rectilíneo, o circular e o oblíquo.
O segundo discute–se assim. – Parece que os maus não podem fazer milagres.
1. – Pois, os milagres se impetram pela oração, como se disse. Ora, Deus não ouve a oração do pecador, segundo a Escritura: Nós sabemos que Deus não ouve a pecadores. E noutro lugar: Daquele que desvia os seus ouvidos para não ouvir a lei, a mesma oração será execrável. Logo, parece que os maus não podem fazer milagres.
2. Demais. – Os milagres se atribuem à fé, segundo o Evangelho: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte passa daqui para acolá, e ele há de passar e nada vos será impossível. Ora, a fé sem as obras é morta, diz a Escritura; e portanto, não parece que tenha uma operação própria. Logo, parece que os maus, que não praticam boas obras, não podem fazer milagres.
3. Demais. – Os milagres são uns testemunhos divinos, segundo o Apóstolo: Confirmando Deus com sinais e maravilhas e com virtudes diversas. Por isso, a Igreja canonizou certos, tomando–lhes como testemunhos os milagres. Ora, Deus não pode ser falsa testemunha. Logo, parece que os maus não podem fazer milagres.
4. Demais. – Os bons estão mais próximos de Deus que os maus. Ora, nem todos os bons fazem milagres. Logo, muito menos os maus.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Se eu tiver o dom da profecia até o ponto de transferir montes, e não tiver caridade não sou nada. Ora, todo aquele que não tem caridade é mau, pois, como ensina Agostinho, só este dom do Espírito Santo é o dividido entre os filhos do reino e os da perdição. Logo, parece que também os maus podem fazer milagres.
SOLUÇÃO. – Certos milagres não são verdadeiros mas obras fantásticas com que se o homem ilude, julgando mal o que não o é. Outros são verdadeiros, embora não constituam essencialmente milagres, por se realizarem em virtude de certas causas naturais. Ora, essas duas espécies de milagres os demônios podem fazê–las.
Mas, os verdadeiros milagres não se podem realizar senão por virtude divina, pois, Deus os faz para a utilidade do homem. E isto de dois modos. Primeiro, para confirmação da verdade anunciada. Segundo, para manifestar a santidade de alguém, que Deus quer propor aos homens como exemplo de virtude.
Ora, do primeiro modo, os milagres podem ser operados por todos os que pregam a verdadeira fé e invocam o nome de Cristo; o que também às vezes o fazem os maus. E, neste sentido, também os maus podem fazer milagres. Por isso, aquilo do Evangelho – Não é assim que profetizamos em teu nome, etc. – diz Jerônimo: Profetizar ou operar virtudes e expulsar demônios não é às vezes mérito de quem o faz; mas, quem o realiza é a invocação do nome de Cristo, para os homens honrarem a Deus, por cuja invocação se operam tão grandes milagres.
No segundo sentido, milagres só os fazem os santos, para manifestarem a sua santidade, quer em vida deles, quer depois da morte, tanto por si mesmos como por meio de outros. Assim, lemos na Escritura: Deus fazia milagres por mão de Paulo, e também sendo aplicados aos enfermos os lençóis que tinham tocado no corpo de Paulo, fugiam deles as doenças. – E deste modo também nada impede de algum pecador fazer milagres, invocando algum santo. Mas, não dizemos que esse talos operou, senão aquele cuja santidade os milagres manifestam.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos, quando tratámos da oração, a oração impetratória não se funda no mérito, mas na divina misericórdia que também se estende aos maus. Por isso, às vezes Deus ouve também a oração dos pecadores. Donde o dizer Agostinho, que o cego pronunciou as palavras referidas no Evangelho, quase ainda não ungido, isto é, ainda não perfeitamente esclarecido; pois, Deus ouve os pecadores. – Quanto ao outro lugar citado da Escritura. – a oração do que não ouve a lei é execrável, deve ele ser entendido relativamente ao mérito do pecador. Mas, às vezes, a oração impetra a misericórdia de Deus, quer para a salvação do que ora, como quando foi ouvido o publicano, segundo refere o Evangelho; quer também para a salvação dos outros e para a glória de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz–se que a fé sem as obras é morta, relativamente ao crente, que por ela não vive a vida da graça. Mas nada impede o vivo operar por um instrumento morto; assim o homem age por meio de um bastão. E deste modo Deus age instrumentalmente por meio da fé do homem pecador.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os milagres sempre são testemunhos verdadeiros daquilo em favor do que são feitos. Por isso, os maus, anunciadores de uma falsa doutrina, nunca operam verdadeiros milagres para a confirmação da sua doutrina. Embora às vezes possam fazê–los para glorificação do nome de Cristo, que invocam, e em virtude dos sacramentos que administram. Mas, os anunciadores de doutrinas verdadeiras fazem às vezes verdadeiros milagres para confirmá–las, mas não para testificar a santidade. Por isso, Agostinho diz: Os magos, os bons cristãos e os maus não fazem milagres do mesmo modo. Assim, os magos os operam por pactos particulares com os demônios; os bons cristãos, pela justiça pública; e os maus cristãos, por sinais da justiça pública.
RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho no mesmo lugar, esses fatos milagrosos não são concedidos a todos os santos, afim de os fracos não caírem no erro perniciosíssimo de pensarem que tais fatos constituem um dom maior que as obras de justiça, com que se ganha a vida eterna.
O primeiro discute–se assim. – Parece que nenhuma graça gratuita se ordena à operação de milagres.
1. – Pois, toda graça acrescenta alguma cousa aquele a quem é dada. Ora, a operação de milagres nada acrescenta à alma daquele a quem é conferida; pois, o simples contato com um corpo morto pode operar milagres, como no caso referido pela Escritura: Lançaram o cadáver no sepulcro de Eliseu e tanto que o cadáver tocou os ossos de Eliseu, ressuscitou o homem e se levantou sobre os seus pés. Logo, a operação de milagres não constitui nenhuma graça gratuita.
2. Demais. – As graças gratuitas, é o Espírito Santo quem as dá, conforme o Apóstolo: Há repartição de graças, mas um mesmo é o Espírito. Ora, milagres também os faz o espírito imundo, segundo o Evangelho: Levantar–se–ão falsos Cristos e falsos profetas que farão grandes sinais e prodígios. Logo, parece que a operação de milagres não constitui uma graça gratuita.
3. Demais. – Os milagres se distinguem em sinais e prodígios ou portentos, e virtudes. Logo, inconvenientemente se fala em operação de virtudes, como graça gratuita, antes que em operação de prodígios ou de sinais.
4. Demais. – A recuperação milagrosa da saúde é obra da virtude divina. Logo, não se deve distinguir a graça de curar as doenças, da operação de virtudes.
5. Demais. – A realização de milagres provém da fé, quer da fé de quem os faz, conforme aquilo do Apóstolo – Se eu tiver toda a fé até o ponto de transportar montes; quer da fé dos beneficiários dos milagres, donde o dito do Evangelho – E não fez ali muitos milagres, por causa da incredualidade dos seus naturais. Logo, se é a fé considerada uma graça gratuita, é supérfluo se lhe acrescentar a outra graça gratuita de operar sinais.
Mas, em contrário, o Apóstolo enumera entre as graças gratuitas: A outro a graça de curar as doenças, a outro a operação de milagres.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o Espírito Santo assiste suficientemente a Igreja nas coisas úteis à salvação à qual se ordenam as graças gratuitas. E como a ciência que alguém adquiriu, por obra divina, é necessário que chegue ao conhecimento dos outros por meio do dom das línguas e pela graça da palavra, assim também é necessário que a palavra proferida seja provada para ser acreditada. Ora, tal se realiza pela operação de milagres, segundo o Evangelho: Confirmando a sua pregação, com os milagres que a acompanhavam. E isto é racional. Pois, é natural ao homem depreender dos efeitos sensíveis a verdade inteligível. Por onde, assim como o homem, guiado pela razão natural. pode chegar a um certo conhecimento de
Deus, por meio dos efeitos naturais, assim também, por meio de certos efeitos sobrenaturais, chamados milagres, é levado a um certo conhecimento daquilo que deve crer. Por onde, a operação de milagres constituí uma graça gratuita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a profecia se estende a tudo o que pode ser sobrenaturalmente conhecido. assim a operação de virtudes se estende a tudo o que pode ser sobrenaturalmente feito. A causa do que, é a omnipotência divina, que não pode ser comunicada a nenhuma criatura. Por onde é impossível que o principia de fazer milagres seja uma qualidade habitualmente existente na alma. Contudo, pode acontecer que. assim como a mente do profeta é levada por inspiração divina a um conhecimento sobrenatural, assim também a alma do que faz milagres seja levada a praticar um ato donde resulta um efeito milagroso, que Deus faz com o seu poder. E isso às vezes se dá depois da oração como quando Pedro ressuscitou Tabita morta, segundo se lê na Escritura. Outras vezes, sem preceder oração manifesta, mas porque Deus obra conforme a vontade do homem, como quando Pedro, censurando–lhes a sua mentira a Ananias e a Safira, deu–os à morte, segundo a Escritura. Por isso diz Gregório que às vezes, os santos fazem milagres pelos poderes, outras, por pedirem. Ora. Deus, por sua própria virtude, obra de um e de outro modo. pois usa como instrumento dos movimentos interiores do homem ou da sua palavra ou de qualquer dos seus atos externos ou ainda de qualquer contado material de um corpo, mesmo já morto. Por isso, a Escritura, depois de referir o dito de Josué – Sol detém–te sobre Gabaon – acrescenta: Não houve antes nem depois dia tão comprido, obedecendo o Senhor à voz de um homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar aduzido o Senhor se refere aos milagres que se farão no tempo do anticristo: deles diz o Apóstolo, que a vinda do anticristo é segundo a obra de Satanás em todo poder e em sinais e em prodígios mentirosos. E diz Agostinho: Costuma–se por em dúvida se os referidos sinais e prodígios mentirosos são assim chamados por haverem de iludir, pelas suas aparências, os sentidos dos mortais, fazendo–os crer como realizado o que não o é; ou se, sendo verdadeiros prodígios, irão iludirem–se os que neles acreditarem. Verdadeiros porém são chamados, porque a realidade mesma será verdadeira do mesmo modo que os magos do Faraó fizeram rãs e serpentes verdadeiras. Mas, não constituirão verdadeiros milagres, porque se realizarão em virtude de causas naturais, como dissemos na Primeira Parte. Ao contrário, a operação dos milagres atribuídos à graça gratuita vem da virtude divina, para utilidade dos homens.
RESPOSTA A TERCEIRA. – Duas coisas podemos considerar no milagre. – A obra feita, superior à capacidade da natureza. E neste sentido os milagres se chamam virtudes. – Depois, a razão pela qual os milagres são feitos – a manifestação de alguma verdade sobrenatural. E neste sentido se chamam comumente sinais; mas por causa da sua excelência se denominam portentos ou prodígios, quase reveladores do que está distante.
RESPOSTA À QUARTA. – A graça de curar as doenças é enumerada à parte, porque ela confere ao homem o benefício da saúde do corpo, além do benefício comum resultante de todos os milagres, que é levar os homens ao conhecimento de Deus.
RESPOSTA À QUINTA. – A realização de milagres é atribuída à fé por duas razões. Primeiro, porque se ordena à confirmação dela. Segundo, porque procede da omnipotência de Deus, em que se funda a fé. E, contudo, assim como além da graça da fé é necessária a graça da palavra para instruir na fé, assim também, é necessária a operação de milagres para confirmar nela.
O segundo discute–se assim. – Parece que também as mulheres podem receber palavra de sabedoria e de ciência.
1. – Pois, a doutrina está compreendida nessa graça, como se disse. Ora, a mulher pode doutrinar, como se lê na Escritura: Eu fui unigénito diante de minha mãe e ela me ensinava. Logo, também a mulher pode receber essa graça.
2. Demais. – Maior é a graça da profecia que a da palavra, assim como contemplar a verdade é mais do que anunciá–la, Ora, as mulheres podem receber o dom da profecia, como se lê na Escritura de Débora, de Holda profetiza, mulher de Selum, e das quatro filhas de Filipe. E o Apóstolo também diz: Toda mulher que jaz oração ou que profetiza etc. Logo, parece que com maior razão a mulher pode receber a graça da palavra.
3. Demais. – A Escritura diz: Cada um, segundo a graça que recebeu, comunique–a aos outros como bons dispenseiros. Ora, certas mulheres recebem a graça da sabedoria e da ciência e não na podem dispensar aos outros senão pela graça da palavra. Logo, a mulher pode receber a graça da palavra.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: As mulheres estejam caladas na Igreja. E noutro lugar:
Não permito à mulher que ensine. Ora, isto sobretudo, constitui a graça da palavra. Logo, as mulheres não podem ter a graça da palavra.
SOLUÇÃO. – Dois usos pode ter a palavra. – Um privado, quando falamos familiarmente a um ou a poucos. E, então, as mulheres podem receber a graça da palavra. – Outro público, quando a palavra é dirigida a toda a Igreja. E isto não é permitido à mulher.
Primeiro e principalmente, pela condição do seu sexo, que a torna sujeita ao homem, como se lê na Escritura. Ora, ensinar e persuadir publicamente, na Igreja, não pertence aos súbditos, mas aos superiores. Contudo, mais que a mulher, os homens dependentes de um superior o podem por delegação; porque a sujeição deles ao superior não se funda naturalmente no sexo, como se dá com as mulheres, mas nalgum acidente sobreveniente. – Segundo, para que não se desperte a concupiscência do homem, pois, diz a Escritura: A sua conversação se ateia como fogo. – Terceiro, porque geralmente as mulheres não têm sabedoria perfeita a ponto de convenientemente se lhes poder cometer o ensino em público.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O lugar citado se refere ao ensino privado pelo qual a mãe instrui o filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A graça da profecia depende de ser a mente iluminada por Deus; e nisso não há diferença de sexo entre homem e mulher, conforme o Apóstolo: Revestindo–vos do homem novo, segundo a imagem daquele que o criou, onde não há diferença de homem e de mulher. Ora, a graça da palavra é dada para a instrução do homem, sexualmente diferente da mulher. Logo, a comparação não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As graças dadas por Deus cada um as aplica diversamente segundo a diversidade das condições. Por isso, as mulheres, que receberam a graça da sabedoria ou da ciência, podem aplicá–la ensinando particularmente, mas não em público.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a palavra não constitui uma graça gratuita.
1. – Pois a graça é dada para realizarmos o que nos excede a capacidade da natureza. Ora, a razão natural descobriu a arte da retórica, que nos faculta falar para ensinar, para deleitar e para convencer como diz Agostinho. Ora, isto constitui a graça da palavra. Logo, parece que a graça da palavra não é uma graça gratuita.
2. Demais. – Toda graça pertence ao reino de Deus. Ora, o Apóstolo diz: Os reino de Deus não consiste nas palavras, mas na virtude. Logo, a palavra não constitui nenhuma graça gratuita.
3. Demais. – Nenhuma graça é dada em virtude de méritos; porque se foi por graça não foi lá pelas obras, como diz o Apóstolo. Ora, a palavra pode ser dada em virtude do mérito; assim Gregório, expondo aquilo da Escritura Não tires da minha boca a palavra de verdade – diz que a palavra de verdade Deus onipotente a dá a quem faz o bem e a tira de quem não a faz. Logo, parece que o dom da palavra não é uma graça gratuita.
4. Demais. – Assim como o homem há de revelar pela palavra o dom da sabedoria e da ciência, assim também o que concerne à virtude da fé. Logo se se considera a palavra da sabedoria e da ciência como graça gratuita pela mesma razão a palavra em matéria de fé também deve ser posta entre as graças gratuitas.
Mas, em contrário, a Escritura: A palavra eucarística, isto é, graciosa abundará para o bem do homem. Ora, o bem do homem vem da graça. Logo, também a graciosidade da palavra.
SOLUÇÃO. – As graças gratuitas são dadas para a utilidade dos outros como estabelecemos. Ora, o conhecimento que recebemos de Deus não pode redundar em utilidade dos outros senão mediante a palavra. E como o Espírito Santo não deixa de dar nada do que é para utilidade da Igreja, provê também com o dom da palavra os membros dela. Não somente para falarem de modo a poderem ser entendidos de muitos, o que constitui o dom das línguas, mas também para falarem com eficácia, o que constitui a graça da palavra.
E isto de três modos. – Primeiro, para instruir o intelecto. O que se dá quando falamos para ensinar. – Segundo, para mover o afeto. O que conseguimos quando deleitamos os ouvintes; mas isso não o devemos buscar para vantagem nossa, mas para atrair os homens a ouvirem a palavra de Deus. – Terceiro, para que os ouvintes amem o que as palavras expuseram e queiram realizá–las. O que se opera quando falamos dê modo a convencer o ouvinte. – Para o conseguir, o Espírito Santo emprega a língua do homem como instrumento, sendo ele porém o autor do ato interno. Por isso diz Gregório: Se o Espírito Santo não encher os corações dos ouvintes, soa em vão aos ouvidos do corpo a palavra de quem ensina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Assim como às vezes Deus obra milagrosamente de modo mais excelente do que aquele pelo qual a natureza pode obrar, assim também o Espírito Santo faz mais excelentemente, pela graça da palavra, o que a arte pode fazer de modo inferior.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Apóstolo se refere à palavra da eloquência humana, sem a virtude do Espírito Santo. Por isso disse antes: Examinarei, não as palavras dos que andam inchados, mas a virtude. E de si mesmo já havia dito: A minha conversação como a minha pregação não consistiu em palavras persuasivas da humana sabedoria, mas em demonstração de espírito e de virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos a graça da palavra quando conferida a alguém o é para utilidade de outrem. Por isso às vezes Deus a retira, por culpa do ouvinte; outras, por culpa daquele mesmo que fala. Ora, as boas obras tanto de um como de outro não merecem diretamente essa graça, senão só removem os obstáculos a ela, Pois, a graça santificante Deus também a tira por causa da culpa; mas, ninguém a merece pelas suas boas obras, que só servem de remover os obstáculos que se a ela opõem,
RESPOSTA À QUARTA. – Como dissemos, a graça da palavra se ordena à utilidade de outrem, Ora, pela palavra da sabedoria ou da ciência é que comunicamos a nossa fé aos outros. Por isso diz Agostinho: O Apóstolo chama ciência o meio de fazer a fé servir aos fiéis e de defendê–la contra os ímpios. Por isso não devia acrescentar a palavra da fé; mas bastava se referir à da ciência e da sabedoria.
O segundo discute–se assim. – Parece que o dom das línguas é mais excelente que a graça da profecia.
1. – Pois, as causas próprias dos melhores são as melhores, segundo o Filósofo. Ora, o dom das línguas é próprio do Novo Testamento por isso se canta na Sequência de Pentecostes: Hoje o Espírito Santo doou aos Apóstolos de Cristo com um dom insólito e inaudito em todos os séculos. A profecia, porém, é própria, antes, ao Antigo Testamento, segundo aquilo do Apóstolo: Deus, tendo falado muitas vezes e de muitos modos noutro tempo a nossos pais pelos profetas. Logo, parece que o dom das línguas é mais excelente que o dom da profecia.
2. Demais. – O meio por que nos ordenamos para Deus parece mais excelente que aquele pelo qual nos ordenamos para os homens. Ora, pelo dom das línguas o homem se ordena para Deus; e pelo da profecia, para os outros homens. Assim, diz o Apóstolo: O que fala uma língua desconhecida não fala a homens, senão a Deus; mas o que a profetiza fala aos homens para a sua edificação. Logo, parece que o dom das línguas é mais excelente que o da profecia.
3. Demais. – O dom das línguas permanece habitualmente em quem o tem que pode usar dele quando quiser. Por isso diz o Apóstolo: Graças dou ao meu Deus, que falo todas as línguas que vos falais. Ora, o mesmo não se dá com o dom da profecia, como se disse. Logo, o dom das línguas parece mais excelente que o da profecia.
4. Demais. – A interpretação das línguas parece contida na profecia; pois, as Escrituras são explica das pelo mesmo Espírito que as fez. Ora, a interpretação das línguas o Apóstolo a coloca depois do dom de falar diversas línguas. Logo, parece que o dom das línguas é mais excelente que o da profecia, sobretudo quanto a alguma das suas partes.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Maior é o que profetiza que o que fala diversas línguas.
SOLUÇÃO. – O dom da profecia excede o das línguas de três modos. – Primeiro, porque o dom das línguas consiste na locução de vozes diversas, sinais de alguma verdade concebida pela inteligência, da qual também são sinais certos fantasmas que se manifestam na visão imaginária. Por isso Agostinho compara o dom das línguas à visão imaginária. Pois, como dissemos, o dom da profecia consiste na iluminação mesma da mente, para que ela conheça a verdade inteligível. Por onde, assim como a iluminação profética é mais excelente que a imaginária, segundo estabelecemos, assim também a profecia é mais excelente que o dom das línguas em si mesmo considerado. – Segundo, porque o dom da profecia está compreendido no conhecimento das coisas; e este é mais nobre que o das vozes, objeto do dom das línguas. – Terceiro, porque o dom da profecia é mais útil. O que o Apóstolo o prova por três razões. Primeiro, por ser a profecia mais útil à edificação da Igreja, para a qual em nada contribui quem fala várias línguas, a menos que se lhes não expliquem as palavras. Segundo, porque se aquele mesmo que recebeu o dom de falar várias línguas não as entendesse – o que constitui o dom da profecia – esse dom das línguas não lhe seria de nenhuma utilidade. Terceiro, quanto aos infiéis, por causa dos quais sobretudo foi conferido o dom das línguas, que talvez considerassem loucos aqueles que as falassem; assim, os judeus julgavam ébrios os Apóstolos quando estes falavam nas várias línguas, segundo se lê na Escritura. Ao passo que pelas profecias os infiéis ficam convencidos, porque lhes revelam o íntimo do coração.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos a excelência da profecia não somente torna o profeta iluminado pelo lume inteligível, mas também o faz perceber a visão imaginária. Assim também, a operação do Espírito Santo não somente, na sua perfeição, invade a alma do lume profético e a fantasia, da visão imaginária, como se lê no Antigo Testamento, mas ainda, exteriormente, move a língua a proferir os vários sinais da locução, como se lê ter acontecido no Novo Testamento, segundo aquilo do Apóstolo: cada um de vós tem o dom de compor salmos, tem o de doutrina, tem o de línguas, tem o de revelação, isto é, da revelação profética.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Pelo dom da profecia o homem ordena a sua mente para Deus; o que é mais nobre do que ordenar–se para ele por meio das línguas. Pois, de quem as fala se diz que não fala aos homens, isto é, à inteligência deles ou para a utilidade deles, mas para a só inteligência de Deus e para o louvor divino. Ora pela profecia o homem se ordena tanto para Deus como para o próximo e portanto ela é um dom mais perfeito.
RESPOSTA À TERCBIRA. – A revelação profética se estende ao conhecimento de todo o sobrenatural. Por isso da sua perfeição mesma resulta que, no estado imperfeito desta vida, não pó de ser perfeitamente possuída como hábito, mas só imperfeitamente, como uma paixão. O dom das línguas, porém chega ao conhecimento particular das palavras humanas. Por isso não repugna à imperfeição desta vida o ser ela possuída perfeita e habitualmente.
RESPOSTA À QUARTA. – A interpretação das palavras pode ser reduzida ao dom da profecia, porque ilumina a mente para entender e expor todas as obscuridades da linguagem, resultantes quer da dificuldades inerentes às coisas significadas, quer das palavras mesmas desconhecidas, que são faladas ou ainda das imagens das coisas referidas, como se lê na Escritura: De ti ouvi eu dizer que tu podes interpretar as coisas obscuras e desembulhar as implicadas. Por onde, a interpretação das palavras é superior ao dom das línguas, como claramente o diz o Apóstolo: Maior li o que profetiza que o que fala diversas línguas a não ser que também ele interprete. Mas, a interpretação das palavras o Apóstolo a propõe ao dom das línguas, porque ela também se estende à interpretação dos diversos gêneros de línguas.