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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 5 – Se é ilícito ao bispo, por causa de alguma perseguição abandonar materialmente o rebanho que lhe foi confiado.

O quinto discute–se assim. – Parece que não é lícito ao bispo, por causa de alguma perseguição, abandonar materialmente o rebanho que lhe foi confiado.

1. – Pois, diz o Senhor, que é mercenário e não verdadeiro pastor, aquele que vê vir o lobo e deixa as ovelhas e foge. Ora, Gregório diz, que o lobo vem contra as ovelhas, quando um tirano injusto e roubador oprime os fiéis e os humildes. Se, portanto, pela perseguição de um tirano o bispo abandonar materialmente o rebanho que lhe foi confiado, parece que é mercenário e não pastor.

2. Demais. – A Escritura diz: Filho meu, se ficares por fiador do teu amigo, deste por ele a tua mão a um estranho. E acrescenta: Discorre duma para outra parte, apressa–se, desperta ao teu amigo. Expondo o que, diz Gregório: Comprometer–se por um amigo é devotar–se pela alma de outrem com o perigo da sua virtude própria. Pois, quem é proposto como exemplo aqueles com quem vive, está na obrigação de não somente velar pelo amigo, mas também de adverti–lo. Ora, isto não o pode fazer quem materialmente abandonou o seu rebanho. Logo, parece que o bispo não pode, por causa de perseguição, abandonar materialmente o seu rebanho.

3. Demais. – A perfeição do estado episcopal exige que o bispo se consagre ao zelo do próximo. Ora, a quem professou o esta do de perfeição não é lícito resolutamente abandonar a prática da mesma. Logo, não parece lícito ao bispo materialmente furtar–se às obrigações do seu ofício, salvo para vacar, num mosteiro, às obras de perfeição.

Mas, em contrário, aos Apóstolos, de quem os bispos são os sucessores, mandou o Senhor: Quando vos perseguirem numa cidade fugi para outra.

SOLUÇÃO. – Em toda obrigação devemos antes de tudo considerar o fim. Ora, os bispos obrigam–se a cumprir o ofício pastoral para a salvação dos súbditos. Por onde, sempre que a salvação deles exigir a presença do pastor, não deve ele abandonar pessoalmente seu rebanho, nem por qualquer vantagem temporal, nem mesmo por nenhum perigo pessoal iminente, porque o bom pastor está obrigado a dar a vida pelas suas ovelhas. Se porém na sua ausência, o pastor puder velar, por meio de outrem, pela salvação dos súditos, então lhe é lícito, para alguma vantagem da Igreja ou por um perigo que lhe ameaça a pessoa, abandonar pessoalmente o seu rebanho. Donde o dizer Agostinho: Fujam os servos de Cristo de cidade para cidade, quando forem especialmente visados pelos perseguidores, contanto que a Igreja não seja abandonada pelos que não forem assim perseguidos. Se porém, o perigo for comum a todos, os que precisam dos outros não sejam abandonados por aqueles que os devem socorrer. Se, pois, é condenável o navegante abandonar a nau quando o mar está tranquilo, quanto mais o é na tempestade? como diz o Papa Nicolau.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Foge como mercenário aquele que antepõe uma vantagem temporal ou mesmo a salvação da vida do corpo à salvação espiritual dos próximos. Por isso diz Gregório: Não enfrenta o perigo que lhe ameaça as ovelhas aquele que, nas suas funções de pastor, em vez de amar as ovelhas, busca lucros temporais; pois, teme arrostar o perigo afim de não perder o que ama. Mas aquele que, para evitar o perigo, se afasta sem detrimento do rebanho, não foge como mercenário.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem se compromete por outro, se não pode pessoalmente cumprir o prometido, basta que o faça por meio de um terceiro. Por isso o prelado, se tem um impedimento pelo qual não pode pessoalmente exercer a cura dos súditos, satisfaz o seu compromisso se o cumprir por meio de outrem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem foi escolhido para o episcopado assume o estado de perfeição num gênero determinado dela; mas se ficar impedido de o exercer, não está obrigado a entregar–se a outro género de perfeição de modo que devesse passar para o estado de religioso. Impõe–se lhe porém a necessidade de conservar a intenção de velar pela salvação dos próximos, quando se apresentar a oportunidade e as circunstâncias o exigirem.

Art. 4 – Se o bispo pode abandonar os seus deveres para entrar numa religião.

O quarto discute–se assim. – Parece que o bispo não pode licitamente abandonar os seus deveres episcopais para entrar numa religião.

1. – Pois, a ninguém é lícito passar de um estado mais perfeito para outro menos perfeito, porque seria olhar para trás, o que o Senhor condena, quando diz: Nenhum, que mete a sua mão ao arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus. Ora, o estado episcopal é mais perfeito que o de religião, como se estabeleceu. Logo, assim como não é lícito passar do estado de religião para o secular, assim também não o é passar do estado episcopal para o de religião.

2. Demais. – A ordem da graça é mais excelente que a da natureza. Ora. na da natureza um mesmo ser não se move para pontos contrários; assim, se a pedra naturalmente se move para baixo, não pode naturalmente mover–se de baixo para cima. Ora, na ordem da graça é lícito passar do estado religião para o episcopal. Logo não é lícito, ao inverso, voltar do estado episcopal para o de religião.

3. Demais. – Na ordem da graça nada deve ser vão. Ora, quem foi uma vez sagrado bispo conserva perpetuamente a faculdade espiritual de conferir ordens e o mais pertinente ao ofício episcopal. Ora, essa faculdade seria inútil no que renunciasse o ofício episcopal. Logo, parece que o bispo não pode abandonar os seus deveres episcopais para entrar em religião.

Mas, em contrário. – Ninguém está obrigado ao que é em si mesmo ilícito. Ora, os que pedem para ser exonerados do ofício episcopal são, por isso mesmo obrigados a deixá–la, conforme determina um cânone. Logo, não é ilícito abandonar o ofício episcopal.

SOLUÇÃO. – A perfeição do estado episcopal consiste em consagrar–se o bispo, por amor de Deus, à salvação dos próximos. E portanto fica obrigado a exercer seu ofício pastoral enquanto puder trabalhar para a salvação dos fiéis que lhe foram confiados. O que não deve abandonar para se entregar à quietude da contemplação divina; assim o Apóstolo, tendo em vista a necessidade dos súbditos, sofreu pacientemente lhe fosse diferida mesmo a contemplação da vida futura, quando disse: Não sei na verdade o que devo escolher. Pois me vejo apertado por duas partes: tendo desejo de ser desatado à carne e estar com Cristo, que é sem comparação muito melhor; mas o permanecer em carne é necessário por amor de vós. E persuadido disto, sei que ficarei e permanecerei com todos vós. Nem deve o bispo deixar o seu ofício, para evitar qualquer adversidade ou granjear lucros, pois, como diz o Evangelho, o bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas.

Mas pode acontecer que o bispo fique impedido de trabalhar pela salvação dos súbditos por muitas razões. – Assim, às vezes, por um impedimento proveniente dele próprio: ou de consciência, como no caso de ser homicida ou simoníaco; ou corporal, quando velho ou enfermo; ou ainda por falta de ciência bastante ao exercício do seu governo; ou enfim por viver irregularmente, se por exemplo, é bígamo. – Outras vezes são os súbditos a causa de ficar o bispo impedido de trabalhar pela salvação deles. Por isso Gregório diz: Devemos suportar os maus com equanirnidade quando há ao mesmo tempo bons a quem devemos auxiliar; mas, não havendo nenhum fruto a colher da parte dos bons, o que podemos fazer para os maus fica às vezes de todo inútil. Donde vem que homens virtuosos, vendo muitas vezes a esterilidade dos seus esforços, retiram–se a uma vida mais elevada para trabalharem em proveito próprio. Mas outras vezes o impedimento vem da parte de outrem, que, por exemplo, se escandalizaria com a prelatura de uma determinada pessoa. Assim, diz o Apóstolo: Se a comida serve de escândalo ao meu irmão, nunca jamais comerei carne. Contanto que o escândalo não nasça da malícia de certos que queiram conculcar a fé ou a justiça da Igreja. Pois, esse escândalo não deve ser motivo de abandono do ofício pastoral, segundo aquilo do Evangelho: Deixai–os (os que se escandalizavam de verdade da doutrina de Cristo) – cegos são e condutores de cegos.

Mas, assim como é dever assumir o ofício de governar, por providência de um prelado superior, assim também o é abandoná–lo em obediência à mesma autoridade, pelas causas já referidas. Por isso, Inocêncio III determina: Se asas tivesses com que pudesses voar para a solidão, tão presas estariam elas porém pelos laços dos preceitos, que não poderias altear livremente o vôo, sem a nossa permissão. Pois, só ao Papa é lícito dispensar no voto perpétuo pelo qual se obrigou ao serviço dos seus súditos quem aceitou o episcopado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A perfeição dos religiosos e a dos bispos têm fundamentos diversos. Assim, ao religioso compete o estudo que devemos pôr em nossa própria salvação. Mas, à perfeição do estado episcopal pertence, trabalhar pela salvação dos próximos. Portanto, o bispo que, podendo ser útil à salvação do próximo, quisesse passar para o estado da religião, voltaria atrás, cuidando então só da sua salvação, apesar de ter–se obrigado a trabalhar não só pela sua salvação, mas também pela dos próximos. Por isso, Inocêncio III diz, no lugar referido, que mais facilmente se permitirá ao monge subir a prelado do que ao prelado descer a monge. Mas, se o prelado não puder trabalhar pela salvação dos outros, é conveniente dedicar–se à sua própria.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nenhum obstáculo deve nos desviar do estudo dá nossa salvação, objeto do estado de religião. Mas, podemos ficar impedidos de trabalhar pela salvação dos outros. Por onde, o monge pode ser escolhido para o episcopado, estado em que também pode cuidar da sua salvação própria. E é também lícito ao bispo, se se lhe oferecer algum obstáculo à sua salvação, passar para o estado religioso. Mas, quando desaparecer o obstáculo, poderá de novo assumir o episcopado; por exemplo, por se terem corrigido os súbditos, por ter cessado o escândalo, porque sarou da enfermidade ou eliminou a ignorância instruindo–se suficientemente. Ou ainda, se foi promovido simoniacamente, sem o saber ou se, tendo abandonado o episcopado, passou a viver regularmente, poderá de novo ser promovido a outro episcopado. – Quem, porém, por culpa sua, foi deposto do episcopado e encerrado num mosteiro para fazer penitência, não poderá ser de novo chamado ao episcopado. Por isso, determina um cânone: O Santo Sínodo ordena que quem decair da dignidade pontifical para a vida mona cal, a fazer penitência, não mais seja elevado ao pontificado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Mesmo na ordem natural, um impedimento superveniente embora, elimine o ato, deixa subsistir a potência, por exemplo, a enfermidade dos olhos priva do ato da visão. Assim também não há inconveniente em permanecer o poder episcopal apesar de um impedimento ao seu exercício atual.

Art. 3 – Se o que é escolhido para episcopado deve ser o melhor que os outros.

O terceiro discute–se assim. – Parece que aquele que é escolhido para o episcopado deve ser melhor que os outros.

1. – Pois, o Senhor perguntou a Pedro, a quem ia cometer o ofício pastoral, se o amava mais que os outros. Ora, é melhor quem mais ama a Deus. Logo, parece que não deve ser escolhido para o episcopado aquele que não é melhor que os outros.

2. Demais. – Simaco Papa diz: – O que subiu a maiores honras deve ser considerado como vilíssimo se não for mais excelente pela ciência e pela santidade. Ora, quem é mais excelente pela ciência e pela santidade é melhor. Logo, não deve ser escolhido para o episcopado senão o melhor.

3. Demais. – Em qualquer género o menor é regido pelo maior; assim, o corpo é regido pelo espírito e os corpos inferiores, pelos superiores, como diz Agostinho. Ora, o bispo é escolhido para governar os outros. Logo, deve ser melhor que eles.

Mas, em contrário, diz uma Decretal, que basta escolher um homem bom; não é necessário escolher o melhor.

SOLUÇÃO. – Na escolha para o episcopado, devemos levar em conta a pessoa escolhida e quem escolhe.

Quanto a quem escolhe, quer elegendo quer providenciando, é necessário escolher quem fielmente dispense os mistérios divinos. Os quais devem ser dispensados para utilidade da Igreja, segundo o Apóstolo: Procurai abundar neles para edificação da Igreja. Ora, os divinos mistérios não foram cometidos aos homens para recompensa destes, cuja recompensa devem esperar na vida futura. Logo, quem deve escolher uma pessoa para o episcopado ou providenciar para tal, não está obrigado a escolher o melhor absolutamente falando, o que seria proceder de acordo com a caridade; mas o melhor para governar a Igreja, isto é, capaz de instruí–la, defendê–la e governá–la pacificamente. Assim, contra certos diz Jerónimo: Certos não querem escolher como colunas da Igreja os que sabem mais capazes de lhe ser. útil; mas os que amam ou pelos quais foram lisonjeados com obséquios ou os que em favor de quem os grandes intercederam, ou, para calar coisas piores, os que fizeram presentes para entrar no serviço do santuário. Ora, isto implica acepção de pessoas, que, em tal caso, é pecado grave. Por isso, àquilo da Escritura – Meus irmãos, não queirais pôr em acepção de pessoas etc., – diz a Glosa de Agostinho: Se pela diferença entre os que estão sentados e os que estão de pé, na Igreja de Deus, entendem–se as honras eclesiásticas, não devemos nos persuadir que fazer acepção de pessoas, em matéria de fé, contribui para a glória do Senhor. Pois, quem consentiria em escolher um rico para ser elevado a uma honra eclesiástica, deixando de lado o pobre, mais instruído e mais santo?

Quanto ao escolhido, não é necessário se considere melhor que os outros, pois, seria soberba e presunção. Mas basta nada descobrir em si que lhe torne ilícito resumir o ofício de prelado. Por isso, embora Pedra fosse interrogado, se amava ao Senhor mais que os outros, ao responder não se preferiu a eles, mas respondeu pura e simplesmente que amava a Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor sabia por experiência que Pedra era idóneo, mesmo a outros pontos de vista, para governar a Igreja. Por isso, lhe perguntou se o amava mais, para mostrar que quando um homem já é por si apto para governar a Igreja, deve–se precipuamente exigir dele um amor eminente de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O lugar citado deve entender–se quanto ao zelo do que foi constituído em dignidade; pois deve esforçar–se por se mostrar mais excelente que os outros em ciência e santidade. Por isso diz Gregório: A conduta do prelado deve sobrepujar a do povo tanto quanto o género de vida do pastor é superior ao do rebanho. Mas não se lhe deve imputar se antes da prelatura não era o mais excelente, para dever ser por isso reputado como vilíssimo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz o Apóstolo, há diversidades de graças, de ministérios e de operações. Por onde, nada impede ser alguém mais idóneo para governar, que contudo não é o mais excelente pela graça da santidade. Mas é diferente o que passa no regime da ordem natural, na qual o superior na ordem da natureza por isso mesmo tem maior capacidade de governar os inferiores.

Art. 2 – Se é lícito recusar, obstinadamente a imposição do episcopado.

O segundo discute–se assim. – Parece lícito recusar obstinadamente a imposição do episcopado.

1. – Pois, diz Gregório: Isaias, querendo ser útil ao próximo, pela vida ativa, desejava o ofício da pregação; enquanto que Jeremias, desejando unir–se estreitamente ao amor do Criador pela vida contemplativa, procurava eximir–se ao dever da pregação. Ora, ninguém peca por não querer deixar o melhor para apegar–se ao menos bom. Ora, tendo o amor de Deus preeminência sobre o do próximo e a vida contemplativa à ativa, como do sobredito resulta, parece que não peca quem obstinadamente recusa o episcopado.

2. Demais. – Como diz Gregório, é extremamente difícil sabermos se estamos purificado; nem devemos, sem o estarmos, nos aplicar aos sagrados ministérios. Logo, quem não se sentir purificado, por mais que se lhe queira cometer o ofício episcopal, não deve aceitá–lo.

3. Demais. – De S. Marcos diz Jerónimo, que, como se conta, cortou o dedo mínimo, depois de convertido à fé, para ficar na impossibilidade de entrar no sacerdócio. E semelhantemente, muitos fazem o voto de nunca aceitar o episcopado. Ora, pôr impedimento a uma coisa é o mesmo que a recusar, Logo, parece que, sem pecado pode alguém recusar obstinadamente o episcopado.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Se a madre Igreja desejar alguma obra vossa, nem lhe aceiteis a honra com pressurosa avidez nem a recuseis por amor do vosso repouso. E depois acrescenta: Não prefirais o vosso descanso às necessidades da Igreja; porque se nenhum dos bons quiser lhe auxiliar o parto espiritual, como seus filhos poderiam vir à luz?

SOLUÇÃO. – Na elevação ao episcopado duas coisas devemos considerar: primeiro, o que convém ao homem desejar, seguindo a sua própria vontade; segundo, o que lhe convém fazer para servir à vontade de outrem. Quanto à vontade própria, o homem deve sobretudo aplicá–la à consecução da sua salvação; mas, aplicar–se à salvação dos outros deve ele só por obediência a uma ordem superior, como do sobredito resulta. Por onde, só por desordenação da vontade nos meteremos a fazer, de nós mesmo, o que foi cometido ao governo de outrem; e semelhantemente, só por essa mesma desordenação da vontade é que alguém se recusaria obstinada e irredutivelmente a aceitar o referido ofício de governar, contrariando a imposição do superior, por duas razões. – Primeiro, porque repugna à caridade para com o próximo, em benefício do qual devemos trabalhar, conforme as exigências de lugar e de tempo. Por isso diz Agostinho, que, por exigência da caridade devemos aceitar um justo trabalho. – Segundo, porque repugna à humildade, que ordena nos sujeitemos à ordens do superior. Onde o dizer Gregório, que a verdadeira humildade aos olhos de Deus consiste em não nos furtarmos obstinadamente ao que nos é ordenado em razão de alguma utilidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora simples e absolutamente falando, a vida contemplativa seja mais excelente que a ativa e o amor de Deus, que o do próximo, contudo, por outro lado, o bem comum deve ser preferido ao bem particular. Por onde, diz Agostinho, em palavras anteriores: Não prefirais o vosso descanso às necessidades da Igreja. Sobretudo que o amor mesmo de Deus também exige que alguém aceite o encargo de pastorear as ovelhas de Cristo. Por isso, aquilo do Evangelho – Apascenta as minhas ovelhas – diz Agostinho: Seja o ofício do amor apascentar o rebanho do Senhor, assim como é sinal de temor recusar fazê–lo. – Semelhantemente, não devem os prelados abandonar a vida contemplativa por terem sido transferidos para a ativa. Donde o dizer Agostinho, que a quem foi imposto o encargo do oficio pastoral, nem por isso deixe de se comprazer com a verdade, isto é, a que deriva da contemplação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ninguém está obrigado a obedecer ao superior que dá uma ordem ilícita, como resulta do que dissemos a respeito da obediência. Pode logo se dar que aquele a quem foi imposto o ofício da prelatura nenhum obstáculo consiga descobrir que o impeça de aceitá–lo. Mas, esse obstáculo às vezes pode ser removido por esse mesmo a quem a cura pastoral foi cometida; por exemplo, se tem o propósito, que deve abandonar, de pecar. O que não. o escusa de finalmente render–se à ordem que lhe impõe o prelado. Outras vezes porém o obstáculo, que o impede de aceitar o ofício pastoral, não o pode ele próprio remover, mas o pode o prelado que ordena; p. ex., se é irregular ou excomungado. E então deve expor esse impedimento ao referido prelado; e se este quiser removê–lo, há obrigação de obedecer com humildade. Por isso, a Moisés que replicava ­ Peço–te, Senhor, que atendas que eu nunca jamais fui eloquente – o Senhor lhe respondeu ­ Eu serei na tua boca e te ensinarei o que hás de falar. Outras vezes enfim o impedimento não pode ser removido nem por quem ordena nem pelo ordenado; como no caso de não poder o arcebispo dispensar de uma irregularidade. E então o súbdito não está obrigado a obedecer e aceitar o episcopado ou mesmo a receber as ordens sacras, se vive em estado irregular.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Aceitar o episcopado não é de necessidade para a salvação, mas o torna necessário a ordem do superior. Ora, contra o necessário à salvação podemos licitamente opor impedimentos, antes de a ordem ser dada; do contrário a ninguém seria lícito convolar a segundas núpcias, afim de não ficar impedido de receber o episcopado ou as ordens sacras. E assim, S. Marcos não agiu contra o preceito, quando a si mesmo cortou o dedo; embora não seja crível o haja feito por inspiração do Espírito Santo, sem o que a ninguém é lícito dispor do próprio corpo. Quanto a quem fez o voto de não aceitar o episcopado, se com isso entendeu obrigar–se a não aceitá–lo nem por obediência a ordem de um prelado superior, é o votei ilícito. Se porém entendeu obrigar–se a, no que de si depende, não desejar o episcopado e só recebê–lo por premência de eminente necessidade, então o voto é lícito, pois fez o voto de agir como deve o homem.

Art. 1 – Se é lícito desejar o episcopado.

O primeiro discute–se assim. – Parece lícito desejar o episcopado.

1. – Pois, o Apóstolo diz: Se algum deseja o episcopado deseja uma boa obra. Ora, é lícito desejar uma boa obra. Logo, também é lícito desejar o episcopado.

2. – Demais. – O estado dos bispos é mais perfeito que o dos religiosos, como se estabeleceu. Ora, é louvável desejar passar ao estado de religião. Logo, também o é desejar alguém ser promovido ao episcopado.

3. Demais. – A Escritura diz: O que esconde o trigo será amaldiçoado entre os povos, e a bênção virá sobre a cabeça dos que o vendem. Ora, o que é idóneo, pela vida e pela ciência, para o episcopado, parece que esconde o trigo espiritual subtraindo–se ao episcopado; ao passo que o aceitando coloca–se em estado de distribuir o trigo espiritual. Logo, parece louvável desejar o episcopado e censurável, recusa–te.

4. Demais. – Os atos dos santos narrados nas Escrituras são–nos propostos como exemplos, segundo o Apóstolo: Tudo quanto está escrito para nosso ensino está escrito. Ora, lemos na Escritura, que Isaías se consagra ao oficio da pregação, que cabe principalmente aos bispos. Logo, parece louvável desejar o episcopado.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Uma função superior, sem a qual o povo não pode ser governado, embora a desempenhássemos bem não seria contudo conveniente desejá–la.

SOLUÇÃO. – Três coisas podemos considerar no episcopado. – Uma principal e final que é a atividade episcopal, que busca a utilidade de próximo. segundo aquilo do Evangelho: Apascanta as minhas ovelhas. – Outra, a altura da posição, pois, o bispo está constituído sobre os demais segundo ainda o Evangelho: O servo fiel e prudente a quem eu senhor pôs sobre sua família. – A terceira é a consequência dessas duas, a saber: a reverência, a honra e a abastança dos bens temporais, segundo o Apóstolo: Os presbíteros que governam bem sejam honrados com estipêndio dobrado.

Logo, desejar o episcopado em razão desses bens que o acompanham é manifestamente ilícito e constitui cobiça ou ambição. Por isso o Senhor diz contra os Fariseus: Gostam de ter nos banquetes os primeiros lugares e nas sinagogas as primeiras cadeiras e que os saúdem na praça e que os homens lhes chamem mestres.

Quanto à segunda, isto é, à posição elevada, desejar o episcopado é presunção. Por isso, o Senhor argúi os discípulos que queriam o primeiro lugar, dizendo: Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos. O que expõe Crisóstomo dizendo que, com essas palavras, mostra ser gentio o desejar o primado; e assim, comparando–os com os gentios, reprime­lhes o orgulho.

Mas, desejar ser útil ao próximo é em si mesmo louvável e virtuoso. Como porém o exercício do episcopado implica a posse de uma posição elevada, é presunção querer ser útil ao próximo mediante uma situação preeminente, salvo por premência de manifesta necessidade. Assim, como diz Gregório, em louvável ambicionar o episcopado quando levava indubitavelmente o bispo aos mais duros suplícios; mas então facilmente não se encontrava quem quisesse investir–se desse ónus. E ainda, era necessário que esse zelo da caridade proviesse de inspiração divina; assim, como adverte o mesmo Gregório, Isaías, desejando ser útil aos próximos, louvavelmente desejava o ofício de pregador.

Pode porém, sem presunção, desejar alguém a prática de tais obras, se vier a desempenhar tal ofício, ou mesmo ter o desejo de praticá–las. de modo que o objeto do desejo seja a boa obra e não o primado da dignidade. Por isso Crisóstomo diz: Desejar praticar boas obras é bom; mas é vaidade ambicionar o primado das honras; pois, o primado busca a quem dele foge e foge a quem o ambiciona.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Gregório, o Apóstolo escrevia no tempo em que o chefe do povo era o primeiro arrastado aos tormentos do martírio; e então nada mais se podia desejar no episcopado senão a prática de boas obras. Por isso, nota Agostinho. quando o Apóstolo diz – Se alguém deseja o episcopado, deseja uma boa obra quis ensinar o que é o episcopado, nome desumatixo de uma função e não de honrarias. Pois, a palavra grega – scopos – significa, intenção. Por onde, podemos traduzir em latim o vocábulo grego – episcopein – de modo a significar que não exerce o episcopado quem quer ser superior e não, ser útil. Pois, como pouco antes tinha dito, na atividade que devemos desenvolver nesta vida, não devemos amar as honras nem o poder, porque tudo é vão debaixo do sol; mas sim, amar a obra mesma realizada mediante a honra ou o poder. E contudo, como diz Gregório, o Apóstolo, depois de ter louvado o desejo das boas obras, logo nos faz recuar ante o que louvou quando acrescenta. Importa logo que o bispo seja irrepreensível ­ como se abertamente dissesse – louvo o que ambicionais, mas, primeiro procurai bem compreender o que quereis.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O estado de religião e o episcopado não têm a mesma natureza, por duas razões. – Primeiro, porque o estado episcopal preexige a perfeição da vida; o que o demonstra a interrogação feita pelo Senhor a Pedro, antes de lhe cometer o ofício pastoral, quando lhe perguntou se o amava mais que os outros. Ao passo que o estado de religião não preexige a perfeição, mas é uma via para a perfeição. Por isso o Senhor não disse – Se és perfeito, vai, vende o que tens – mas – Se queres ser perfeito. E a razão dessa diferença é que, segundo Dionísio, a perfeição ativamente é própria ao bispo, como ao que aperfeiçoa; mas ao monge, só passivamente, como ao aperfeiçoado. Ora, é preciso ser perfeito quem deve conduzir os outros à perfeição; o que não se dá com quem deve ser conduzido à perfeição; Ora, é presunçoso quem se julga perfeito; mas não o é quem tende para a perfeição. – Segundo, porque quem entra para o estado de religião sujeita–se aos outros para ser guiado na vida espiritual, o que a todos é lícito. Por isso, diz Agostinho:– É uma louvável ocupação e que não pode ser impedida a ninguém o estudo para conhecer a verdade. Mas, quem ascende ao estado episcopal é elevado a uma situação em que deve dirigir os outros. E essa preeminência ninguém deve por si mesmo tomá–la, segundo aquilo do Apóstolo: Nenhum usurpa para si esta honra senão o que é chamado por Deus. E Crisóstomo diz: Não é justo nem útil ambicionar o primado da Igreja; pois, qual o homem prudente que queira espontaneamente se sujeitar a uma tal servidão e a um perigo tal de dar contas por toda a Igreja? Só talvez quem não temer o juízo de Deus e, abusando secularmente do primado eclesiástico, converter­se a si mesmo em secular.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A dispensação do trigo espiritual não deve ser feita ao arbítrio de qualquer; mas, principalmente, pelo arbítrio e disposição de Deus e, secundariamente, pelo arbítrio dos prelados superiores, da pessoa de quem diz o Apóstolo: Os homens devem nos considerar como uns ministros de Cristo e como uns dispensadores dos mistérios de Deus. Portanto, não se pode dizer que esconda o trigo espiritual aquele a quem a dispensação dele não foi confiada pelo seu cargo ou imposta pela ordem do superior, e que por isso se abstém de corrigir ou governar os outros. Só é culpado dessa omissão se descurar a dispensação que por dever lhe cabe, ou se pertinazmente se recusar a aceitar o encargo que se lhe comete. Por isso, diz Agostinho: O amor da verdade aspira a um santo repouso; mas, sendo necessário, a caridade aceita um justo trabalho. Mas essa carga, se ninguém nô–la impuser, devemos vacar à compreensão e à contemplação da verdade. Se nô–la impuserem porém, devemos aceitá–la por imposição da caridade.

RESPOSTA À QUARTA. – Gregório diz: Isaías quis ser enviado, mas antes viu os seus lábios purificados pelo carvão do altar; e isso nos mostra que ninguém deve se entregar ao santo ministério sem estar purificado. Mas, como é extremamente difícil sabermos se estamos purificado, o mais prudente é declinar o ofício da pregação.

Art. 8 – Se também os presbíteros com cura de almas e os arquidiáconos têm maior perfeição que os religiosos.

O oitavo discute–se assim. – Parece que também os presbíteros com cura de almas e os arquidiáconos têm maior perfeição que os religiosos.

1. – Pois, diz Crisóstomo: Se me apresentares um monge tal que possa eu com exagero dizer que é um Elias, não é ele contudo comparável ao que, entregue ao povo e obrigado a expiar o pecado de muitos, persevera constante e forte. E pouco depois acrescenta: Se alguém desejasse saber em que estado mais agradaria, se desempenhando o ofício sacerdotal ou se vivendo na solidão dos monges, sem comparação eu escolheria o a que primeiro me referi. E no mesmo livro acrescenta: Se comparardes as funções do referido estado, isto é, do monacal, às sacerdotais desempenhadas com exatidão, vereis que tanto dista o monge do sacerdote quanto o súbdito, do rei: Logo, parece que os sacerdotes com cura de almas são mais perfeitos que os religiosos.

2. Demais. – Agostinho diz: Considera com a tua religiosa prudência, que nesta vida e sobretudo, nestes tempos, nada é mais difícil, mais laborioso nem mais perigoso do que exercer as junções de bispo, presbítero ou diácono. Mas, perante Deus, não haverá maior felicidade do que trabalhar como manda o nosso Chefe. Logo, os religiosos não são mais perfeitos que os presbíteros ou os diáconos.

3. Demais. – Agostinho diz: Não podemos suficientemente deplorar o vezo dos que excitam os monges a uma ruinosa soberba, e fazem aos clérigos tão grave injúria, considerando um mal  monge um bom clérigo; quando a verdade é que às vezes mesmo um bom monge apenas poderia dar um bem clérigo. E pouco antes dissera: Não se deve dar ocasião aos servos de Deus, isto é, aos monges, de facilmente se considerarem eleitos um melhor estado, isto é, ao do clericato, se descaírem do seu, isto é, deixando o monacato. Logo, parece que os professos no estado clerical não mais perfeitos que os religiosos.

4. Demais. – Não é lícito passar de um estado mais digno para outro menos digno. Ora, do estado monástico é lícito passar para o de presbítero com cura de almas, como se lê no seguinte decreto do Papa Gelásio: Se houver um monge que, pelo mérito da sua vida venerável. Fôr julgado digno de sacerdócio; e o abade, sob o jugo do qual ele serve na milícia de Cristo, pedir que seja ordenado sacerdote, deve esse monge ser escolhido pelo bispo e ordenado no lugar em que o bispo determinar. E Jerónimo diz: Vive no teu mosteiro como se merecesses ser clérigo. Logo, os presbíteros com cura de almas e os arquidiáconos são mais perfeitos que os religiosos.

5. Demais. – Os bispos estão num estado mais perfeito que os religiosos, como do sobredito resulta. Ora, os presbíteros com cura de almas e os arquidiáconos, pelo fato mesmo de exercerem a cura de almas, são mais semelhantes aos bispos que os religiosos. Logo, têm maior perfeição.

6. Demais. – A virtude versa sobre o bem difícil, como diz Aristóteles. Ora, é mais difícil desempenhar as obrigações de presbítero com cura de almas ou de arquidiáconos, que viver no estado de religião. Logo, os presbíteros com cura de almas ou os arquidiáconos são de virtude mais perfeita que os religiosos.

Mas, em contrário, determina um cânone. Quem conserva os seus bens, desempenhando as suas funções eclesiásticas sob a autoridade do seu bispo e, vivendo secularmente, requer, inspirado pelo Espírito Santo, operar a sua salvação nalgum mosteiro ou sob o regime de uma regra; canónica, esse tal nenhuma lei pública pode impedi–lo de agir assim, pois procede de acordo com uma lei particular. Ora, ninguém é dirigido pela lei do Espírito Santo, aí chamada lei particular, senão para a prática de uma vida mais perfeita. Logo, parece que os religiosos são mais perfeitos que os arquidiáconos ou os presbíteros com cura de almas.

SOLUÇÃO. – A excelência de uns sobre outros não se funda no que têm de comum, mas no pelo que diferem. Ora, três coisas devemos distinguir nos presbíteros com curato e nos arquidiáconos: o estado, a ordem e o ofício. Quanta ao estado, são seculares; quanto à ordem, sacerdotes ou diáconos; quanto ao ofício, têm a cura das almas que lhes foram confiadas.

Assim, pois, se supusermos alguém que, além de ser pelo seu estado, religioso, têm ainda a ordem de diácono ou de sacerdote e for, por ofício, cura de almas, como é o caso de vários monges e cónegos regulares, esse, pela sua qualidade de religioso, vive num estado mais excelente que o do diácono ou o do sacerdote; mas, pela ordem e pelo ofício é igual a eles. Diferindo porém o sacerdote ou o diácono, do religioso, pelo estado é também pelo ofício, mas convindo com ele pela ordem, como se dá com os religiosos sacerdotes sem cura de almas, então é manifesto que o religioso, mais excelente pelo estado, o é menos pelo ofício e é igual pela ordem. Por onde, devemos considerar que preeminência é a maior: se a do estado ou a do ofício. Para o que é mister atendermos a dois elementos: a bondade e a dificuldade.

Se, pois, a comparação se fundar na bondade, então, o estado da religião tem preeminência sobre o ofício de presbítero com curato ou o de arquidiáconos. Porque o religioso dirige toda a sua vida ao estudo da perfeição; ao passo que o presbítero com curato ou o arquidiácono não a aplica toda a sua à cura das almas, como o bispo; nem lhes compete, como o bispo, ter principalmente cura dos súbditos, senão só lhes é cometido ao ofício uma certa e particular cura das almas, como do sobredito resulta. Por onde, o estado de religião está para o ofício do presbítero com curato ou o do arquidiácono como o universal para o particular, e como o holocausto esta para o sacrifício, menor que o holocausto, conforme está claro em Gregório. Por isso um cânone determina: Os bispos devem deixar livre o ingresso nos mosteiros aos seus clérigos desejosos da vida monacal, pois, querem seguir uma vida melhor. – Mas, a referida comparação deve ser entendida quanto ao género da obra. Pois, conforme a caridade do agente, pode às vezes se dar que uma obra, genericamente de menor valor, seja mais meritória, quando feita com maior caridade.

Se, porém, levarmos em conta a dificuldade de viver bem a vida na religião e de bem exercer o ofício de cura de almas, então é mais difícil viver bem a vida religiosa exercendo a cura de almas, por causa dos perigos exteriores. Embora, a vida religiosa seja mais difícil genericamente considerada, por causa do rigor da observância regular.

Mas, se o religioso carecer da ordem, como se dá com os religiosos conversos, então é claro que a ordem tem preeminência, pela sua dignidade. Pois, as ordens sacras destinam a ministérios digníssimos, pelos quais se serve ao próprio Cristo no sacramento do Altar. O que exige maior santidade interior, que a exigi da pelo estado de religião; pois, como diz Dionísio, a ordem monástica deve seguir–se às ordens sacerdotais e, à imitação delas, ascender ao divino. Portanto, mais gravemente peca, em igualdade de circunstâncias, o clérigo constituído nas ordens sagradas, quando procede contra a santidade, do que qualquer religioso sem ordem sacras. Embora o religioso leigo esteja adstrito às observâncias regulares, a que não estão os que receberam as ordens sagradas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quanto aos lugares aduzidos de Crisóstomo podemos responder brevemente, que ele não se refere ao sacerdote com curato, de ordens menores, mas ao bispo, chamado sumo sacerdote. O que está de acordo com a intenção do livro citado, no qual se consola com Basílio de terem sido eleitos ao episcopado. Mas, passando por sobre isto, respondemos que ele se refere à dificuldade desses estados. Pois, antes havia dito: O piloto que conduzia a nau pelas ondas revoltas, livrando–a da tempestade, merece que todos lhe deem testemunho de perfeito mareante. E depois conclui o que acima referimos, do monge, que não pode ser comparado àquele, que entregue ao povo, persevera constante. Acrescenta a causa: Porque, como em tempo sereno, governou–se a si mesmo na tempestade. O que nada mais pode querer mostrar senão que é mais perigoso o estado de quem exerce a cura de almas que o do monge; pois, conservar–se ileso no meio de um perigo maior é indício de maior virtude. Mas isto também constitui uma grande virtude ­ entrarmos na religião para evitarmos os perigos Por isso, não disse que preferia desempenhar o ofício sacerdotal a viver na solidão dos monges; mas que preferia agradar antes no primeiro que na segunda, por ser isso prova de maior virtude.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também o lugar citado de Agostinho manifestamente se refere à dificuldade, que revela a grandeza da virtude nos que são bons religiosos, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – No passo aduzido, Agostinho compara os monges aos clérigos, quanto à diferença da ordem e não quanto à existente entre a vida religiosa e a vida secular.

RESPOSTA À QUARTA. – Os que, vivendo no estado religioso, assumem a cura das almas como já antes estavam constituídos nas ordens sagradas, adquirem o que antes não tinham, a saber, o ofício do curato; mas nem por isso depõem o estado religioso em que já antes viviam. Pois, um cânone determina. Estatuímos que não devem abandonar o seu primeiro estado os monges que, depois de terem longamente vivido no mosteiro, recebam a ordem do clericato. Mas, os presbíteros com curato ou os arquidiáconos, quando entrados em religião, depõem o curato para alcançarem um estado mais perfeito. O que, em si mesmo, mostra a excelência do estado religioso. Quanto aos religiosos leigos que sobem ao clericato e às ordens sagradas manifestamente são promovidos a um estado melhor, como dissemos. O que o mostra o próprio modo com que Jerônimo se expressa: Vive no teu mosteiro como se merecesses ser clérigo.

RESPOSTA À QUINTA. – Os presbíteros com curato e os arquidiáconos são mais semelhantes aos bispos que aos religiosos, de certo modo, isto é, quanto à cura das almas, que exercem secundariamente. Mas, quanto à perpetuidade da obrigação, exigida pelo estado de perfeição, são mais semelhantes aos bispos os religiosos, como do sobre dito se colhe.

RESPOSTA À SEXTA. – A dificuldade resultante da arduidade da obra acrescenta à perfeição da virtude. Mas a dificuldade proveniente dos obstáculos externos, às vezes diminui a perfeição da virtude. Assim, quando não amamos a virtude a ponto de querermos vencer os obstáculos, segundo as palavras do Apóstolo: Todo aquele que tem de contender de tudo se abstém. Mas, outras vezes, é sinal de uma virtude mais perfeita; por exemplo, quando não deixamos de praticar a virtude apesar de nos contraporem obstáculos inopinados ou provocados por uma causa necessária. Mas, no estado de religião é maior a dificuldade resultante da arduidade das obras; porém aos que vivem no século de certo modo se lhes opõem à virtude maiores obstáculos, que os religiosos cautamente evitaram.

Art. 7 – Se o estado dos religiosos é mais perfeito que o dos prelados.

O sétimo discute–se assim. – Parece que o estado dos religiosos é mais perfeito que o dos prelados.

1. – Pois, o Senhor diz: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; e isso a fazem as religiosas. Ora, a tal não estão obrigados os bispos, conforme a determinação seguinte: Os bispos, se o quiserem, podem deixar os seus bens próprios ou adquiridos, ou qualquer propriedade que tenham, aos seus herdeiros. Logo, as religiosos estão num estada mais perfeita que os bispos.

2. Demais. – A perfeição consiste mais principalmente na amar de Deus que na do próximo. Ora, a estada dos religiosos se ordena diretamente ao amar de Deus: par isso tira a sua denominação da serviço e da submissão a Deus, cama diz Dionísio. Aa passo que o estada dos bispos parece ordenar–se ao amar da próxima, à cura da qual devem superintender, donde lhes advém a nome, cama está clara em Agostinho. Logo, parece que a estada dos religiosos é mais perfeita que a dos bispos.

3. Demais. – O estado dos religiosos se ordena à vida contemplativa, mais excelente que a vida ativa, a que se ordena a estada dos bispos. Assim, diz Gregório: Isaías, querendo servir ao próximo pela vida ativa, desejava o ofício da pregação; enquanto que Jeremias, desejando unir–se estreitamente ao amor do Criador pela vida contemplativa, procurava eximir–se ao dever da pregação. Logo, parece que a estada dos religiosos é mais perfeita que a dos bispos.

Mas, em contrário. – Ninguém pode passar de um estado mais digna para outro menos digno porque seria olhar para trás. Ora, é passível passar do estado religioso para a episcopal, conforme um cânone, que dispõe: A ordenação sagrada faz do monge um bispo. Logo, a estado dos bispos é mais digna que a das religiosos.

SOLUÇÃO. – Cama diz Agostinho, o agente é sempre mais prestante que o paciente. Ora, no género da perfeição, segunda Dionísio, os bispos exercem a função de perficientes e os religiosos, de aperfeiçoados; assim, deles as primeiras exercem uma ação e as segundas sofrem uma paixão. Par ande, é manifesta que a estada de perfeição é mais excelente nos bispo que nas religiosas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A renúncia das riquezas pode ser considerada a dupla luz. – Primeira, enquanto atual. É então nela não consiste essencialmente a perfeição, pais, é apenas um instrumento desta, cama dissemos. Portanto, nada impede existir a estada de perfeição sem a renúncia dos bens próprios; a que também devemos dizer em relação às outras observâncias exteriores. – De outro modo, pode ser ela considerada como uma preparação que nos torna prontos, se necessário, a abandonar ou distribuir tudo. E isto pertence diretamente à perfeição. Par isso diz Agostinho: O Senhor mostra que os filhos da sabedoria entendem não constituir a santidade em abster­se ou não de comer; mas na equanimidade em tolerar a pobreza. Donde o dizer a Apóstolo: Sei viver humilhado, sei também viver na abundância. Ora, os bispos sobretudo têm o dever, quando necessário, para a glória de Deus e a salvação do seu rebanho, de desprezar todos os seus bens ou de os distribuir aos seus pobres, ou de levar com contentamento que lhes roubem as suas fazendas, na expressão do Apóstolo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O fato mesmo de os bispos se aplicarem ao amor do próximo provém da abundância do divino amor. Por isso o Senhor perguntou primeiro a Pedra se o amava; e só depois cometeu–lhe a cura do seu rebanho. E Gregório diz: Se o encargo pastoral é uma prova de amor, todo aquele que possuindo as virtudes necessárias, se furta ao pastoreio do rebanho, dá provas por isso mesmo de não amar o divino Pastor. Ora, é sinal de maior amor servirmos também a outrem por amor do amigo do que querer servir só ao amigo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz Gregório: O prelado seja o primeiro na ação sem deixar de, mais que todos, viver enlevado na contemplação, porque tem o dever de contemplar, não só em beneficio próprio, mas ainda para instruir os outros. Por isso acrescenta: Aos homens perfeitos, ao sair da contemplação, é que se aplicam as palavras da Escritura –Eles difundirão sobre os outros a memória da tua suavidade.

Art. 6. – Se todos os prelados eclesiásticos estão no estado de perfeição.

O sexto discute–se assim. – Parece que todos os prelados eclesiásticos estão no estado de perfeição.

1. – Pois, Jerônimo diz: Outrora o presbítero era o mesmo que o bispo. E depois acrescenta: Assim, pois, como os presbíteros sabem que, segundo o costume da Igreja, devem ser sujeitos ao seu preposto, assim também os bispos devem saber que, antes pelo costume do que por disposição da divina verdade, é que são superiores aos presbíteros; por isso devem governar a Igreja de acordo com eles. Ora, os bispos estão no estado de perfeição. Logo, também os presbíteros que têm a cura de almas.

2. Demais. – Assim como os bispos, quando sagrados, ficam investidos da cura das almas, assim também os presbíteros com curato é os arquidiáconos. Dos– quais, comentando aquilo do Apóstolo – Irmãos, escolhei – de entre vós a sete varões de boa reputação – diz a Glosa: Os Apóstolos anunciavam assim que a Igreja ia constituir sete diáconos, chamados a um grau superior e que seriam como as colunas em torno do altar. Logo, parece que também eles estão no estado de perfeição.

3. Demais. – Assim como os bispos estão obrigados a dar a sua alma pelas suas ovelhas, assim também os presbíteros com cura de almas e os arquidiáconos. Ora, isto constitui a perfeição de caridade, como se disse. Logo, parece que também os presbíteros com curato e os arquidiáconos, estão no estado de perfeição.

Mas, em contrário, diz Dionísio: A ordem dos pontífices leva à consumação e à perfeição; a dos sacerdotes, porém, dá e comunica a luz; a dos que administram, enfim, é fonte da purificação e do discernimento. Por onde é claro que a perfeição só é atribuída aos bispos.

SOLUÇÃO. – Nos presbíteros e nos diáconos com cura de almas, duas coisas podemos considerar: a ordem e a cura.

Quanto à ordem, ela tem por fim um dever a cumprir no exercício das funções sagradas; por isso dissemos antes, que a distinção das ordens está contida na dos ofícios. Por onde, quem recebe as sagradas ordens recebe o poder de praticar certos atos sagrados. Mas só por isso não está obrigado à prática da perfeição, senão porque, conforme a Igreja ocidental, ao receber as ordens sagradas, faz também o voto de continência, que é um daqueles pertencentes à perfeição, como a seguir se dirá. Por onde é claro, que o simples facto de receber as ordens sagradas não coloca ninguém no estado de perfeição, absolutamente falando; embora a perfeição interior seja necessária para se poderem dignamente exercer tais atos.

Semelhantemente, nem a cura recebida constitui quem quer que seja no estado de perfeição. Pois, o vínculo do voto perpétuo não obriga, por si mesmo, ao exercício da cura de almas ao contrário, podem abandoná–la entrando para uma religião, mesmo sem licença do bispo; ou então, com licença do bispo, pode um arquídíácono demitir de si o arquidiaconato ou o paroquiato e receber uma prebenda simples sem cura. O que de nenhum modo lhe seria lícito se vivesse no estado de perfeição pois, como diz o Evangelho, nenhum que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. Mas os bispos, que estão no estado de perfeição, só por autoridade do Sumo Pontífice, único que pode dispensar nos votos perpétuos, podem deixar a cura episcopal e só por determinadas causas, como depois diremos.

Por onde é manifesto, que nem todos os prelados estão no estado de perfeição, mas só os bispos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os presbíteros e os bispos podemos considerá–los a dupla luz. – Primeiro, quanto ao nome e então primitivamente não se distinguia o bispo do presbítero. Pois, bispos eram chamados os que superintendiam, como diz Agostinho, e presbítero em grego significa quase mais velho. Por isso, o Apóstolo usa em geral do nome de presbítero nas duas significações, quando diz: Os presbíteros que governam bem sejam honrados com estipêndio dobrado. E no mesmo sentido emprega o nome de bispo; assim, quando se dirige aos presbíteros da Igreja Efesina. Atendei pai vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos para governareis a Igreja de Deus. – Mas, na realidade, houve sempre entre eles uma distinção, já no tempo dos Apóstolos, como está claro em Dionísio: E, comentando aquilo do Evangelho – E depois disto designou ainda o Senhor, etc. – diz a Glosa: Assim como os bispos pertencem a ordem dos Apóstolos, assim, os setenta e dois discípulos são uma forma de presbíteros de segunda ordem. – Mais tarde, porém, para evitar o cisma, foi necessário distinguir também os nomes, de modo que os maiores foram chamados bispos e os menores, presbíteros. Por onde, a afirmação que os presbíteros não diferem dos bispos é daquelas que Agostinho enumera entre as doutrinas heréticas, quando refere que os Arianos diziam que o presbítero não deve ser separado do bispo por nenhuma diferença.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os bispos têm cura principalmente das ovelhas da sua diocese; enquanto que os presbíteros com curato e os arquidiáconos exercem certas subministrações, em dependência dos bispos. Por isso, àquilo do Apóstolo – uns têm o dom de assistir, outros o de governar – diz a Glosa: a assistência, isto é, dada aos chefes por outros ministros, como por Tito ao Apóstolo ou pelos arquidiáconos aos bispos; o governo, isto é, a prelatura das mais humildes pessoas, como a dos presbíteros, encarregados de ensinar o povo. E Dionísio diz, que assim como vemos em Jesus completada toda a hierarquia, assim, cada função, no próprio divino hierarca. i. é, no bispo. E um cânone: Todos os presbíteros e diáconos devem se sujeitar a não agir sem licença do bispo próprio. Por onde é claro que estão para o bispo como o bailio ou o preposto, para o rei. E por isso, como na ordem do poder temporal só o rei recebe a bênção solene, ao passo que os mais são instituídos no seu cargo por simples comissão, assim também na Igreja, a cura episcopal é conferida mediante uma sagração solene, enquanto que a do arquidiaconato ou a do curato, por simples injunção. Mas, são consagrados ao receber as ordens, mesmo antes de terem a cura.

RESPOSTA À TERCEIRA.– Assim como os curas e os arquidiáconos não exercem principalmente a cura, mas uma certa administração nos limites em que o bispo lhes cometeu que administrassem, assim também não lhes incumbe principalmente o oficio pastoral nem a obrigação de dar a alma pelas ovelhas, senão enquanto participam da cura. Por onde, exercem, antes, um ofício de perfeição, do que são constituídos no estado de perfeição.

Art. 5 – Se os prelados e eis religiosos estão no estado de perfeição.

O quinto discute–se assim. – Parece que os prelados e os religiosos não estão no estado de perfeição.

1. – Pois, o estado de perfeição separa–se por oposição do estado dos principiantes e dos proficientes. Ora, não há nenhuns gêneros de homens destinados ao estado de perfeição.

2. Demais. – O estado exterior deve corresponder ao interior; do contrário, incorre–se em mentira, que se pratica não só por palavras falsas, mas também por obras simuladas, como ensina Ambrósio num sermão. Ora, há muitos prelados ou religiosos que não têm a perfeição interior da caridade. Se pois, todos os religiosos e prelados estão no estado de perfeição, resulta que os dentre eles não perfeitos vivem em estado de pecado mortal, como simuladores e mentirosos.

3. Demais. – A perfeição se funda na caridade, como se estabeleceu. Ora, parece que a caridade perfeitíssima é a dos mártires, conforme o Evangelho: Ninguém tem maior amor do que este, de dar um a própria vida por seus amigos. E àquilo do Apóstolo – Ainda não tendes resistido até derramar o sangue, etc. O diz a Glosa: Não há nesta vida nenhuma perfeição maior do que a atingida pelos santos mártires, lutando contra o pecado até a morte. Logo, parece que o estado de perfeição deve ser atribuído antes aos mártires que aos religiosos e aos bispos.

Mas, em contrário, Dionísio atribui a perfeição aos bispos como sendo os mais perfeitos. E atribui a perfeição aos religiosos, aos quais chama monges ou terapeutos, isto é, servos de Deus, como a perfeitos.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado de perfeição implica uma obrigação perpétua à perfeição, contraída mediante uma certa solenidade Ora, uma e outra convém aos religiosos e aos bispos. Pois, os religiosos se obrigam a separar–se das coisas do século, que poderiam licitamente usar, para vacarem, mais livremente a Deus; e nisso consiste a perfeição da vida presente. Donde o dizer Dionísio, falando dos religiosos: Uns os denominam terapeutas, isto é, servos de Deus, por lhe servirem totalmente como servos fámulos; outros  lhes chamam monges, por causa da vida indivisível e solitária que os une, pela santa ocupação, isto é, contemplação das cousas indivisíveis. que os aproxima da unidade divina e da amável perfeição, de Deus. Ora, a obrigação deles se contrai mediante uma certa solenidade, da profissão e a benção. Por isso no mesmo lugar acrescenta Dionísio: Eis porque dando–lhes uma graça perfeita, a santa legislação os dignificou com invocações santificantes.

Semelhantemente, os bispos também se obrigam a uma vida de perfeição, ao assumir o ofício pastoral; é em virtude dela que o pastor põe a sua vida pelas suas ovelhas, – na expressão do Evangelho, E o Apóstolo diz: Fizeste uma boa confissão ante muitas testemunhas, isto é, na tua ordenação, segundo a Glosa a esse lugar. E simultaneamente à referida profissão acrescenta–se a solenidade da consagração, conforme aquilo do Apóstolo: Eu te admoesto que tornes a acender o fogo da graça de Deus, que recebeste pela imposição das minhas mãos, o que a Glosa expõe como referente à graça episcopal. E Dionísio diz, que o sumo sacerdote, isto é, o bispo, na sua sagração, se lhe coloca sobre a cabeça o livro que encerra a santíssima palavra de Deus, para significar que ele participe da virtude total da santa hierarquia, e que não somente deve iluminar os outros com a santidade das suas palavras e ações, mas que também pode lhes transmitir o seu mesmo poder.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O começo e o aumento não têm uma finalidade própria, mas se ordenam à perfeição. Por onde, certas pessoas podem assumir, ligados por uma solene obrigação, só o estado de perfeição.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os homens assumem o estado de perfeição, por fazerem assim, não profissão de perfeitos, mas de tenderem à perfeição. Por isso, o Apóstolo diz: Não que a tenha eu já alcançado ou que seja já perfeito; mas eu prossigo para ver se de algum modo poderei alcançar. E em seguida acrescenta: Todos os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Por onde, não diz mentira nem pratica nenhuma simulação quem, apesar de ter assumido o estado de perfeição, não é perfeito. Mas, sim, quem, tendo–se consagrado a esse estado, renuncia na sua alma a tender à perfeição.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O martírio constitui um ato perfeitíssimo de caridade. Ora, o ato da perfeição não basta a constituir o estado, como se disse.

Art. 4 – Se todo o perfeito está no estado de perfeição.

O quarto discute– se assim. – Parece que todo o perfeito está no estado de perfeição.

1. – Pois, o crescimento do corpo leva à perfeição do mesmo; assim, o crescimento espiritual leva à perfeição espiritual, como se disse. Ora, com o crescimento do corpo o homem chega ao estado da idade perfeita. Logo, parece também que quem cresceu espiritualmente já alcançou a perfeição e vive nesse estado.

2. Demais. – Pela mesma razão pela qual um ser se move de um ponto para o ponto contrário, move–se também do menor para o maior, como diz Aristóteles. Ora, de quem passa do estado do pecado para o da graça se diz que muda, enquanto que o estado da culpa se distingue do da graça. Logo, parece, pela mesma razão, que quem sobe de uma graça menor para outra maior, até chegar à perfeição, alcança o estado da perfeição.

3. Demais. – Obtém um estado quem se liberta da servitude. Ora, pela caridade nós nos livramos da servitude do pecado, pois, a caridade cobre todos os delitos, no dizer da Escritura. Ora, pela caridade é que somos perfeitos, como se disse. Logo, parece que todo o que tem a perfeição por isso mesmo vive no estado de perfeição.

Mas, em contrário, há certos que, apesar de estarem no estado de perfeição, carecem de todo da caridade e da graça, como são os maus bispos e os maus religiosos. Logo parece que, ao contrário, podem ter a perfeição da vida certos que não estão no estado de perfeição.

SOLUÇÃO. – Como dissemos o estado propriamente diz respeito à condição de liberdade ou de servitude. Ora, a liberdade ou a servitude espiritual do homem pode ser considerada a dupla luz: quanto à ação interna e quanto a externa. E como, no dizer da Escritura – o homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração – é da disposição interior do homem que resulta a condição espiritual do seu estado relativamente ao juízo divino. Dos seus atos externos, por outro lado, resulta o seu estado espiritual relativamente à Igreja. Ora, tratamos do estado, presentemente, enquanto que da diversidade deles resulta para uma igreja um certo ornato.

Mas devemos considerar que, para o homem alcançar o estado de liberdade ou de servitude, duas condições são necessárias. – Primeiro uma obrigação ou uma libertação. Pois, quem serve a outrem, nem por isso deste se torna escravo, porquanto também os livres podem servir, como ensina o Apóstolo: Servi–vos uns aos outros pela caridade do espírito. Nem pela fato de deixar de servir, como no casa dos escravos fugidos, torna–se alguém livre. Mas, servo propriamente é o que está obrigado a servir; e livre é quem ficou desligado da servitude. – Em segundo lugar é necessário, que a referida obrigação seja contraída mediante uma certa solenidade, como os homens procedem sempre quando se trata do que deve ter para eles uma duração perpétua.

Assim, pois, dizemos propriamente, que alguém está no estado de perfeição, não por exercer em ato de amor perfeito, mas por obrigar–se perpetuamente, mediante certa solenidade às causas pertencentes à perfeição. Mas acontece que uns se obrigam ao que não observam e outros observam o a que não se obrigaram. Assim, no caso do Evangelho, um dos dois filhos, ao pai que dizia – Trabalha na minha vinha, respondeu: não quero, mas depois foi ao passo que o outro, respondendo, disse: eu vou, e não foi. Por onde, nada impede certos de serem perfeitos, sem estarem no estado de perfeição; e outros de estarem no estado de perfeição sem contudo serem perfeitos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pelo crescimento do corpo o homem progride no atinente à natureza e assim alcança o estado da natureza. Sobretudo que o natural é de certo modo imutável, por ser a natureza determinada na sua ação. Semelhantemente, pelo crescimento espiritual interior alcançamos o estado de perfeição, relativamente ao juízo divino. Mas, quanto às distinções dos estados eclesiásticos, ninguém alcança o estado de perfeição senão intensificando a sua atividade exterior.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto ao estado interior. E contudo quem passa do estado de pecado para o de graça passa da servitude para a liberdade. E isso não se dá pelo simples aumento da graça, senão quando nos obrigamos às causas da graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe quanto ao estado interior. E contudo, embora a caridade faça variar a condição da servitude e da liberdade espirituais, isso todavia não acarreta um aumento de caridade.

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