Category: Santo Tomás de Aquino
O sétimo discute–se assim. – Parece que não se pode afirmar que a perfeição religiosa consiste nos três referidos votos.
1. – Pois, a perfeição da vida consiste, antes, em atos interiores que exteriores, segundo o Apóstolo: O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz e gozo no Espírito Santo. Ora, o voto de religião obriga às obras de perfeição. Logo, deveria antes pertencer à religião o voto dos atos interiores, como o da contemplação, do amor de Deus e do próximo e outros semelhantes, do que o voto de pobreza, de continência e de obediência, que implicam atos externos.
2. Demais. – Os referidos três votos incluem–se no voto de religião, porque implicam um certo exercício tendente à perfeição. Ora, os religiosos se exercitam em muitas outras práticas, como a da abstinência, da vigília e outras semelhantes. Logo, parece inconveniente considerar os três votos como pertencentes essencialmente ao estado de perfeição.
3. Demais. – O voto de obediência obriga a fazer tudo o que respeita ao exercício da perfeição, em obediência às ordens do superior. Logo, basta o voto de obediência, sem os outros dois.
4. Demais. – Bens exteriores não são somente as riquezas, mas também as honras. Se, pois, pelo voto de pobreza os religiosos renunciam às riquezas da terra, deveriam fazer outro voto pelo qual se abstivessem das honras do mundo.
Mas, em contrário, está dito: A guarda da castidade e a renúncia da propriedade estão incluídas nas regras monacais.
SOLUÇÃO. – O estado religioso pode ser considerado a tríplice luz. Primeiro, como um exercício tendente à perfeição da caridade. Segundo, enquanto dá à alma humana a tranquilidade, afastando–a das inquietações materiais, segundo aquilo do Apóstolo: Quero que vós vivais sem inquietação. Terceiro, enquanto é de certo modo um holocausto, pelo qual nos oferecemos totalmente a Deus com tudo o que temos. E, assim sendo, o estado de religião fica completo, com esses três votos.
Primeiramente, pois, o exercício da perfeição requer que o religioso renuncie ao que poderia impedir–lhe o afeto de tender totalmente para Deus, no que consiste a perfeição da caridade. Ora, esses impedimentos são três. Primeiro, a cobiça dos bens externos, eliminada pelo voto de pobreza. – Segundo, a concupiscência dos prazeres sensíveis, dentre os quais têm predominância os prazeres venéreos, excluídos pelo voto de continência. – Terceiro, a desordem da vontade humana, excluída pelo voto de obediência.
Semelhantemente, as inquietações com as coisas do século assaltam o homem sobretudo em três circunstâncias. – Primeiro, na dispensação dos bens materiais; solicitude essa eliminada pelo voto de pobreza. – Segundo, no governo da mulher e dos filhos, eliminada pelo voto de continência. – Terceiro, na disposição dos próprios atos, de que o religioso se abstém pelo voto de obediência, pelo qual se entrega à disposição de outrem.
Do mesmo modo, é holocausto o oferecermos a Deus tudo o que temos, como diz Gregório. Ora, o homem tem três espécies de bens, segundo o Filósofo. – Primeiro; as coisas externas, que totalmente oferece o religioso a Deus pelo voto da pobreza voluntária. – Segundo, o bem do próprio corpo, que oferece a Deus sobretudo pelo voto de continência, pelo qual renuncia aos mais intensos prazeres sensíveis. – Terceiro, o bem da alma, totalmente oferece a Deus pela obediência; por esta oferece a Deus a sua própria vontade, pela qual nos servimos de todas as potências e de todos os hábitos da alma. Por isso, o estado de religião fica completo, convenientemente, com os três votos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como dissemos, o estado de religião tem como fim a perfeição da caridade, que abrange todos os atos internos das virtudes, das quais é a caridade a mãe, segundo o Apóstolo: A caridade é paciente, é benigna, etc. Por onde, os atos interiores de virtude, como os da humildade, da paciência e outros, não caem sob o voto de religião, que se ordena para eles como para o fim.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os atos das observâncias religiosas se ordenam aos referidos três votos principais. – Pois, se as religiões fazem certas prescrições com o fim de obter a subsistência, como o trabalho, a solicitação de esmolas e outros semelhantes, essas prescrições se incluem na pobreza, a observância da qual leva os religiosos a buscar a sua subsistência dos referidos modos. – Outras práticas com quem maceram o corpo, como as vigílias, os jejuns e outras assim, diretamente se ordenam à observância do voto de continência. – Outras ainda, que elas instituem, relativas aos atos humanos, que ordenam o religioso ao fim da religião, isto é, ao amor de Deus e do próximo, como a leitura, a oração, a visita aos doentes e outras semelhantes, compreendem–se no voto de obediência, relativo à vontade, pelo qual o religioso ordena os seus atos para o fim, em dependência da disposição de outrem. – Quanto à determinação do hábito é ela o objeto de todos os três votos, como o sinal da obrigação assumida. Por isso, o hábito regular é dado ou bento simultaneamente com a profissão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela obediência o religioso oferta a Deus a sua vontade; ao qual, embora estejam sujeitas todas as coisas humanas, certas, como os nossos atos, lhe estão só a ele especialmente sujeitos; pois, as paixões pertencem também ao apetite sensitivo. Por isso, afim de coibir as paixões dos prazeres carnais e dos desejos das cousas externas, que impedem a perfeição da vida, tornam–se necessários os votos de continência e de pobreza. Mas, para dispor as próprias ações, conforme o requer a perfeição do estado, é necessário fazer o religioso o voto de obediência.
RESPOSTA À QUARTA. – Como diz o Filósofo, a honra, própria e verdadeiramente falando, não é devida senão à virtude. Mas, como os bens externos servem de instrumento a certos atos virtuosos, por consequência também honramos a excelência deles; e sobretudo a honra o vulgo, que percebe só a excelência exterior. Por onde, os religiosos, que buscam a perfeição virtuosa, não podem renunciar à honra, atribuída a Deus e aos varões santos por causa da virtude, como diz a Escritura: Para mim têm sido singularmente honrados os teus amigos, Ó Deus. Mas, renunciam à honra atribuída à excelência exterior, desde que renunciaram à vida secular. Por onde, não é necessário, para assim procederem, um voto especial.
O sexto discute–se assim. – Parece que a perfeição religiosa não exige os votos de pobreza, continência e obediência.
1. – Pois, a disciplina reguladora da perfeição nos foi dada pelo Senhor. Ora, o Senhor, ao dar a forma da perfeição, disse: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres, sem fazer menção nenhuma do voto. Logo, parece que o voto não é exigido pela disciplina religiosa.
2. Demais. – O voto consiste numa certa promessa feita a Deus; por isso na Escritura o Sábio, depois de ter dito – Se fizeste algum voto a Deus, trata de o cumprir logo – acrescenta imediatamente: Porque lhe desagrada a promessa infiel e imprudente. Ora, quando se dá alguma coisa não é preciso fazer a promessa de dá–la. Logo, basta à perfeição religiosa praticarmos a pobreza, a continência e a obediência, sem voto.
3. Demais. – Agostinho diz: O que há de mais grato nos nossos deveres é darmos por amor o que tínhamos a liberdade de não dar. Ora, o que fazemos, sem voto, poderíamos não o fazer; o que não se dá quando o fazemos por voto. Logo, parece mais grato a Deus praticar a pobreza, a continência e a obediência, sem voto. Portanto, a perfeição religiosa não requer o voto.
Mas, em contrário, na Lei Antiga os Nazarenos se santificavam com o voto, como se lê na Escritura: Quando um homem ou uma mulher fizerem voto de se santificar e se quiserem consagrar ao Senhor, etc. Os quais significam, como o diz a Glosa, os que chegam ao sumo grau da perfeição. Logo, a perfeição da religião requer o voto.
SOLUÇÃO. – Os religiosos por natureza. vivem no estado de perfeição, como do sobredito se colhe. Ora, o estado de perfeição obriga às coisas da perfeição. As quais por um voto é que as fazemos a Deus. Ora, é manifesto, pelo que ficou dito, que a perfeição da vida cristã exige a pobreza, a continência e a obediência. Por onde, o estado de religião requer essa tríplice obrigação por meio do voto. Por isso diz Gregório: Dar tudo o que temos, toda a nossa vida e todos os nossos prazeres a Deus onipotente, por meio de um voto, é fazer um holocausto; e em seguida diz ser isso pertinente aos que abandonaram o século presente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor disse que levaria uma vida perfeita quem o seguisse, não de qualquer modo, mas de modo a não voltar atrás. Por isso disse: Nenhum que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. E embora um de seus discípulos voltasse atrás, contudo Pedro, quando o Senhor lhe interrogou Quereis vós outros também retirar–vos – respondeu pelos outros: Senhor, para quem havemos de ir? O que comenta Agostinho: Como o nosso Mateus e Marcos, Pedra e André, sem puxarem suas barcas para terra, como se tivessem de voltar a elas, seguiram–no como lhe obedecendo à ordem. Ora, essa constância em seguir a Cristo firma–a o voto. Por onde, a vida religiosa requer o voto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A perfeição religiosa exige como diz Gregório, que cumpramos o voto feito a Deus. Ora, o homem não pode consagrar a Deus toda a sua vida, atualmente, pois não a vive ele toda ao mesmo tempo, mas sucessivamente. Por onde, o homem não pode consagrar toda a sua vida a Deus senão pela obrigação do voto.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Dentre o mais que nos é lícito dar a outrem, está também a nossa liberdade, para nós mais cara do que tudo. Por onde, quem espontaneamente e por um voto se priva da liberdade de se ocupar com outras coisas, que não sejam o serviço divino, pratica um ato agradabilíssimo a Deus for isso; diz Agostinho: Não te arrependas de ter jeito um voto; ao contrário, alegra–te por já não te ser lícito o que em teu detrimento te teria sido. Feliz necessidade, que obriga ao melhor.
O quinto discute–se assim. – Parece que a perfeição religiosa não requer a obediência.
1. – Pois, o estado religioso requer as obras superrogatórias, a que nem todos estão obrigados. Ora, a obedecer os prelados estão todos obrigados, segundo aquilo do Apóstolo: Obedecei a vossos superiores e sede–lhes sujeitos. Logo, parece que a perfeição religiosa não requer a obediência.
2. Demais. – Parece que a prática da obediência é própria sobretudo dos que devem se submeter à direção de outrem; e é assim própria dos sem discernimento. Ora, o Apóstolo diz: O mantimento sólido é dos perfeitos, daqueles que pelo costume tem os sentidas exercitados para discernir o bem e o mal. Logo, parece que a obediência não é exigida pelo estado dos perfeitos.
3. Demais. – Se a perfeição religiosa exigisse a obediência, a todos os religiosos haveria ela de convir. Ora, não convém a todos; pois, certos levam uma vida solitária, sem superiores a que obedeçam; e também os prelados das religiões parece não estarem adstritos à obediência. Logo, parece que a perfeição religiosa não requer a obediência.
4. Demais. – Se a religião exigisse o voto de obediência, consequentemente os religiosos estariam obrigados a obedecer em tudo aos seus superiores, assim como pelo voto de continência estão obrigados a se abster de todo ato sexual. Ora, não estão obrigados a obedecer em tudo, como se estabeleceu, quando se tratou da virtude da obediência. Logo, a religião não requer o voto de obediência.
5. Demais. – Os serviços mais agradáveis a Deus são os que lhe prestamos liberal e não necessariamente, segundo o Apóstolo: Não com tristeza nem por força. Ora, o que fazemos por obediência, por necessidade de preceito o fazemos. Logo, são mais dignas de louvor as obras espontaneamente feitas; e portanto o voto de obediência não é próprio à religião, por meio da qual buscamos uma vida superior.
Mas em contrário. – A perfeição religiosa sobretudo, consiste na imitação de Cristo, segundo o Evangelho: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; depois vem e segue–me. Ora, o que sobretudo devemos imitar em Cristo é a sua obediência, segundo aquilo do Apóstolo: Feito obediente até a morte. Logo, parece que a obediência está incluída na perfeição religiosa.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado religioso é uma disciplina ou um exercício tendente à perfeição. Ora, quem se instrui ou se exerce para chegar a um determinado fim, há de necessariamente seguir a direção de outrem, pelo arbítrio do qual é instruído e dirigido, quase um discípulo sob a direção do mestre. Por onde, é necessário os religiosos, no atinente à vida religiosa, sujeitarem–se à instrução e às ordens de outrem. Donde o dizer um cânone: A vida dos monges implica a ideia de sujeição e de aprendizagem. Ora, às ordens e às instruções de outrem nós nos sujeitamos pela obediência. Logo, a perfeição religiosa requer a obediência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Obedecer aos prelados, quando a necessidade da virtude o exige, não é obra superrogatória, mas comum a todos; mas, obedecer, pelo exigir o exercício da perfeição, só compete propriamente aos religiosos. E esta obediência está para aquela como o universal, para o particular. Pois, os que vivem no século conservam para si uma parte de seus bens e dão outra a Deus; e por aí se sujeitam à obediência dos prelados. Mas, os que vivem em religião se consagram a "Deus a si mesmos com tudo o que têm, como do sobredito resulta. Por onde, a obediência a que estão sujeitos é universal.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz o Filósofo, os que se exercitam em certas obras chegam a ter um hábito que, uma vez adquirido, lhes torna sobremaneira fácil à prática, dessas obras. Assim também os que ainda não atingiram a perfeição chegam a obtê–la por meio da obediência. E aos que já a alcançaram torna–selhes mui pronta a obediência; não que precisem ser dirigidos para adquirirem a perfeição, mas por se manterem, desse modo, na perfeição já adquirida.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A sujeição dos religiosos se refere principalmente aos bispos, que estão para ees como os que aperfeiçoam estão para os aperfeiçoados. O que está claro em Dionísio, quando diz: A ordem dos monges deve estar sujeita à dos pontífices para assim adquirirem a perfeição e serem instruídos pela iluminação divina, por meio deles. Por onde, à obediência aos bispos não podem furtar–se nem os eremitas nem mesmo os prelados das religiões. E se forem total ou parcialmente isentos dela pelos bispos diocesanos, ficam ainda assim obrigados a obedecer ao Sumo Pontífice, não somente em matéria comum a todos, mas também no que especialmente respeita à disciplina da religião.
RESPOSTA À QUARTA. – O voto de obediência próprio da religião se estende à disposição toda a vida humana. – E sendo assim, o voto de obediência tem uma certa universalidade, embora não abranja todos os atos particulares. Pois, destes certos não pertencem à religião, porque não implicam matéria do amor de Deus e do próximo, como o ato de puxar a barba, ou o de levantar uma varinha do solo e outros semelhantes, que não constituem matéria de voto nem de obediência. Mas, há outros atos que são contrários à religião. Nem há, neste assunto, nenhum símile com o voto de continência, exclusivo dos atos de todo contrários à perfeição religiosa.
RESPOSTA À QUINTA. – A necessidade imposta pela coação causa o involuntário, e por isso exclui a ideia de louvor ou de mérito. Ora, a necessidade consequente à obediência não é imposta pela coação, mas resulta da vontade livre, pela qual queremos obedecer, embora talvez não queiramos cumprir uma determinada ordem, em si mesma considerada. Donde vem que o nos sujeitarmos, pelo voto de obediência e por amor de Deus, à necessidade de praticarmos certos atos, que em si mesmos nos desagradam, torna esses atos mais agradáveis a Deus, mesmo se forem de pouca monta. Porque não podemos fazer nada de maior por Deus do que, por amor dele, sujeitarmos a nossa vontade à vontade de outrem. Por isso foi dito que o pior gênero de monges é o dos Sarabeitas , que, tratando dos seus interesses e inteiramente livres do jugo dos mais velhos, têm a liberdade de fazer o que bem lhes aprouver; e contudo, mais do que aqueles que passam a vida nos cenóbios, consomem–se no trabalho dia e noite.
O quarto discute–se assim. – Parece que a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
1. – Pois, toda a perfeição da vida cristã começou com os Apóstolos. Ora, parece que os Apóstolos não conservavam a continência, pois, lemos no Evangelho que Pedro tinha uma sogra. Logo, parece que a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
2. Demais. – Abraão nos é apresentado como o exemplar da perfeição, a quem o Senhor disse: Anda em minha presença e sê perfeito. Ora, o exemplado não há de exceder o exemplar. Logo, a continência perpétua não é necessária para o estado de religião.
3. Demais. – As exigências da perfeição religiosa são as mesmas em todas as religiões. Ora, certos religiosos são casados. Logo, a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Purifiquemo–nos de toda a imundície da carne e do espírito, aperfeiçoando a nossa santificação o temor de Deus. Ora, a pureza da carne e do espírito se consegue pela continência, e por isso diz ainda o Apóstolo: A mulher solteira e a virgem cuida nas causas que são do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito. Logo, a perfeição religiosa exige a continência.
SOLUÇÃO. – O estado religioso requer a separação de tudo o que impede o cumprimento perfeito do serviço de Deus. Ora, a conjunção carnal impede a alma de dar–se totalmente ao serviço de Deus, de dois modos. – Primeiro, pela veemência do prazer, cujo exercício frequente aumenta a concupiscência, como também o ensina o Filósofo. Donde vem que as práticas venéreas afastam a alma da resolução de tender perfeitamente para Deus. E isso o diz Agostinho: Não conheço nada mais capaz de destruir a viril fortaleza da alma, do que as blandícias femininas e aquele contato corpóreo sem o qual não se pode ter uma esposa. – Segundo, por causa dos cuidados impostos ao homem pelo governo da mulher, dos filhos e dos bens temporais que lhes garantam o sustento. Donde o dizer o Apóstolo: O que está sem mulher está cuidadoso das causas que são do Senhor, de como há de agradar a Deus; mas o que está com mulher está cuidadoso das causas que são do mundo, de como há de dar gosto a sua mulher. – Por onde, a continência perpétua, assim como a pobreza voluntária, é exigida para a perfeição religiosa. Por isso, assim como foi condenado Vigilâncio, que igualou a riqueza à pobreza, assim também o foi Joviniano, que equiparou o matrimónio à virgindade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não só a perfeição da pobreza mas também a da virgindade foi ensinada por Cristo, quando disse: Há uns castrados que a si mesmo se castraram por amor do reino dos céus; e acrescenta: O que é capaz de compreender isto compreenda–o. E para não tirar a ninguém a esperança de chegar à perfeição, tomou, para o estado dela, mesmo os que viviam a vida do matrimónio. Pois, não podiam os mandos, sem injustiça, abandonar as suas mulheres, como sem detrimento podiam abandonar todas as suas riquezas. Por isso Pedro, a quem encontrou unido pelo matrimónio, não o separou da sua mulher. Mas a João, que queria casar–se, dissuadiu que o fizesse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, a castidade do celibatário é superior à dos casados; e dessas duas espécies de castidade, Abraão praticava uma realmente, e ambas, habitualmente. Pois, viveu casto no estado conjugal; mas também poderia ter sido casto fora do matrimônio, mas então não era conveniente que o fosse. Mas nem pelos antigos Patriarcas terem a perfeição de alma simultaneamente com as riquezas e o uso do matrimónio – o que reconstituía uma grande virtude – nem por isso os de menores forças devem, presumir–se de tanta virtude a ponto de poderem chegar à perfeição possuindo riquezas e usando do matrimónio; assim como ninguém presumiria poder atacar os inimigos, pelo fato de ter Sansão trucidado muitos dos seus com a queixada de um burro. Pois, os referidos Patriarcas, se tivessem vivido no tempo em que já se deviam observar a continência e a pobreza, mais aplicadamente cumpririam esses deveres.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os referidos géneros de vida em que os homens usam do matrimónio não constituem religiões, simples e absolutamente falando, mas só de certo modo; isto é, enquanto participam de certas cousas pertinentes ao estado de religião.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a perfeição da vida religiosa não exige a pobreza.
1. – Pois, não pode o estado de perfeição exigir nada de ilícito. Ora, o abandonar o homem todos os seus bens parece ilícito; porém, quando o Apóstolo dá aos fiéis a forma de fazer esmolas diz: Se a vontade está pronta para dar segundo aquilo que tem, é aceita, isto é, de modo que se retenha o necessário. E em seguida acrescenta: Não é minha intenção que os outros hajam de ter alívio e vós fiqueis em aperto; isto é, comenta a Glosa, na pobreza. E àquilo do Apóstolo – Tendo com que nos sustentarmos e com que nos cobrirmos, diz a Glosa: Embora nada tenhamos trazido a este mundo e nada hajamos de levar a ele, não devemos contudo rejeitar completamente os bens temporais. Logo, parece que a pobreza voluntária não é necessária para a perfeição religiosa.
2. Demais. –. Todo aquele que se expõe ao perigo peca. Ora, quem abandonando todos os seus bens e busca voluntariamente a pobreza expõe–se ao perigo espiritual, conforme aquilo da Escritura – Para não suceda que, constrangindo da indigência, me ponha a furtar e viole por um juramento o nome de meu Deus; e noutro lugar – Por causa da pobreza muitos delinquiram. Mas também temporal, conforme ainda a Escritura: Assim como a sabedoria protege, assim protege o dinheiro. E o Filósofo diz, que o desperdício das riquezas importa em uma perda do homem mesmo, porque ele vive delas, Logo, segundo parece, a pobreza voluntária não é necessária para a perfeição na vida religiosa.
3. Demais. – A virtude consiste numa mediedade, como diz Aristóteles. Ora, quem abandona tudo, pela pobreza voluntária, parece que não está numa mediedade, mas antes, num extremo. Logo, não procede virtuosamente e, portanto, não vive uma vida de perfeição.
4. Demais. – A perfeição ultima do homem consiste na felicidade. Ora, as riquezas contribuem para ela, segundo a Escritura: Bem–aventurado o rico que foi achado sem mancha. E o Filósofo diz, que instrumentalmente as riquezas servem à felicidade. Logo, a pobreza voluntária não é necessária à perfeição religiosa.
5. Demais. – O estado episcopal é mais perfeito que o de religião. Ora, os bispos podem ter bens próprios, como se estabeleceu. Logo, também os religiosos.
6. Demais. – Dar esmolas é a obra mais agradável a Deus; e, como diz Crisóstomo, o remédio mais eficaz para a penitência. Ora, a pobreza impede de dar esmolas. Logo, segundo parece, a pobreza não é necessária ao estado de perfeição.
Mas, em contrário, diz Gregório: Há muitos justos, que apostados a ascender ao cume da perfeição, ao mesmo tempo que se aplicam à perfeição interior, abandonam todos os bens externos. Ora, esforçar–se por atingir o cimo da perfeição é próprio principalmente dos religiosos, como se disse. Logo, importa–lhe abandonar todos os bens exteriores pela prática da pobreza voluntária.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado religioso implica um certo exercício e uma certa disciplina como meio de se conseguir a perfeição da caridade. Para o que é necessário eliminar totalmente todo desejo dos bens temporais; pois, como diz Agostinho, dirigindo–se a Deus: Menos te ama quem, ao mesmo tempo que a ti, ama outra coisa e não por amor de ti. E por isso ainda diz, que o alimento da caridade é a diminuição da cobiça; e a perfeição é não ter cobiça nenhuma. Ora, quem possui bens temporais é por isso mesmo aliciado na sua alma a amá–los. Donde o dizer Agostinho, os bens terrenos, quando adquiridos, são amados mais intensamente que quando somente desejados. Assim, por que se foi embora triste aquele jovem (do Evangelho) senão porque tinha grandes riquezas? Pois, uma causa é não querermos possuir o que não temos e outra, abandonar o que já possuímos: aquilo o repudiamos como alheio e isto o abandonamos como se nos cortassem um membro. E Crisóstomo diz, que o acréscimo das riquezas acende o fogo do desejo e torna a cobiça mais veemente. Donde vem que para se adquirir a perfeição da caridade o primeiro fundamento é a pobreza voluntária que nos leva a viver sem nada de próprio, conforme o ensino do Senhor: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; depois vem e segue–me.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como acrescenta a Glosa a esse mesmo lugar, o Apóstolo quando disse – não fiquemos nós em aperto, isto é, na pobreza, não quis com isso significar que não fosse melhor dar tudo, mas que teme pelos fracos, advertindo–os a darem de modo que não venham sofrer indigência. Donde e semelhantemente, conforme outra Glosa, não devemos entender o dito do Apóstolo como se significasse não ser lícito abandonar todos os bens temporais, mas que isso não o exige a necessidade. Por isso Ambrósio diz: O Senhor não quer, por necessidade de preceito, que distribuamos de uma vez todas as nossas riquezas, mas que as dispensemos; a não ser talvez num caso como o de Eliseu que matou os seus bois e alimentou os pobres com o que tinha, para não ter preocupações domésticas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem abandona tudo o que tem por amor de Cristo não se expõe a nenhum perigo espiritual nem temporal. Pois, perigo espiritual resulta da pobreza quando ela não é voluntária; porque o desejo de acumular riquezas, que domina os pobres involuntários, arrasta o homem a muitos pecados, segundo o Apóstolo: Os que querem fazer–se ricos caem na tentação e no laço do diabo. Ora, esse desejo o depõem os que abraçam a pobreza voluntária, e ele domina sobretudo os que possuem riquezas, como do sobredito resulta. Perigo corporal também não ameaça aos que, com a intenção de seguir a Cristo, abandonam todos os seus bens, confiando na divina providência. Por isso Agostinho diz: Os que buscam antes de tudo o reino e a justiça de Deus não devem andar solícitos para não faltarem do necessário.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A mediedade da virtude, segundo o Filósofo, se funda na razão reta e não na quantidade material. Por onde, tudo o que podemos fazer fundados na razão reta não é vicioso por causa da grandeza quantitativa, mas antes, virtuoso. Iria, pois, contra a razão reta quem consumisse todos os seus bens· por intemperança ou sem utilidade. Mas, procede de acordo com a razão reta quem abandona as suas riquezas para vacar à contemplação da sabedoria, o que se conta mesmo de certos filósofos. Assim, refere Jerônimo: Crates, famoso Tebano, homem outrora riquíssimo, quando chegou a Atenas para se dedicar à Filosofia, depôs de si um grande peso de ouro, porque pensava não ser possível possuir ao mesmo tempo virtudes e riquezas. Por onde, muito mais de acordo com a razão reta é abandonar alguém todos os seus bens para seguir perfeitamente a Cristo. Por isso diz Jerônimo: Pobre, segue a Cristo pobre.
RESPOSTA À QUARTA. – Há uma dupla espécie de beatitude ou felicidade: a perfeita, que esperamos na vida futura, e a imperfeita, pela qual somos felizes nesta vida. Ora, a felicidade da vida presente é de duas sortes: uma a da vida ativa; a outra, a da contemplativa, como está claro no Filósofo. Para a felicidade da vida ativa, consistente na atividade externa, coadjuvam instrumentalmente as riquezas; pois, como diz o Filósofo, os amigos, as riquezas e o poder civil são uns como instrumentos pelos quais agimos. Mas, não contribuem para a felicidade da vida contemplativa; antes, a impedem, porque o cuidado deles perturbam a tranquilidade da alma, necessária por excelência de ao contemplativo. Por isso diz o filósofo, que para agir há necessidade de muitas coisas; mas, o contemplativo nenhuma necessidade tem de tais causas, isto é, dos bens temporais, necessários para a vida ativa, pois, são antes um empecilho à especulação. Quanto à vida futura, a ela nos ordenamos pela caridade. E como a pobreza voluntária é eficaz exercício para se alcançar a caridade perfeita, por isso vale muito para ganharmos a felicidade celeste. Por isso o Senhor diz: Vai, vende o que tens e dá–o aos pobres e terás um tesouro no céu. Mas, as riquezas acumuladas são por natureza obstáculos à perfeição da caridade, principalmente porque atraem e dispersam a alma; por isso diz o Evangelho: Os cuidados deste mundo e o engano das riquezas sufocam a palavra de Deus; porque, como adverte Gregório, não deixando eles os bons desejos entrarem no coração, extinguem por assim dizer o sopro vital. Donde o ser difícil conservar–se a caridade no meio das riquezas. E daí o dito do Senhor: Um rico dificultosamente entrará no reino dos céus. O que devemos entender não do que tem riquezas atualmente; pois do que põe nelas o seu afeto é que diz ser impossível entrar no reino, segundo a exposição de Crisóstomo, porque a seguir acrescenta o Senhor: É mais fácil passar um camelo pelo juro de uma agulha do que entrar um rico no reino dos céus. Por isso, o rico não é considerado feliz, absolutamente falando, mas, o que foi achado sem mácula e que se não deixou ir após o ouro. Porque praticou assim um ato difícil, donde o acrescentar a Escritura: Quem é este e nós o louvaremos? porque fez causas maravilhosas em sua vida, isto é, vivendo no meio das riquezas, não as amou.
RESPOSTA o QUINTA. – O estado episcopal não tem por fim alcançar a perfeição; mas, pela perfeição que já tem – é que deve o bispo exercer o governo, ministrando não só os bens espirituais, mas também os temporais. E isto constitui a vida ativa muitos de cujos atos são favorecidos– instrumentalmente pelas riquezas, como dissemos. Por isso não se exige dos bispos, que devem exercer o governo do rebanho de Cristo, que não tenham bens próprios, como é exigido dos religiosos, que professam num estado onde devem adquirir a perfeição.
RESPOSTA À SEXTA. – A renúncia das riquezas próprias está para a distribuição de esmolas, como o universal, para o particular e o holocausto, para o sacrifício. Por isso diz Gregório: Aqueles que dão esmolas dos bens que possuem, praticando o bem assim, oferecem um sacrifício, porque se reservam algo para si; por outro lado fazem uma imolação a Deus. Mas quem nada reserva para si oferece um holocausto, e este é mais que o sacrifício. Donde também o dizer Jerônimo: A asserção, que procede melhor quem usa de seus bens e pouco a pouco divide com os pobres o fruto das suas riquezas, não a respondo eu a ti, mas o Senhor, quando diz: Se queres ser perfeito, etc. E depois acrescenta: Esse estado que tu louvas, é o do segundo e do terceiro grau e é o nosso; mas devemos não esquecer que o primeiro grau é superior ao segundo e ao terceiro. E por isso é que foi determinado, para excluir o erro de Vigilância. Ê bom distribuir aos poucos as riquezas próprias com os pobres; melhor é, com a intenção de seguir a Cristo, dá–las todas de uma vez e entregar–se a Cristo, livre de todos os cuidados.
O segundo discute–se assim. – Parece que todo religioso está obrigado à prática de todos os conselhos.
1. – Pois, quem professa um estado está obrigado a tudo o que esse estado exige. Ora, todo religioso professa o estado de perfeição. Logo, todo religioso está obrigado a todos os conselhos pertinentes ao estado de religião.
2. – Demais. – Gregório diz: Quem abandona o século presente e pratica todo o bem de que é capaz nos lembra a conduta daquele povo que, afastado do Egipio, foi sacrificar no deserto. Ora, abandonar o século é dever especial dos religiosos. Logo, todos eles estão obrigados a praticar todo bem de que são capazes; e portanto parece que todos estão obrigados à prática de todos os conselhos.
3. Demais. – Se o estado de perfeição não exige a prática de todos os conselhos, parece que basta a de alguns. Ora, isto é– falso, porque muitos, vivendo a vida do século, praticam certos conselhos, como o demonstram os que guardam continência. Logo, todo religioso está obrigado, segundo parece, a todas as obras de perfeição, nas quais se incluem os conselhos.
Mas, em contrário. – Ninguém está obrigado às obras superrogatórias senão por uma obrigação livremente assumida. Ora, todo religioso se obriga a certas e determinadas obras: uns a umas, outros a outras. Logo, não estão todos obrigados a todas.
SOLUÇÃO. – De três modos pode uma prática constituir a perfeição. – Primeiro essencialmente. E então, como dissemos, pertence à perfeição a perfeita observância dos preceitos da caridade. – De outro modo, pode constituir a perfeição, por consequência, como o que resulta da perfeição da caridade; por exemplo, a bendizermos a quem maldiz de nós e outras práticas semelhantes. Práticas estas que, embora sejam de preceito, para a preparação da nossa alma, isto é, para estarmos prontos a fazê–las quando o exigir a necessidade, contudo, por superabundância de caridade somos levados, às vezes, a praticá–las, embora não sejam obrigatórias. Em terceiro sentido uma prática constitui perfeição instrumental e positivamente, como a da pobreza, da continência, da abstinência e outras.
Pois, como dissemos, a perfeição mesma da caridade é o fim do estado religioso. Ora, o estado de religião é uma disciplina ou um exercício conducente à perfeição. A qual certos se esforçam por chegar por meio de exercícios diversos; assim como um médico pode empregar remédios diversos para curar. Ora, é manifesto que quem obra para um fim, não há de necessariamente já ter alcançado esse fim, mas, há de tender para ele de algum modo. Por onde, quem assume o estado de religião não está obrigado a já possuir a caridade perfeita, mas o está a tender esforçadamente a possui–la.
E pela mesma razão não está o religioso obrigado a praticar o que é uma consequência da perfeição da caridade; mas o está a esforçar–se pelo praticar. Contra o que age aquele que despreza fazê–lo. Por onde, não peca preterindo essas obras, mas, desprezando–as. Semelhantemente, não está obrigado a todos os exercícios conducentes à perfeição; mas aqueles, determinada e taxativamente exigidos pela regra que professou.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem entra para o estado religioso não se dá por isso como perfeito, mas se confessa como apostado a adquirir a perfeição. Assim como quem entra numa escola não se considera por isso como ciente, mas manifesta apenas o seu esforço para adquirir a ciência. Por onde, como diz Agostinho, Pitágoras não queria passar por sábio, mas, por amante da sabedoria. Por isso, não é transgressor da sua profissão o religioso que não é perfeito; mas só se deixar de se esforçar por adquirir a perfeição.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como todos estão obrigados a amar a Deus de todo o coração, havendo contudo uma totalidade de perfeição que não pode sem pecado ser preterida, e outra que sem pecado pode sê–la, contanto que o seja sem desprezo, como dissemos, assim também de certo modo obrigados a fazer tudo o que possam de bom, pois, a todos diz a Escritura Obra com presteza tudo quanto pode fazer a tua mão. Há porém, um modo de cumprir este preceito pelo qual evitamos o pecado, e é fazermos o que podemos, conforme o exige a condição do nosso estado; contanto que não tenhamos desprezo pela prática de atos melhores, desprezo que infirma a alma para o progresso espiritual.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Há certos conselhos que, se fossem preteridos fariam enredar–se totalmente a vida humana em negócios seculares. Por exemplo, o ter um bens próprios, usar do matrimônio ou de coisas semelhantes, contrárias às exigências essenciais do voto religioso. Por onde, os religiosos estão obrigados a observar as referidas exigências impostas por esses conselhos. Mas, há certos conselhos relativos à melhor prática de certos atos particulares, que podem ser preteridos sem a vida do religioso se implicar em negócios seculares. Por onde, não hão de necessariamente os religiosos estar obrigados à prática de todos eles.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a religião não implica o estado de perfeição.
1. – Pois, o que é de necessidade para a salvação não pertence ao estado de perfeição. Ora, a religião é de necessidade para a salvação, porque como diz Agostinho, por ela nós nos unimos ao verdadeiro Deus. Ou a religião assim se chama por termos reelegido Deus, que por nossa negligência perdemos, segundo ainda Agostinho. Logo, parece não designa a religião nenhum estado perfeito.
2. Demais. – A religião, segundo Túlio, é que nos leva a prestar o culto e as cerimônias devidas à natureza divina. Ora, prestar culto a Deus e as cerimônias devidas parece ser próprio, antes, ao ministério das ordens sacras do que à diversidade dos estados, como do sobredito resulta. Logo, parece que não designa a religião um estado de perfeição.
3. Demais. – O estado de perfeição distingue–se por oposição ao dos principiantes e dos proficientes. Ora, também na religião há certos que são principiantes e outros, proficientes. Logo, a religião não designa nenhum estado de perfeição.
4. Demais. – A vida religiosa é uma vida de penitência. Pois, diz um cânone: O santo sínodo ordena que todo aquele que, da dignidade pontifical, descer para a vida monacal e de penitência, já não volte para o pontificado. Ora, a vida de penitência se opõe ao estado de perfeição; por isso Dionísio coloca os penitentes num lugar ínfimo, isto é, entre os que se purificam. Logo, parece não ser a religião um estado de perfeição.
Mas, em contrário, diz o Abade Moisés, falando dos religiosos: Os jejuns, as vigílias, os trabalhos corpóreos, a nudez, a leitura e as demais virtudes sabemos que as devemos praticar como outros tantos degraus pelos quais possamos ascender à perfeição da caridade. Ora, os atos humanos se especificam e se denominam pelo fim a que tendem. Logo, os religiosos estão num estado de perfeição. E Dionísio também diz que os chamados servos de Deus estão unidos à amável perfeição pelo puro serviço divino o que se sujeitam.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, o que convém em comum a muitos atribui–se antonomasticamente àquilo a que convém por excelência. Assim, o nome de fortaleza vindica–o para si aquela virtude que nos faz conservar a firmeza de alma em face dos maiores perigos; e propriamente se chama temperança àquela virtude que regula o gozo dos prazeres por natureza mais intensos. Ora, a religião, como estabelecemos, é uma virtude, pelo qual nos dedicamos ao serviço e ao culto de Deus. Donde o se chamarem por antonomásia religiosos os que totalmente se consagram ao serviço divino, quase oferecendo–se em holocausto a Deus. Por isso diz Gregório: Há pessoas que nada reservam para si; mas imolam a Deus onipotente os sentidos, a língua, a vida e a substância, que receberam, ao Senhor onipotente. Ora, a perfeição do homem consiste em unir–se totalmente a Deus, como do sobredito se colhe. E, assim sendo, a religião designa um estado de perfeição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Prestar um culto a Deus é de necessidade para a salvação; mas constitui perfeição o consagrar–se alguém totalmente a si e aos seus bens ao culto divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. Como dissemos, quando tratamos da virtude de religião, a esta pertence não só fazer oblações de sacrifícios e coisas semelhantes, que são próprias dela, mas também a prática de todos os atos virtuosos, enquanto referidos do serviço e à honra de Deus. E assim, quem consagra toda a sua vida ao serviço divino, a dedica totalmente à religião. Por onde, pela vida religiosa, que levam, chamam–se religiosos os que vivem no estado de perfeição.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a religião designa um estado de perfeição tendente a um certo fim. Por onde, não é necessário que aquele que vive em religião já seja perfeito, mas, que tenda para a perfeição. Por isso, àquilo do Evangelho – Se queres ser perfeito diz Orígenes: Quem preferiu a pobreza às suas riquezas, para tornar–se perfeito, nem por isso perfeito se tornou de todo no momento mesmo em que distribuiu os seus bens aos pobres; mas, desde esse dia, a meditação nas causas de Deus começou a levá–lo à prática de todas as virtudes. E deste modo, nem todos os que vivem em religião são perfeitos; mas, uns são principiantes e outros, proficientes.
RESPOSTA À QUARTA. – O estado religioso foi principalmente instituído para se alcançar a perfeição, por meio de certos exercícios, que eliminam os impedimentos à caridade perfeita. Ora, eliminados os impedimentos à perfeita caridade, cortam–se muito mais pela raiz as ocasiões do pecado, que totalmente nos privam delas. Por onde e consequentemente como o fim da penitência é eliminar as causas do pecado, o estado religioso é um estado mui apropriado à penitência. Por isso, a um certo, que matara a mulher, o direito lhe aconselha entrar, antes, para um mosteiro, considerado como um meio melhor e mais leve de fazer penitência do que fazê–la publicamente, permanecendo no século.
O oitavo discute–se assim. – Parece que os religiosos promovidos a bispos não ficam obrigados à observância das regras.
1. – Pois, diz um cânone, que a eleição canônica absolve o monge do jugo imposto pela profissão da regra monástica e a sagrada ordenação faz, do monge, bispo. Ora, observar as regras constitui o jugo da regra. Logo, os religiosos eleitos para bispos não estão obrigados a observar as regras.
2. Demais. – O que sobe do grau inferior para o superior parece que não está adstrito às obrigações do grau inferior, como dissemos a respeito do religioso, desobrigado dos votos que fez no século. Ora, o religioso eleito para o episcopado sobe a um grau mais elevado, como dissemos. Logo, parece não estar o bispo obrigado às observâncias a que estava adstrito no estado de religião.
3. Demais. – Sobretudo os religiosos estão obrigados à obediência e a viver sem propriedade particular. Ora, os religiosos escolhidos para o episcopado não estão obrigados a obedecer aos prelados das suas religiões, que são os seus superiores. Nem estão adstritos à pobreza, pois, como ordena o decreto supra efeito, aquele a quem a ordenação fez, de monge, bispo, tem, como herdeiro legítimo, o poder de juridicamente vindicar para si a herança paterna. E às vezes também lhe é dado o poder de fazer testamento. Logo, com maior razão, deixam de estar sujeitos às outras observâncias regulares.
Mas, em contrário, um cânone determina: Os monges que viveram durante muito tempo nos mosteiros se depois receberam as ordens do clericato, determinamos que não deve abandonar o estado de vida anterior.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado de religião implica a perfeição como via, para chegar a ela; ao passo que o estado episcopal implica a perfeição por ser um como magistério dela. Por onde, o estado de religião está para o estado episcopal como a disciplina, para o magistério e a disposição, para a perfeição. Ora, a disposição não é incompatível com a perfeição, salvo por onde lhe repugnar a esta; mas, pela conformidade que tem com ela, antes a confirma. Assim como o discípulo, uma vez chegado ao magistério, já não lhe cabe ser ouvinte; mas, cabelhe ler e meditar, ainda mais que antes.
Donde devemos concluir, que as observâncias regulares não impeditivas do ofício pontifical, e que, pelo contrário, ajudam a alcançar a perfeição, como a continência, a pobreza e outras semelhantes, a que está obrigado o religioso, a essas também o está depois de leito bispo. E por consequência está adstrito o trazer o hábito da sua religião, que é o sinal dessa obrigação. Porém as observâncias regulares repugnantes ao oficio pontifical, como a solidão, o silêncio e certas abstinências ou vigílias graves, que tornariam o corpo incapaz de exercer o ofício pontifical, a essas não está ele obrigado. E dessas observâncias pode obter dispensa, conforme o exigir a necessidade da pessoa ou do ofício e a condição das pessoas com quem vive do modo pelo qual também os prelados das religiões se dispensam em tais casos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O que de monge se torna bispo fica absolto do jugo da profissão monástica, não em tudo, mas quanto ao que repugna ao ofício pontifical, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os votos da vida secular estão para os votos de religião como o particular, para o universal, segundo dissemos. Ora, os votos religiosos estão para a dignidade pontifical como a disposição, para a perfeição. Mas, enquanto que o particular é inútil em presença do universal, a disposição ainda é necessária, mesmo quando alcançada a perfeição.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Por acidente é que os bispos religiosos não estão obrigados a obedecer aos prelados das suas religiões, pois deixaram de ser os súbditos destes, como se da também com os prelados religiosos. Mas, a obrigação do voto permanece virtual; de modo que se viessem a ter um superior legítimo estavam obrigados a lhe obedecer, na medida em que estão obrigados a obedecer ao estatuto nas regras, do modo referido, e aos seus superiores, se os tiverem. – Mas propriedade de nenhum modo podem ter. Pois, não hão de vindicar como própria a herança paterna, mas, como devida à Igreja. Por isso, no mesmo lugar se acrescenta, que o bispo, depois de ordenado, restitua o que pode adquirir ao altar ao qual foi consagrado. – Mas, testamento de maneira nenhuma o pode fazer, porque obteve dispensa só em relação aos bens eclesiásticos, e essa dispensa se lhe acaba com a morte, sendo só daí que começa valer o testamento, como diz o Apóstolo. Se porém por concessão do Papa, fizer testamento, não se entende como o tendo feito por autoridade própria; mas, entende–se que a autoridade Apostólica ampliou–lhe os poderes, com a sua dispensa, de modo que esta venha a valer depois da morte.
O sétimo discute–se assim. – Parece que os bispos pecam mortalmente se não dão aos pobres os bens eclesiásticos, que grangeiam.
1. – Pois, expondo aquilo do Evangelho o campo de um homem rico tinha dado abundantes frutos – diz Ambrósio: Ninguém considere próprio o que é comum; apropriar–se de mais que o necessário para viver é praticar uma violência. E a seguir acrescenta: Tirar o seu a seu dono não é menor crime que negar ao necessitado o de que abundamos e lhe podemos dar. Ora, tirar violentamente o seu a seu dono é pecado mortal. Logo, pecam mortalmente os bispos se não dão aos pobres do que lhes sobeja.
2. Demais. – Aquilo de Isaías – A rapina feita ao pobre se acha em vossa casa – diz a Glosa de Jerónimo, que os bens eclesiásticos são dos pobres. Ora, quem guarda para si o bem alheio ou o dá aos outros peca mortalmente e está obrigado a restituir. Logo, os bispos, que retiverem para si os bens eclesiásticos, que lhes forem supérfluos ou o derem aos parentes e amigos, parece ficarem obrigados a restituição.
3. Demais. – É muito mais lícito tomar alguém, dos bens eclesiásticos, o que lhe for necessário do que acumular o supérfluo. Ora, Jerónimo diz: Convém que a Igreja estipendie os clérigos cujos pais e parentes não têm bens para sustentá–los. Mas os que podem manter–se com os bens paternos ou com os seus incorrem em sacrilégio se conservarem para si o que pertence aos pobres. Donde o dizer o Apóstolo: Se alguns dos fiéis tem viúvas, mantenha–as e não seja gravada a Igreja, afim de que haja o que baste para as que são verdadeiramente viúvas. Logo, com maior razão pecam mortalmente os bispos se não derem aos pobres os bens eclesiásticos que lhes sobrarem.
Mas, em contrário, muitos bispos não dão aos pobres o supérfluo, mas o empregam louvavelmente em ampliar os créditos da Igreja.
SOLUÇÃO. – Devemos considerar de um modo os bens que os bispos podem possuir como propriedade particular e, de outro, os bens eclesiásticos. Pois, sobre os bens próprios têm verdadeiro domínio e por isso, pela condição mesma deles, não estão obrigados a dá–los aos outros; mas podem guardá–las para si ou distribuí–los a quem lhes aprouver. Mas, na dispensação deles, podem pecar pela desordenação do afeto, quer por conservarem para si mais do que convém, quer por não socorrerem aos outros, como o exige o dever de caridade. Mas não estão obrigados à restituição, por constituírem tais bens domínio deles.
Mas, dos bens eclesiásticos são os dispensadores ou os administradores. Assim, diz Agostinho: Se privadamente possuímos o que nos basta, o supérfluo não é nosso, mas daqueles de quem somos administradores; e não vindiquemos para nós nenhuma propriedade condenavelmente usurpada. Ora, os dispenseiros devem ser fiéis, segundo o Apóstolo: O que se deseja nos dispenseiros é que eles sejam fiéis.
Mas, os bens eclesiásticos devem ser gastos não só em benefício dos pobres senão também do culto divino e para prover às necessidades dos ministros. Donde a determinação: Dos réditos da Igreja ou da oblação dos fiéis seja dada ao bispo só uma parte; o resto deve servir aos edifícios religiosos e ao sustento dos pobres, e é o presbítero Bonagro que o administrarei sob sua responsabilidade sacerdotal; uma última porção será distribuída avo clérigos segundo o mérito de cada um.
Se, portanto, os bens a serem aplicados ao uso do bispo forem distintos dos destinados aos pobres, aos ministros e do culto da Igreja; e se o bispo retiver para si algo que deve ser distribuído aos pobres ou aplicado à necessidade dos ministros ou ao culto divino, indubitavelmente não procede como fiel dispenseiro, peca mortalmente e está obrigado à restituição. Quanto aos bens especialmente destinados ao seu uso, eles estão submetidos à mesma regra a que estão os seus bens próprios. Assim, afeiçoando–se lhes e usando–os imoderadamente, peca por não socorrer aos outros, como e exige o dever de caridade, e pelos reter imoderadamente para si.
Mas, se os referidos bens não forem distintos a distribuição deles fica entregue à fidelidade do bispo. E se este os distribuir com deficiência ou com excesso, poderá fazê–lo sem detrimento da sua fidelidade; pois, em tal matéria não é possível o homem medir exatamente o que deve fazer. Se, porém, o excesso for demasiado não lhe poderá escapar à percepção, portanto lhe repugna à fidelidade e não será sem pecado mortal. Por isso diz o Evangelho: Se aquele servo sendo mau, disser no seu coração – meu senhor tarda em vir – o que importa em desprezo do juízo divino; e começar a maltratar os seus conservas – o que constituí soberba; e a comer e a beber com os que se embriagam – o que constitui luxúria – virá o senhor daquele servo no dia em que ele o não espera e removê–lo–á, isto é, da sociedade dos bons, e porá a sua parte com os hipócritas, isto é, no inferno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras citadas de Ambrósio não se referem só à dispensa dos bens eclesiásticos, mas de quaisquer bens com que estejamos obrigados, por um dever de caridade, a socorrer aos necessitados. Mas, não é possível determinar quando essa necessidade obrigue sob pena de pecado mortal, assim como não é possível determinar as demais particularidades de que se os atos humanos revestem. Pois, essa determinação é obra da prudência humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os bens eclesiásticos não devem ser gastos só em benefício dos pobres, mas também em outros usos, como se disse. Por onde, não pecará quem quiser subtrair, para seu uso particular ou de seus parentes ou para dar a outrem, algum daqueles bens destinados ao uso do bispo ou de qualquer clérigo. Contanto que o faça moderadamente, isto é, de modo a obviar às suas necessidades e não para tornar–se rico com isso. Por isso diz Ambrósio: Devemos aprovar a liberalidade com que socorres aos teus consanguíneos necessitados; não vás porém até a enriquecê–los com aquilo que poderias dar aos pobres.
RESPOSTA A TERCEIRA. – Nem todos os bens eclesiásticos devem ser dados aos pobres; salvo em artigo de torça maior, como no da redenção dos cativos e no de outras necessidades dos pobres, a que podem ser aplicados mesmos os vasos consagrados ao culto divino, como diz Ambrósio. E perante tais necessidades pecaria o clérigo que quisesse viver dos bens da Igreja, tendo bens patrimoniais com o que pudesse fazer.
RESPOSTA À QUARTA. – Os bens eclesiásticos devem ser destinados ao uso dos pobres. Por isso procede louvavelmente quem, não ha, vendo nenhuma necessidade eminente e de socorrer aos pobres, comprar bens, que sobrem dos proventos eclesiásticos ou os entesourar para futuras necessidades da Igreja e para as necessidades dos pobres. Mas, havendo premente necessidade de os socorrer, é cuidado exagerado e desordenado conservar para o futuro: e o Senhor o proíbe quando diz: Não andeis inquietos pelo dia de amanhã.
O sexto discute–se assim. – Parece que o bispo não pode possuir nada de próprio.
1. – Pois, o Senhor diz: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; depois vem e segue–me. Por onde parece que a pobreza voluntária é de necessidade para a perfeição. Ora, os bispos foram feitos tais para o estado de perfeição. Logo, parece que não lhes é lícito possuir nenhuma propriedade.
2. Demais. – Os bispos têm na Igreja o lugar dos Apóstolos, como diz a Glosa. Ora, o Senhor mandou que os Apóstolos nada possuíssem de seu, conforme está no Evangelho: Não possuais ouro nem prata nem tragais dinheiro nas vossas cintas. E por isso Pedro disse por si e pelos outros Apóstolos: Eis aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos. Logo, parece que os bispos estão obrigados a observar o mandamento de nada possuírem de próprio.
3. Demais. – Jerônimo diz: A palavra grega – cleros – significa em latim – sorte. Por isso se chamam clérigos os que por sorte pertencem ao Senhor; ou porque o próprio Senhor é a sorte, isto é, a parte dos clérigos. Pois, quem o possui nada mais pode possuir além dele. Se portanto, o clérigo que possuir ouro ou prata; que tiver posses, ou alfaias, com tais propriedades não pode fazer ao Senhor a sua parte. Logo, parece que não só os bispos, mas também os clérigos, não devem ter nenhuma propriedade.
Mas, em contrário, determina um cânone, que os bispos poderão, se quiserem deixar aos seus herdeiros os bens próprios adquiridos ou que de qualquer modo possuem.
SOLUÇÃO. – Ninguém está obrigado ao superrogatório, salvo se a este se obrigou especialmente por meio de um voto. Por isso diz Agostinho: Desde que fizeste voto, já te obrigaste e não te é lícito proceder de outro modo. Mas, antes de te teres ligado pelo voto, estavas livres de viver de outra maneira. Ora, é claro que viver sem propriedade é superrogatório, pois, não é matéria de preceito, mas de conselho. Por isso o Senhor, depois de ter dito ao adolescente: Se tu queres entrar na vida guarda os meus mandamentos – acrescentou: Se queres ser perfeito vai, vende tudo o que tens e dá–o aos pobres. Mas, os bispos, na sua ordenação, não se obrigam a viver sem nada de próprio; nem o ofício pastoral, a que se dedicaram, os obriga necessariamente a viver sem nenhuma propriedade. Logo, não estão obrigados os bispos a viver sem possuir nada.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como estabelecemos, a perfeição da vida cristã não consiste essencialmente na pobreza voluntária; mas, a pobreza voluntária coopera como instrumento da vida perfeita. Por onde, não há de necessariamente haver maior perfeição onde há maior pobreza. Ao contrário, a suma perfeição pode coexistir com uma grande opulência; assim, lemos na Escritura que Abraão foi rico depois de o Senhor lhe ter dito: Anda em minha presença e sê perfeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As palavras citadas do Senhor são susceptíveis de um tríplice sentido. – Um, místico, significando então que não possuamos nem ouro nem prata, isto é, que os pregadores não se fundem principalmente na sabedoria e na eloquência temporais, como explica Jerónimo. – Noutro sentido, como expõe Agostinho, significa que o Senhor as proferiu não como mandando mas, antes, como exprimindo uma permissão. Pois, permitiu–lhes que, sem ouro e prata e outros recursos, fossem pregar, recebendo o sustento da vida daqueles a quem pregavam. Por isso acrescenta: Digno é o trabalhador do seu alimento. Mas de modo que o pregador que vivesse de seus bens próprios praticaria uma obra superrogatória, como diz Paulo falando de si mesmo. – Num terceiro sentido, como expõe Crisóstomo, entende–se que com as referidas palavras o Senhor ordenou aos discípulos sobre a missão que lhes cometeu de pregarem aos Judeus; de modo a confiarem no poder daquele que velava pela subsistência deles. O que porém não os obrigava a eles nem aos seus sucessores a pregarem o Evangelho sem bens próprios com que vivessem. Assim, lemos na Escritura que Paulo recebia das outras Igrejas um estipêndio para pregar aos Coríntios; por onde é claro que possuía certos bens que os outros lhe mandavam. E é, demais, estulto dizer que tantos santos pontífices, como Atanásio, Ambrósio, Agostinho, tenham transgredido o referido preceito, se se consideravam obrigados a observá–lo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Toda parte é menor que o todo. Aquele portanto reparte com Deus, que emprega nas coisas de Deus menos estudo, por buscar as coisas do mundo. Assim, pois, não devem nem os bispos nem os clérigos possuir nada de próprio, por ficarem expostos a deixar de lado o que respeita ao culto divino, para curarem dos bens próprios.