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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 – Se há uma só religião.

O primeiro discute–se assim. – Parece que não há senão uma só religião.

1. – Pois, no que é totalmente perfeito não pode haver diversidade, porque não pode haver senão um sumo bem, como se estabeleceu na Primeira Parte. Ora, como diz Gregório, faz um holocausto quem consagrou a Deus onipotente tudo o que tem, toda a sua vida, todos os seus prazeres; e sem isso não pode haver religião. Logo, parece que não há muitas religiões, mas uma só.

2. Demais. – Coisas que convém pela essência só se diversificam pelos acidentes. Ora, nenhuma religião pode existir sem os três votos essenciais, como se estabeleceu. Logo, parece que as religiões não se diversificam pelas suas espécies, mas pelos acidentes.

3. Demais. – O estado de perfeição é próprio tanto aos religiosos como aos bispos, segundo se estabeleceu. Ora, o episcopado não tem espécies diversas. Por isso diz Jerônimo: Onde quer que esteja o bispo, em Roma, em Eugúbio, em Constantinopla, em Régio, tem o mesmo mérito e é o mesmo sacerdócio. Logo, pela mesma razão, só há uma religião.

4. Demais. – Da Igreja se deve eliminar tudo quanto pode causar confusão. Ora, da diversidade de religiões podia provir uma certa confusão entre o povo fiel, como diz uma decretal. Logo, parece que não deve haver várias religiões.

Mas, em contrário, a Escritura refere como pertencente ao ornato da rainha o ser cercada de variedade.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, o estado de religião é um certo exercício pelo qual alguém se esforça por chegar à perfeição da caridade. Ora, são várias as obras de caridade a que o homem pode vacar; e assim também há vários modos de exercício. Por onde, de dois modos podem as religiões se distinguir. Primeiro, pela diversidade dos fins a que se ordenam; assim, ha verá uma ordenada a dar hospitalidade aos peregrinos; outra, a visitar ou servir os cativos. De outro modo, pode haver diversidade de religiões pela diversidade de exercícios; por exemplo, numa se mortifica o corpo pela abstinência de alimentos, noutra pelo exercício do trabalho manual ou pelo desabrigo ou por práticas semelhantes. Ora, como nos atos o fim é o importante, há maior diversidade de religiões no atinente aos fins diversos a que se ordenam, que no atinente aos exercícios diversos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todos os religiosos tem isto de comum, que se devem dar inteiramente ao serviço de Deus. Por aí não há, pois, diversidade entre as religiões, como se pudesse, numa, o religioso reter uma causa para si e, noutra, outra. Mas, há diversidade fundada nos modos diversos de servir a Deus e nas disposições diversas em que se pode estar para fazê–la.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os três votos essenciais de religião respeitam o exercício dela, como o principal de que depende tudo o mais, segundo dissemos. Mas, cada um pode ter disposição diversa para fazê–lo. Assim, praticará o voto de continência o religioso buscando um lugar solitário, fazendo abstinência, procurando a vida em comum ou por outros meios semelhantes. Por onde é claro, que os mesmos votos essenciais se compadecem com a diversidade de religiões; quer pelas disposições diversas, quer também pelos diversos fins, como do sobre dito resulta.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Em matéria de perfeição o bispo desempenha as funções de agente e o religioso, as de paciente, como se disse. Ora, mesmo na ordem natural, um agente é tanto mais superior quanto mais uno; ao passo que a diversidade está do lado dos pacientes. Por isso é racional ser um só o estado episcopal e diversas as religiões.

RESPOSTA À QUARTA. – A confusão se opõe à distinção e à ordem. Ora, da multidão das religiões resultaria confusão se, sem necessidade e utilidade, as diversas religiões tivessem o mesmo objeto e do mesmo modo. E para não se dar tal foi determinado salutarmente que uma nova religião só pode ser instituída pela autoridade do Sumo Pontífice.

Art. 6 – Se é lícito aos religiosos trajar mais pobremente que os outros homens.

O sexto assim se discute. – Parece não ser lícito aos religiosos trajar mais pobremente que os outros homens.

1. – Pois, segundo o Apóstolo, devemos nos guardar de toda aparência de mal. Ora, a pobreza do traje é uma espécie de mal. Assim, diz o Senhor: Guardai–vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas. E aquilo do Apocalipse. –– E apareceu um cavalo amarelo – diz a Glosa: Vendo o diabo que não podia triunfar nem por meios de tribulações claras nem por meio de heresias manifestas, envia falsos irmãos que, com hábito religioso, assumem o aspecto desse cavalo ao mesmo tempo russo e negro, para perverter a fé. Logo, parece que os religiosos não devem trazer um traje vil.

2. Demais. – Jerônimo diz: Evitai igualmente os hábitos escuros, isto é, negros e os brancos. Deve–se fugir tanto do ornato como da sordície, porque aquele respira a malícia e este, a vanglória. Logo, como a vanglória é pecado mais grave que a malícia, parece que os religiosos, cujo dever é buscar a perfeição. devem evitar, antes, o traje vil que o precioso.

3. Demais. – Os religiosos devem, sobretudo viver uma vida de penitências. Ora, quem vive uma vida de penitências não deve manifestar sinais exteriores de tristeza mas antes, de alegria. Assim, diz o Senhor: Quando jejuais, não, vos ponhais tristes como os hipócritas; e a seguir acrescenta: Mas tu, quando jejuas, unge a tua cabeça e lava o teu rosto. Expondo o que diz Agostinho: Sobretudo nesta matéria devemos advertir, que não só no esplendor e na pompa dos bens materiais, mas também na mais lamentável miséria pode haver orgulho, e tanto mais perigoso quanto mais enganoso é, pois se apresenta sob o aspecto do amor de Deus. Logo, parece que os religiosos não devem usar trajes mais pobres que os outros, homens.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Andaram vagabundos, cobertos de peles de ovelhas e de peles de cabras. Ao que diz a Glosa: como Elias e outros. E as Decretais: Sejam punidos os que ridicularizarem os que andam vestidos de hábitos religiosos grosseiros. Pois, nos primeiros tempos, todo homem consagrado a Deus trazia vestes pobres e humildes.

SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, no respeitante aos bens materiais, não é o uso mas, a concupiscência de quem usa, que constitui pecado. E para bem discerni–lo devemos atender a que de dois modos podemos considerar o hábito pobre e grosseiro. – Primeiro, como o sinal de uma certa disposição ou estado da pessoa, pois, no dizer da Escritura, o vestido do homem dá a conhecer qual ele é. E assim sendo, a pobreza do hábito é às vezes sinal de penitência. Por isso, os que vivem penitentes costumam trazer roupas pobres; e ao inverso, trazem vestimentas mais cuidadas no tempo da festa e da alegria, como claramente o mostra a Escritura quando fala do rei que se cobriu de um saco, e de Acab, que cobriu a sua carne de um cilício. ­ Outras vezes porém é sinal de desprezo das riquezas e do fasto mundano. Donde o dizer Jerônimo: A pobreza do vestuário é sinal da pureza da alma; a roupa vil prova o desprezo do século. contamo que não haja soberba e não dissinta, assim, o hábito, das palavras. – Ora, de ambos estes modos, é próprio do religioso trazer roupas pobres, pois, a religião é um estado de penitência e de desprezo da glória mundana.

Mas, o querer alguém significá–lo aos outros pode ter três motivos. – Primeiro, a humilhação própria. Pois, assim como o esplendor das roupagens nos ensoberbece a alma, assim, o vestuário pobre nos humilha. Por isso, a respeito de Acab, que cobriu a sua carne de um cilício, disse o Senhor a Elias: Não viste a Acab humilhado diante de mim? – Segundo, o exemplos dos outros. Por Isso, àquilo do Evangelho – Tinha um vestido de peles de camelo ­ diz a Glosa: Quem prega a penitência se apresenta com hábito penitente. – Terceiro, a vanglória, como no sentido em que diz Agostinho: Na mais lamentável miséria pode haver orgulho. – Ora, usar de trajes abjetos, pelos dois primeiros motivos, é louvável; mas, pelo terceiro, é repreensível. De outro modo, podemos considerar a pobreza e a grosseria das vestes como procedente da avareza e da negligência. O que também é vicioso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A pobreza do vestuário não constitui em si mesmo um mal; antes, é uma espécie de bem porque significa o desprezo da glória mundana. E por isso, os maus ocultam a sua malícia com a pobreza do vestuário. Donde o dizer Agostinho, que não devem as ovelhas detestar a sua vestimenta por se disfarçarem muitas vezes com elas os lobos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar citado, Jerônimo se refere às roupas pobres que se trazem por vanglória.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Segundo a doutrina do Senhor, em matéria de santidade, nada devemos fazer para salvar as aparências. O que sobretudo se dá quando alguém pratica uma novidade. E por isso Crisóstomo diz: Quem reza não tome ares insólitos, lançando altas vozes, batendo no peito ou estendendo as mãos, afim de ser notado pelos outros, pois, é a novidade mesma desse proceder que atrai sobre ele a atenção dos outros. Mas, nem toda novidade, que desperte a atenção dos outros, é repreensível. Pois, pode ela ser bem ou mal empregada. Por isso diz Agostinho: Quem, por profissão religiosa, usa, voluntariamente e sem nenhuma premência da pobreza, de roupas incultas e grosseiras, afim de atrair sobre si a atenção dos outros, desse podemos, pelas suas outras obras, saber se assim procede por desprezo do lucro ou levado pela ambição. E é visível que assim não procedem por ambição sobretudo os religiosos, que trazem um hábito grosseiro como sinal da sua profissão, confessando desse modo o seu desprezo do mundo.

Art. 5 – Se aos religiosos é lícito mendigar.

O quinto discute–se assim. – Parece que aos religiosos não é lícito mendigar.

1. – Pois, diz Agostinho: Há muitos hipócritas que, com hábito de monges, se espalham por toda parte, instigados pelo inimigo de todo bem e que vão assim percorrendo as províncias. E acrescenta: Todos pedem, todos exigem ou o tributo de uma pobreza lucrativa ou o preço de uma santidade simulada. Logo, parece que deve ser reprovada a vida dos religiosos mendicantes.

2. Demais. –– O Apóstolo diz: Que trabalheis, com as vossas mãos como vo–lo temos ordenado e que andeis honestamente com os que esteio fora e não cobiceis coisa alguma de alguém. Ao que diz a Glosa: O apóstolo quer que os servos de Deus se deem ao trabalho normal para terem com o que viver e não sejam forçados pela pobreza a pedir o necessário. Ora, isto é mendigar. Logo, parece ilícito mendigar, deixando de lado o trabalho manual.

3. Demais. – O proibido pela lei e contrário à justiça não o podem fazer os religiosos. Ora, a lei divina proíbe mendigar quando diz: Absolutamente não haverá entre vós pobre algum nem mendigo; e noutro lugar: Não vi o justo desamparado nem a sua descendência mendigando pão. Ora, o direito civil pune o mendigo válido. Logo, não podem os religiosos mendigar.

4. Demais. – Nós nos envergonhamos por atos desonestos, como diz Damasceno. Ora, Ambrósio afirma que a vergonha que sentimos ao mendigar trai os sentimentos de uma nobre natureza. Logo, é vergonhoso mendigar e portanto não devem fazê–la os religiosos.

5. Demais. – Sobretudo de esmolas é que devem viver os pregadores do Evangelho, como o denominou o Senhor, segundo se disse. E, contudo não devem mendigar, pois, àquilo do Apóstolo – O lavrador que trabalha, etc. – diz a Glosa: O Apóstolo quer que o evangelista entenda, que receber o necessário daqueles por quem trabalha, não é mendicância mas poder seu. Logo, parece que os religiosos não podem mendigar.

Mas, em contrário. – O religioso deve viver imitando a Cristo. Ora, Cristo mendigou, segundo o diz a Escritura: Mas eu sou mendigo e pobre. Ao que diz a Glosa: Isto afirmou Cristo de si, sob a forma de escravo. E mais adiante: Mendigo é quem pede aos outros; e pobre é quem não possui o suficiente. E noutro lugar da Escritura: Eu sou necessitado e pobre. O que comenta a Glosa: Eu sou necessitado, isto é, mendigo; e pobre, isto é, não tenho o suficiente para mim, pois não possuo bens temporais. E Jerônimo diz: Toma cuidado em não acumulares riquezas alheias, quando o teu Senhor mendiga, isto é, Cristo. Logo, devem os religiosos mendigar.

SOLUÇÃO. – Duas causas podemos distinguir na mendicância. – Uma relativa ao ato mesmo da mendicância, que implica uma certa abjeção. Pois, são considerados os abjetíssimos dos homens os que, além de serem pobres, são necessitados a ponto de receber dos outros o seu sustento, E, assim, são dignos de louvor os que mendigam por motivo de humildade; do mesmo modo que praticam outros atos, que implicam uma certa abjeção, como remédio eficacíssimo contra a soberba, que querem extinguir, ou em si mesmos, ou ainda nos outros, por meio do exemplo. Pois, assim como a enfermidade resultante do excesso do calor cura–se eficazmente pelo excesso do frio, assim também é remédio eficacíssimo contra a inclinação para a soberba a prática dos atos considerados como os mais abjetos. Por isso uma decretar diz: O exercício da humildade consiste em nos sujeitarmos aos deveres mais vis e prestarmos os serviços mais baixos; pois, assim, poderá ser curado o vicio da arrogância e da vangloria. Donde o elogiar Jerônimo a Fabíola pelo seu desejo de distribuir todas as suas riquezas com os pobres, para viver de esmolas. O que também fez S. Aleixo que, renunciando a todos os seus bens por amor de Cristo se regozijava em receber esmolas, mesmo dos seus servos. E de S. Arsénio se lê, que dava graças de a necessidade tê–lo forçado a pedir esmolas. Daí vem a penitência imposta a certos grandes pecadores de peregrinarem mendigando. Mas, como a humildade, bem como as outras virtudes, não pode existir sem o discernimento, é mister praticar a mendicância, como causa de humilhação, discretamente, para que não se dê a impressão de cobiça ou de qualquer outro sentimento menos conveniente. A outra luz podemos considerar a mendicidade relativamente ao que é adquirido pela mendicância. E assim pode alguém ser levado a mendigar por duas razões. – Primeiro, por cobiça de riquezas ou de viver na ociosidade. E essa mendicidade é ilícita. – Segundo, por necessidade ou utilidade. Por necessidade, quando não pode um ter donde viva, senão mendigando. Por utilidade, quando visa a realização de um fim útil, que não poderia conseguir sem as esmolas dos fiéis. Assim, quando se pedem esmolas para a construção de uma ponte, de uma igreja ou a realização de obras semelhantes, que redundam em utilidade comum. Tal é também o caso dos estudantes para quem se esmola, afim poderem vacar na aquisição da sabedoria. E deste modo a mendicidade é lícita tanto aos seculares como aos religiosos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado, Agostinho se refere expressamente aos que mendigam por cobiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A primeira glosa alude aos que pedem esmola por cobiça, como o demonstram as palavras do Apóstolo. – A segunda se refere aos que, não visando nenhum fim útil, pedem o necessário, afim de viverem ociosos. Mas, não vive na ociosidade quem de qualquer modo realiza alguma utilidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O referido preceito da lei divina a ninguém proíbe mendigar; mas proíbe aos ricos de serem tão apegados às suas riquezas a ponto de serem a causa de certos mendigarem por pobreza. – Quanto à lei civil, impõe uma pena aos mendicantes válidos, que mendigam sem ser por nenhuma utilidade ou necessidade.

RESPOSTA À QUARTA. – Há duas sortes de vergonha: a da desonestidade e a de uma deficiência externa, como a do enfermo ou do pobre. E tal é a vergonha que causa a mendicidade. Por isso não constitui nenhuma culpa, mas pode constituir a prática da humildade, como se disse.

RESPOSTA À QUINTA. – Aos que pregam por obrigação é devido o sustento por parte daqueles para quem pregam. Mas, mais útil será se quiserem pedir, mendigando, que se lhes de, não como um débito, mas como um dom gratuito.

Art. 4 – Se aos religiosos é lícito viver de esmolas.

O quarto discute–se assim. – Parece que aos religiosos não é lícito viver de esmolas.

1. – Pois, o Apóstolo manda às viúvas capazes de viverem de outro modo, não viverem das esmolas da igreja, afim de a igreja ter o que baste às que são verdadeiramente viúvas. E Jerônimo: Os que podem sustentar–se dos bens paternos e das suas próprias riquezas cometem sem dúvida um sacrilégio, se tomam o que é dos pobres; e por abusos semelhantes comem e bebem a própria condenação. Ora, os religiosos, sendo válidos, podem viver do trabalho das suas mãos. Logo, parece que pecam sustentando–se com a esmola dos pobres.

2. Demais. – Viver da contribuição dos fiéis é mercê permitida aos pregadores do Evangelho, pelo seu trabalho ou pela sua obra, segundo aquilo da Escritura: Digno é o trabalhador do seu alimento. Ora, pregar o Evangelho não é obrigação dos religiosos, mas, sobretudo, dos prelados, que são pastores e doutores. Logo, os religiosos não podem licitamente viver das esmolas dos fiéis.

3. Demais. – Os religiosos estão no estado de perfeição. Ora, é mais perfeito dar que receber esmolas; assim, diz a escritura: Coisa mais bem–aventurada é dar que receber. Logo, não devem viver de esmolas, mas ao contrário, fazê–las, com o trabalho das suas mãos.

4. Demais. – Os religiosos devem evitar os obstáculos à virtude e as ocasiões de pecado. Ora, receber esmolas dá ocasião ao pecaria e impede um ato de virtude. Por isso, àquilo do Apóstolo – Para vos oferecer em nós mesmos um modelo – diz a Glosa: Quem, entregue à ociosidade, frequentemente come à mesa alheia, deve por força adular quem lhe assim dá de comer. E num lugar diz a Escritura: Não aceitarás donativos, porque eles fazem cegar ainda aos prudentes e pervertem as palavras dos justos. E noutro lugar: O que toma emprestado servo é do que lhe empresta o que é contrário à religião. Por isso, àquilo do Apóstolo – Para vos oferecer em nós mesmos um modelo – diz a Glosa; A nossa religião chama os homens à liberdade. Logo, parece que os religiosos– não devem viver de esmolas.

5. – Demais. – Os religiosos estão sobretudo, obrigados a imitar a perfeição dos Apóstolos. Por isso diz o Apóstolo: Todos os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Ora, o Apóstolo não queria viver da contribuição dos fiéis, para tirar toda ocasião de pregar aos pseudo–apóstolos, como ele próprio o diz; e para não provocar escândalo aos fracas. Logo, pelas mesmas causas devem os religiosos abster­se de viver de esmolas. Por isso, diz Agostinho: Eliminai a ocasião de ganhos desonestos, que fere a vossa reputação e causa escândalo aos fracos; mostrai aos homens que não ides buscar no repouso um fácil sustento, mas antes, o reino de Deus, tomando um caminho difícil e estreito.

Mas, em contrário, como diz Gregório, S. Bento, durante os três anos que viveu numa gruta, nutriu–se do que lhe trazia o monge Romano, separado que estava da casa e dos pais. E contudo dele não se conta que vivesse do trabalho das suas mãos, apesar de gozar saúde. Logo, os religiosos podem licitamente viver de esmolas,

SOLUÇÃO. – A cada qual é lícito viver do seu ou do que lhe é devido. Ora, o que é de alguém o é pela liberalidade de quem lho dá, Por onde, os religiosos e os Clérigos, cujos mosteiros ou igrejas se sustentam de bens, que lhes foram dados pela munificência dos príncipes ou de quaisquer fiéis, podem licitamente viver de tais bens sem exercerem o trabalho manual. E todavia é certo que vivem de esmolas, Por isso e semelhantemente, aos religiosos é lícito viverem de pequenas oferendas que os fiéis lhe hajam feito. Pois seria estulto afirmar, que alguém pudesse receber como esmola grandes propriedades, mas não o pão ou uma pequena quantidade de dinheiro. Mas, como esses benefícios foram conferidos para poderem mais livremente se entregar aos atos religiosos, de que desejam participar os que lhes fizeram essas ofertas, o uso desses referidos donativos se lhes tornaria ilícito se deixassem o exercício da vida religiosa; porque então, pelo seu proceder, defraudariam a intenção dos que tais benefícios lhes concederam.

Mas, uma coisa pode ser devida a outrem de dois modos. Primeiro, pela necessidade, que torna todos os bens comuns, como diz Ambrósio (Basílio), Portanto, os religiosos que sofrem necessidade podem viver de esmola licitamente. – E essa necessidade pode resultar, primeiro, de doença do corpo; que impossibilita nos sustentemos com o trabalho das nossas mãos. – Segundo, se o que ganha o religioso com o trabalho das suas mãos não lhe basta ao sustento. Por isso diz Agostinho: Os fiéis devem suprir pelas suas piedosas oferendas a falta do necessário à subsistência dos servos de Deus, que se entregam ao trabalho manual, afim de que os momentos que dedicam à sua perfeição espiritual e lhes impede o trabalho manual, não os reduzam a uma excessiva pobreza. – Terceiro, pelo gênero anterior de vida, que desacostumou certos religiosos do trabalho manual. Por isso diz Agostinho: Se possuíam no século bens suficientes para viverem sem exercer nenhum ofício e se, entrados em religião, distribuíram esses bens aos pobres, não se lhes deve pôr em dúvida a incapacidade para o trabalho manual; é preciso socorrê–los. Pois, esses assim educados na delicadeza não podem ele ordinário suportar o trabalho corpóreo.

De outro modo pode uma coisa ser devida a quem deu por ela um bem temporal ou espiritual, segundo o Apóstolo: Se nós vos semeámos as coisas espirituais é porventura muito se recolhermos as temporalidades que vos pertencem a vós? E, assim sendo, podem os religiosos viver de esmolas, quase, a eles devida, por quatro razões. – Primeiro, se pregam por ordem dos prelados. – Segundo, se são ministros do altar. Porque, diz o Apóstolo: Os que servem ao altar participam justamente do altar. Por este modo ordenou também o Senhor aos que pregam o Evangelho que vivessem do Evangelho. E Agostinho diz: Confesso que, se forem evangelistas, tem o poder de viver da contribuição dos fiéis; se ministros do altar e dispensadores dos sacramentos, não se arrogam eles um poder, que têm o direito de plenamente vindicar. E isto porque o sacrifício do altar, seja onde for que o consumam, é comum a todo o povo fiel. – Terceiro, se se aplicam ao estudo da Sagrada Escritura para a comum utilidade de toda a Igreja. Por isso diz Jerônimo: Na Jutiéia persevera até hoje o costume, não só entre nós mas também entre os Hebreus, de serem mantidos a expensas de toda a cidade os que meditara na lei de Deus dia e noite e não tem parte nos bens da terra, mas se dão totalmente a Deus. – Quarto, se fizeram doação ao mosteiro dos bens temporais que tinham, podem viver das esmolas feitas ao mosteiro. Por isso diz Agostinho: Os que abandonaram ou distribuíram todos os seus bens, mais ou menos consideráveis, ao impulso de uma salutar e pia humildade, por quererem se alistar entre os pobres de Cristo, tem certamente direito de Subsistir do bem comum e da caridade fraterna. Serão dignos de louvor se trabalharem com suas mãos; mas, se não o quiserem fazer quem ousará obrigá–los a tal? E pouco importa ­ acrescenta no mesmo lugar – em que mosteiro ou entre as mãos de que irmãos indigentes esse homem entregou os seus bens; pois, todos os cristãos não formam mais que uma república.

Mas procedem ilicitamente os religiosos que, sem nenhuma necessidade e em troca de nenhum serviço prestado, pretendam, ociosos, viver das esmolas que foram dadas para os pobres. Por isso diz Agostinho: Dá–se muitas vezes que essa profissão, que consagra ao serviço de Deus, é abraçada por homens saídos da escravidão, da vida rústica, do rude trabalho e das artes penosas exercidas pelo povo. E não é fácil dizer se vieram só com o propósito de servir a Deus ou se, antes, com o de fugirem a uma vida pobre e laboriosa, de se garantirem a nutrição e o vestuário e, além disso, de serem honrados pelos que os costumavam desprezar e calcar aos pés. Tais religiosos não podem, a pretexto de fraqueza corporal, dispensar–se do trabalho; pois, a vida que antes levavam testemunha contra eles. E a seguir acrescenta: Se não querem trabalhar, também não comam; pois, enfim, não devem os ricos se humilhar, abraçando a piedade, para que os pobres se ensoberbeçam; e de nenhum modo convém que num gênero de vida em que os senadores não se recusam ao trabalho, tornem–se ociosos os artífices; e ao qual se devotem, abandonados todos os seus prazeres, os que foram donos de propriedades, vivendo nele os rústicos uma vida delicada.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As autoridades citadas devem entender–se como se referindo ao tempo da necessidade, em que de outro modo não é possível socorrer aos pobres. Porque então estariam os religiosos obrigados, não somente a desistir de receber esmolas, mas ainda de dar o que porventura tenham, para o sustento dos pobres.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os prelados tem pelo fato mesmo de o serem, o dever de pregar; mas os religiosos podem tê–lo por uma comissão. E portanto, quando trabalham no campo do Senhor, podem viver dele, segundo aquilo do Apóstolo: Convém que o lavrador que trabalha recolha dos frutos primeiro. O que comenta a Glosa: isto é, o pregador que, no rampo da Igreja, revolve com o arado da palavra divina o coração dos ouvintes. – Podem também viver do Evangelho os que servem aos pregadores. Por isso, aquilo do Apóstolo – Se os gentias tem sido feitos participantes dos seus bens espirituais devem também eles assistir–lhes com os temporais – diz a Glosa: isto é, os Judeus, que mandaram pregadores de Jerusalém. – E há ainda outras causas que justificam viver o religioso da contribuição dos fiéis, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Em igualdade de condições, dar é mais perfeito que receber. E contudo, dar ou abandonar todos os seus bens por Cristo e receber o pouco com que sustentar a vida é melhor que dar particularmente aos pobres, como se disse.

RESPOSTA À QUARTA. – Receber presentes com o fim de aumentar as riquezas próprias, ou receber sustento do que não era devido, sem utilidade e necessidade, oferece ocasião de pecado. O que não tem lugar com os religiosos, como do sobre dito resulta.

RESPOSTA À QUINTA. – A manifesta necessidade e utilidade de certos religiosos viverem de esmolas, sem trabalharem manualmente, não escandaliza os fracos, mas só os maliciosos, à moda farisaica. E esse escândalo. como ensina o Senhor, deve ser desprezado. Mas, se não há necessidade nem utilidade manifesta, poderia gerar–se daí escândalo para os fracos, o que é dever evitar. Mas, ao mesmo escândalo podem dar lugar os que vivem ociosos dos bens comuns.

Art. 3 – Se os religiosos estão obrigados ao trabalho manual.

O terceiro discute–se assim. – Parece que os religiosos estão obrigados ao trabalho manual.

1. – Pois, os religiosos não estão dispensados de observar os mandamentos. Ora, há um mandamento que ordena o trabalho manual, conforme aquilo do Apóstolo: Que trabalheis com as vossas mãos, com vê–lo temos ordenado. E por isso diz Agostinho: Demais, quem suportará que homens contumazes – isto é, religiosos que não trabalham aos quais se refere S. Paulo – que resistem às salubérrimas advertências do Apóstolo, longe de serem suportados como fracos sejam louvados como mais santos que os outros? Logo, parece que os religiosos estão obrigados ao trabalho manual.

2. Demais. – Aquilo do Apóstolo – Se algum não quer trabalhar, não coma – diz a Glosa: Alguns ensinam, que o Apóstolo assim o ordenou, referindo–se às obras espirituais, e não ao trabalho corporal, próprio dos agricultores ou dos artífices. E mais abaixo: Mas se esforçam em vão por obnubilar a compreensão própria e a dos outros, não querendo, não somente deixar de fazer, mas nem mesmo entender as úteis advertências da caridade. E ainda: Quer que os servos de Deus trabalhem manualmente, para viverem. Ora, os religiosos são chamados os servos de Deus por excelência, como quem se lhe consagrou totalmente ao serviço, segundo está claro em Dionísio. Logo, parece que estão obrigados ao trabalho manual.

3. Demais. – Agostinho diz: Bem quereria saber que farão os que não querem trabalhar manualmente? Entregam–se às orações, dirão, à salmodia, à leitura e à palavra de Deus. Mas, que nenhuma dessas atividades os escusa do trabalho manual facilmente o demonstra, Assim, primeiro, da oração diz: Mais depressa é ouvida a oração de um que obedece, do que a de dez que desprezam; e entende como contemptores e indignos de serem ouvidos os que irão trabalham manualmente. Segundo, dos divinos louvores, acrescenta: Quanto a cantar cânticos divinos também o podem os que trabalham manualmente. Em terceiro lugar, da leitura, ajunta: Porventura nunca descobriram, na leitura, o preceito do Apóstolo aqueles que dizem vacar a ela? Pois que anomalia é essa de querer vacar à oração sem nada praticar de que ela manda? E em quarto lugar pergunta ainda, a respeito da pregação: Se há quem deva exercer o ministério da palavra e se entregue a essa obra a ponto de não poder exercer o trabalho manual, seria esse o proceder conveniente a todos os monges? Mas, se todos não podem pregar, por que, a esse pretexto, querem todos se isentar do trabalho manual? E ainda mesmo que todos o pudessem, deveria fazê–lo cada um por sua vez, não só para que os outros se ocupassem com o necessário, mas ainda por bastar a palavra de um só a um grande número de ouvintes. Logo, parece que os religiosos não devem abandonar o trabalho manual por causas dessas obras espirituais a que pretendem vacar.

4. Demais. – Aquilo do Evangelho – Vendei o que possuís, etc., – diz a Glosa. Não somente deveis distribuir os vossos mantimentos com os pobres, mas ainda, vender os vossos bens afim de, renunciando a todos de uma vez por amor de Deus, trabalhardes depois o trabalho de vossas mãos, para terdes com o que viver e fazer esmolas. Ora, é dever dos religiosos renunciar a todos os seus bens. Logo, parece que também o é viver do trabalho das próprias mãos e dar esmola.

5. Demais. – Parece que mais que ninguém os religiosos estão obrigados a imitar os Apóstolos, pois professam o estado de perfeição. Ora, os Apóstolos exerciam o trabalho manual, segundo S. Paulo: Trabalhamos obrando por nossas próprias mãos. Logo, parece que os religiosos estão obrigados ao trabalho manual.

Mas, em contrário. – À observância dos preceitos dados, em geral para todos estão igualmente obrigados tanto religiosos como seculares. Ora, o preceito do trabalho manual foi geralmente estabelecido para todos, como está claro no Apóstolo: Nós vos intimamos que vos aparteis de todo irmão que andar desordenadamente, designando com o nome de irmão qualquer Cristão. E, noutro lugar: Se algum irmão tem mulher infiel, etc.; e ainda: Se algum não quer trabalhar, não coma. Logo, não estão os religiosos, mais que os seculares, obrigados ao trabalho manual.

SOLUÇÃO. – O trabalho manual se ordena a um quádruplo fim. – Primeiro, ao granjeio do necessário à vida. Por isso foi ordenado ao primeiro homem: Tu comerás o pão com o suor do teu rosto. E noutro lugar diz a Escritura: Comerás do trabalho das tuas mãos, etc. ­ Além disso, o trabalho tem por fim, combater a preguiça, donde se originam muitos males. Daí o dito da Escritura: Ao teu escravo manda–o à tarefa, para que não esteja ocioso; porque a ociosidade tem ensinado muita malícia. – Em terceiro lugar o trabalho se ordena a refrear a concupiscência, porque macera o corpo. Por isso, diz o Apóstolo: Nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na castidade. – E por fim, em quarto lugar, o trabalhe nos dá o meio de fazer esmolas. Donde o dizer o Apóstolo: Aquele que furtava não furte mais; mas ocupe–se antes no trabalho, fazendo alguma obra de mãos que seja boa e útil, para daí ter com que socorra ao que padece necessidade.

Ora, na medida em que o trabalho manual se ordena ao buscar o nosso sustento, é de necessidade de preceito, como necessário a um tal fim. Mas, o que se ordena para um fim tira deste a sua necessidade, de modo que é necessário por isso mesmo que o fim não pode ser alcançado sem esse meio. Portanto, quem não tem outro meio de vida está obrigado ao trabalho manual, seja qual for a sua condição. E é o que significam as seguintes palavras do Apóstolo: Se algum não quer trabalhar, não coma, quase se dissesse que todos temos necessidade de trabalhar com as nossas mãos, como temos de comer. Por onde, quem pudesse passar a vida sem comer também não estaria obrigado ao trabalho manual. O mesmo devendo dizer–se daqueles que não têm outro meio lícito de vida. Pois, entende–se que não podemos fazer o que licitamente não o podemos. Por isso, o Apóstolo, como vemos, não ordenou o trabalho manual senão para excluir o pecado dos que buscavam sustento ilicitamente. Pois, primeiro, o Apóstolo ordena o trabalho manual para se evitar o furto, como está claro nas suas palavras: Aquele que furta não furte mais; mas ocupe–se antes do trabalho, fazendo alguma obra de mãos. Segundo, para evitarmos a cobiça das causas alheias: Trabalhai com as vossas mãos como vô–lo temos ordenado e que andeis honestamente com os que estão fora. Terceiro, para evitar os meios desonestos com que certos procuram manter–se: Ainda quando estávamos convosco vos denunciávamos isto – que se algum não quer trabalhar não coma. Porquanto temos ouvido que andam alguns entre vós inquietos, que nada fazem senão indagar o que lhes não importa. Ao que a Glosa diz: os que desonestamente buscam o seu sustento. A estes, pois, continua o Apóstolo, que assim se portam lhes denunciamos e rogamos que comam o seu pão trabalhando em silêncio. Por isso, diz Jerônimo, que o Apóstolo assim o determinou, não tanto pelo dever de ensinar, como pelo vício do povo. – Devemos porém saber que nas obras do trabalho manual se incluem todos os ofícios humanos pelos quais o homem pode ganhar a sua vida licitamente, quer o realize com as mãos ou com os pés ou com a língua. Pois, os guardas noturnos, os correios e outros tais que vivem do seu trabalho, entende–se que vivem das obras das suas mãos. Porque as mãos, sendo os órgãos dos órgãos, por obras manuais se entendem todas as obras com que pode um licitamente granjear a vida.

Mas, quando o trabalho manual se ordena a dissipar o ócio ou à maceração do corpo, não é de necessidade de preceito, em si mesmo considerado. Pois, de muitos outros modos podemos macerar a carne, ou combater a ociosidade, do que pelo trabalho manual. Assim, macera–se a carne com jejuns e Vigílias; e a ociosidade se combate meditando a Sagrada Escritura e louvando a Deus. Por isso, àquilo dos Salmos ­ Os meus olhos se enfraqueceram de atentos à tua palavra – diz a Glosa: Não é ocioso quem é todo atenção às palavras de Deus; nem faz mais o que se dá ao trabalho exterior do que aquele que se aplica ao conhecimento da verdade. Por onde, essas causas dispensam o religioso do trabalho manual, como dispensam os seculares; salvo se as regras da sua ordem o obrigarem a tal trabalho, como ensina Jerônimo: Os mosteiros dos Egípcios tem o costume de não receber ninguém a quem não imponham o trabalho manual, não tanto para manter a vida por meio dele, mas, em benefício da salvação da própria alma, pois, não vagueará em vãos pensamentos. Mas, o trabalho manual com o fim de ter com o que dar esmolas não pode obrigar sob preceito, salvo no caso de estar um necessariamente obrigado a fazer esmolas sem ter meios de socorrer aos pobres senão pelo trabalho manual. Mas, em tal caso, ao trabalho manual estariam obrigados tanto religiosos como seculares.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O preceito estabelecido pelo Apóstolo é de direito natural. Por isso àquele lugar Que vos aparteis de todo irmão que andar desordenadamente – diz a Glosa: de modo diferente do que exige a lei da natureza. Pois, nesse lugar o Apóstolo se refere aos que abandonavam o trabalho manual. Por isso a natureza deu mãos ao homem, em lugar de armas e de pelos, com que dotou os outros animais, de modo a, com o trabalho delas, poder satisfazer a todas as suas necessidades. Por onde é claro, que tanto religiosos como seculares estão geralmente obrigados ao referido preceito, assim como o estão a todos os demais preceitos da lei natural. Contudo, não pecam os que não trabalhem manualmente. Pois, a esses preceitos da lei natural relativos ao bem geral não está obrigado cada um em particular; bastando ocupar–se este com um determinado trabalho e aquele, com outro. Assim, serão uns artífices, outros agricultores, outros juízes, outros, professores e assim por diante, segundo as palavras do Apóstolo: Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato?

RESPOSTA À SEGUNDA. – A Glosa referida é tirada de Agostinho, onde fala contra certos monges que ensinavam não ser lícito aos servos de Deus o trabalho manual, pelo fato de o Senhor ter dito: Não andeis cuidadosos da vossa vida, que comereis. Ora, por essas palavras não se impõe aos religiosos a necessidade do trabalho manual, se de outra origem tiverem o com que viver. O que é claro pelo que a Glosa acrescenta: Quer que os servos de Deus vivam do trabalho manual. Ora, esse não é um dever mais dos religiosos que dos seculares. E isso resulta de duas razões. Primeiro, conclui–se tal do mesmo modo de falar do Apóstolo; Que vos aparteis de todo irmão que andar desordenadamente. Pois, chama irmãos a todos os Cristãos, porquanto não havia ainda religiões estabelecidas. Segundo, porque os religiosos não tem deveres diferentes do dos seculares, senão pela profissão da regra. Por onde, se as prescrições da regra nada dispõem sobre o trabalho manual, não ficam os religiosos, mais que os seculares, obrigados a ele.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A todas essas obras espirituais a que se refere Agostinho, pode um vacar, de dois modos. Ou como servindo à utilidade comum, ou como visando a utilidade particular. Assim, os que vacam a essas obras espirituais para o bem geral ficam por isso mesmo escusados do trabalho manual, por duas razões. Primeiro, porque essas obras necessariamente lhes ocupam toda a atividade. Segundo. porque a esses que as exercem devem fornecer o sustento aqueles a quem elas aproveitam. Quanto aos que as exercem, não para a utilidade pública, mas para a particular deles, não é forçoso fiquem por causa delas isentos do trabalho manual, nem lhes assiste o direito de viverem, com estipêndios dos fiéis. E é a eles que se refere Agostinho. – Quando diz – cantar cânticos divinos também o podem os que trabalham manualmente, dando como exemplo os artífices, que conversam ao mesmo tempo que trabalham manualmente, é manifesto que isso não pode entender–se dos que cantam na Igreja as horas canônicas; mas, entendem–se tais palavras dos que recitam salmos ou hinos como orações privadas. – Semelhantemente, o que diz da lição e da oração refere–se às orações e lições privadas, que às vezes os leigos também fazem; e não aos que publicamente recitam orações na igreja, ou fazem lições públicas nas escolas. Por isso não disse – Os que dizem, vacar ao ensino ou à instrução, mas – os que dizem vacar à lição. – Semelhantemente, quando fala da pregação, refere–se não à pública, feita para o povo, mas à especialmente feita a um ou a poucos, a modo de advertência privada. Por isso sinaladamente diz – Se há quem deva exercer o ministério da palavra; pois, ramo adverte a Glosa, o ministério da palavra se exerce privada mente, ao passo que a pregação é pública.

RESPOSTA À QUARTA. – Os que desprezaram tudo por amor de Deus estão obrigados ao trabalho manual quando de outro modo não tiverem com o que viver ou com o que fazer esmolas, em caso em que estejam sujeitos ao dever de fazê–las; mas não de outro modo, como dissemos. Ora, é neste sentido. que fala a Glosa citada.

RESPOSTA À QUINTA. – Os Apóstolos exerceram o trabalho manual, umas vezes por necessidade e outras, superrogatariamente. Por necessidade, quando ninguém lhes dava com que subsistir; por isso, àquilo do Apóstolo – Trabalhamos obrando por nossas próprias mãos – diz a Glosa: porque ninguém nos dá. Superrogatariamente, como se vê pelo dizer o Apóstolo, que não usou do poder que tinha de viver do Evangelho. E dessa superrogação usou o Apóstolo em três casos. – Primeiro, para tirar aos pseudo–Apóstolos a ocasião de pregarem, a eles que só pregavam com a mira nas recompensas temporais. E por isso diz: Mas eu o faço e farei sempre por cortar a ocasião de se gloriarem, etc. – Segundo, para evitar um gravame àqueles a quem pregava. Por isso diz: Em que não é que em nada vos quis eu mesmo ser pesado? – Terceiro, para dar o exemplo do trabalho aos ociosos. E por isso diz: Trabalhando de noite e de dia, por não sermos pesados a nenhum de vós. – O que porém o Apóstolo não fazia nos lugares em que tinha a faculdade de pregar todos os dias, como em Atenas, conforme diz Agostinho. Mas, nem por isso estão os religiosos obrigados a imitar o Apóstolo, pois, não o estão a todas as obras superrogatórias. E por isso os outros Apóstolos não se davam ao trabalho manual.

Art. 2 – Se aos religiosos é lícito tratarem de negócios seculares.

O segundo discute–se assim. – Parece que aos religiosos não é lícito tratar de negócios seculares.

1. – Pois, o referido decreto de Bonifácio Papa diz, que S. Bento determina que os seus religiosos não devem imiscuir–se em negócios seculares. O que é ordenado absolutamente, pelos documentos Apostólicos e pelas instituições de todos os santos Padres, não só dos monges mas, a quaisquer regulares, conforme aquilo do Apóstolo: Ninguém que milita para Deus se embaraça com negócios do século. Ora, todos os religiosos têm o dever de militar para Deus. Logo, não se devem ocupar com negócios seculares.

2. Demais. – O Apóstolo diz: Procurai viver quieto e tratai do vosso negócio. O que comenta a Glosa: Deixando de lado o que respeita os outros; o que vos é útil para a emenda da vida. Ora, os religiosos especialmente assumiram o estudo pela emenda da vida. Logo, não se devem ocupar com negócios eclesiásticos.

3. Demais. – Aquilo do Evangelho – Bem vedes que os que vestem roupas delicadas são os que assistem no palácios dos reis – diz Jerónimo: Isto mostra que a vida penitente e o pregação austera devem evitar a corte dos reis e afastar–se dos palácios dos homens efeminados. Ora, quem se ocupa com negócios seculares necessariamente é levado a frequentar os palácios dos reis. Logo, não é lícito aos religiosos tratar de nenhuns negócios seculares.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Recomendavas, pois, a nossa irmã Febe; e a seguir acrescenta: Para que a ajudeis em tudo o que de vós houver mister.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado de religião se ordena a conseguir a perfeição da caridade. À qual principalmente nos leva o amor de Deus e, secundariamente, o do próximo. Por isso os religiosos, precipuamente e pela própria natureza do seu estado, devem ter como fim vacar ao serviço de Deus. Mas, se as necessidade do próximo assim o exigirem, devem, pela caridade, acorrer a elas, segundo aquilo do Apóstolo: Levai as cargas uns dos outros e desta maneira cumprireis a lei de Cristo; pois, o facto mesmo de servir ao próximo por amor de Deus é praticar o amor divino. Donde o dizer a Escritura: A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai consiste nisto: – Em visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições. O que a Glosa comenta: isto é, socorrer aos que carecem de auxílio, no tempo da necessidade. Donde devemos concluir que imiscuir–se nos negócios seculares, por cobiça, não é lícito nem aos monges nem aos clérigos. Mas, imiscuir–se neles por motivo de caridade e com a moderação devida, o podem, com licença do superior, para administrar e dirigir. Donde o determinar uma decretal: O santo Sínodo decretou que, para o futuro, nenhum clérigo poderá administrar nenhuns bens ou imiscuir–se em negócios seculares, salvo para proteger pupilos, órfãos ou viúvas; ou se por ventura o bispo da cidade o tiver encarregado de zelar pelos bens eclesiásticos. E o mesmo se deve dizer dos religiosos e dos clérigos; pois, a uns e outros é igualmente proibido imiscuir–se em negócios seculares, como se disse.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os monges estão proibidos de tratar os negócios seculares, por cobiça, mas não, pela caridade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não é por curiosidade, mas pela caridade, que o religioso se imiscui em negócios seculares, quando a necessidade o exige.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Frequentar os palácios dos reis por prazer, por vanglória ou por cobiça não o devem os religiosos. mas podem penetrar neles por alguma pia causa. Donde o referir a Escritura o dito de Eliseu à mulher: Acaso tens algum negócio e queres que fale ao rei ou ao general dos seus exércitos? Semelhantemente, podem os religiosos penetrar no palácio dos reis para increpá–los e dirigi–los; assim, João Batista arguiu Herodes, como se lê no Evangelho.

Art. 1 – Se aos religiosos é lícito ensinar, pregar e fazer atos semelhantes.

O primeiro discute–se assim. – Parece que não é licito aos religiosos ensinar, pregar nem fazer atos semelhantes.

1. – Pois, há uma determinação do Sínodo de Constantinopla, que estatui: O caráter próprio da vida monástica é a sujeição e a docilidade, própria do discípulo; e não o ensinar, o dirigir nem o apascentar os outros. E Jerônimo também diz: O ofício do monge não é ensinar, mas gemer. E o Papa Leão ordena: Fora dos sacerdotes do Senhor, ninguém ouse ensinar, quer seja monge, quer leigo, embora glorificado pela sua ciência. Ora, não é lícito transgredir o próprio ofício e o estatuído pela Igreja. Logo, parece não ser lícito aos religiosos ensinar, pregar nem praticar atos semelhantes.

2. Demais. – Uma determinação do Sínodo Niceno assim dispõe: Firme e invariavelmente mandamos, que nenhum monge imponha. qualquer penitência a outrem que não for seu irmão em religião, como é justo; que não sepulte nenhum morto, se não for um monge com quem conviva no mesmo mosteiro, salvo se se tratar de um religioso aí surpreendido pela morte, embora de outra religião. Ora, como esses são deveres dos clérigos, assim também o são pregar e ensinar. Ora, como um é ofício do monge e outro, o do clérigo, conforme o ensina Jerônimo, parece não ser lícito aos religiosos pregar, ensinar nem praticar atos semelhantes.

3. Demais. – Gregório diz: Nenhum religioso pode prestar os serviços eclesiásticos e ao mesmo tempo viver regularmente a vida monástica. Ora, os monges estão obrigados a observar fielmente a regra monástica. Logo, não podem prestar os serviços eclesiásticos. Mas, ensinar e pregar são serviços eclesiásticos. Logo, parece que não lhes é lícito pregar nem ensinar ou praticar atos semelhantes.

Mas, em contrário, diz Gregório formalmente o contrário: Pela autoridade deste decreto, que dispomos em virtude da nossa autoridade apostólica e com o fito na piedade! aos sacerdotes monges, representantes das pessoas dos Apóstolos, seja lícito pregar, batizar, dar a comunhão, orar pelos pecadores, impor penitência e perdoar os pecados.

SOLUÇÃO. – De dois modos pode um ato não ser lícito a alguém. – Primeiro, por ter alguma contrariedade com aquele para com quem é considerado ilícito; assim, a ninguém é lícito pecar, porque todos os homens estão em si mesmos obrigados a observar a lei de Deus, à qual se opõe o pecado. E neste sentido se diz não ser lícito pregar ou ensinar ou fazer atos semelhantes, a quem, por si mesmo, repugnam eles, quer em razão de algum preceito – como se dá com os irregulares que, por decisão da Igreja, não podem ascender às ordens sacras – quer por causa do pecado, conforme aquilo da Escritura: Mas ao pecador disse Deus – Por que falas tu dos meus mandamentos? Ora, deste modo, não é ilícito aos religiosos pregar, ensinar e exercer atividades semelhantes. Quer por não estarem obrigados, por voto e preceito de regra, a se absterem de tais atos. Quer também por não se tornarem, por qualquer pecado que hajam cometido, menos idôneos para assim procederem; e, antes, mais Idôneos pelo exercício da santidade, que assumiram.

Ora, é absurdo afirmar que quem foi elevaria a viver uma vida de santidade venha a se tornar menos idôneo para exercer os deveres espirituais. Por onde, é observada a opinião de certos, que consideram o estado religioso, em si mesmo, como um obstáculo à prática dos referidos atos. E esse erro Bonifácio Papa exclui, pelas razões supra–referidas, quando diz: Certos, não apoiados em nenhuma doutrina, mas com grande ousadia e levados, antes de um zelo excessivo que da chama do amor, afirmam que os monges, pelo fato de estarem mortos para o mundo e viverem para Deus, não são idóneos para o exercício dos deveres sacerdotais, não podendo impor penitência, nem administrar o batismo, nem absolver em virtude da faculdade divina conferida para exercer o ofício sacerdotal. Mas esses tais estão absolutamente errados. E isso ele o mostra, primeiro, porque o exercício de tal ofício, no caso vertente, não contraria a regra; e por isso acrescenta: Pois, nem S. Bento, o piedoso instituidor da vida mona cal, de nenhum modo o impediu. Nem, semelhantemente, o proibiu nenhuma das outras regras. Em segundo lugar, refuta o erro em questão, atinente à idoneidade dos monges, quando, no fim do capítulo, acrescenta: Quanto mais perfeito for alguém, tanto mais faculdades terá na referida matéria, isto é, na da atividade espiritual.

Noutro sentido se diz ser ilícito um ato a uma pessoa, não pela existência de nenhuma contrariedade nesta, mas por lhe faltar a capacidade para ele. Assim, não pode o diácono celebrar missa por não ter ordens sacerdotais; não pode o presbítero dar uma sentença por não ter a autoridade episcopal. Mas, neste assunto, devemos distinguir. Pois, os atos lícitos aos que têm a ordem não podem ser permitidos senão aos que a possuem; assim, ao diácono não pode ser permitido celebrar missa, senão quando se tornar sacerdote. A alçada da jurisdição não pode ser cometida aos que não têm a ordem jurisdicional, assim como a prolação de uma sentença não o pode ao simples bispo.

Ora, neste sentido é que se diz não ser lícito ao monge e aos outros religiosos pregar, ensinar e praticar atos semelhantes; porque o estado religioso não lhes dá a faculdade de os praticar. Poderão porém fazê–los se receberem a ordem ou a jurisdição ordinária; ou ainda se lhes for concedido o que é próprio da jurisdição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Das palavras citadas conclui–se que os monges, pelo fato de o serem, não estão investidos do poder de praticar tais atos; mas não, que o fato de o serem implique nenhuma contrariedade à execução deles.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também uma disposição do concílio Niceno estatui que os monges não usurpem para si; só pelo fato de o serem, o poder de exercer tais atos; mas não proíbe que esse exercício lhes possa ser conferido.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Estas duas funções não são compatíveis – exercer o ofício ordinário do ministério eclesiástico e viver a vida religiosa num mosteiro. Mas isto não exclui que os monges e os outros religiosos possam às vezes desempenhar deveres eclesiásticos por uma comissão dos prelados, a quem eles incumbem de ordinário; e sobretudo se pertencer o religioso a uma religião especialmente instituída para tal fim, como a seguir se dirá.

Art. 10 – Se o religioso, num mesmo gênero de pecado, peca mais gravemente que o secular.

O décimo discute–se assim. – Parece que o religioso, num mesmo gênero de pecado não peca mais gravemente que o secular.

1. – Pois, diz a Escritura: O Senhor que é bom será propício para todos os que buscam de todo o seu coração o Senhor Deus de seus pais, e ele não lhes imputará falta de não estarem bem purificados. Ora, parece que os religiosos, mais que os seculares, buscam de todo o seu coração o Senhor Deus de seus pais; pois os seculares dão uma parte de si e de seus bens a Deus e reservam outra para si, como diz Gregório. Logo, parece que menos lhe será imputado ao religioso a falta pela qual se desvie da santificação.

2. Demais. – Quem pratica boas obras Deus se encoleriza menos contra seus pecados; assim, diz a Escritura: Tu dás socorro a um ímpio e jazes liga com os que aborrecem ao Senhor e tu te fizeste digno da ira do Senhor; mas em ti se achavam certas obras boas. Ora, os religiosos fazem maior número de boas obras que os seculares. Logo, se cometerem alguns pecados, Deus se encolerizará menos contra eles.

3. Demais. – Não podemos viver esta vida sem pecado, conforme aquilo da Escritura: Todos nós tropeçamos em muitas coisas. Se, pois, todos os pecados dos religiosos fossem mais graves que os dos seculares, resultaria que a condição deles seria inferior à destes e então de bom conselho não seria a entrada em religião.

Mas, em contrário, o maior mal exige maior penitência. Ora, parece que os pecados dos que vivem no estado de santidade e de perfeição é que exigem maior penitência. Pois, diz a Escritura: O meu coração está jeito em pedaços dentro de mim mesmo; e depois acrescenta: O projeta e o sacerdote se corromperam e na minha casa achei os males que eles lá cometeram. Logo, os religiosos e outros que vivem no estado de perfeição, em igualdade de condição, pecam mais gravemente que os outros.

SOLUÇÃO. – O pecado cometido pelo religioso pode ser mais grave que o da mesma espécie cometido pelo secular, de três modos. – Primeiro, se contrariar o voto de religião, como se fornicar ou furtar; pois, fornicando, procede contra o voto de continência e, roubando, contra o de pobreza, e não somente contra o mandamento da lei divina. – Segundo, se pecar por desprezo, porque então será mais ingrato para com os divinos benefícios, que o sublimaram ao estado de perfeição. Por isso, diz o Apóstolo, que maiores tormentos merece o fiel que, pecando, por desprezo pisar aos pés o Filho de Deus. Donde a queixa do Senhor, na Escritura: Donde vem que aquele que eu amo cometeu tantas maldades na minha casa? – De terceiro modo, o pecado do religioso pode ser maior por causa do escândalo, porque muitos trazem as vistas voltadas para a vida dele. Donde o dizer o Senhor: Nos profetas de Jerusalém vi semelhanças de adúlteros e caminhos de mentira; e fortificaram as mãos dos malvadíssimos para que se não convertesse cada um da sua malícia.

Mas se o religioso, não por desprezo, mas, por fraqueza ou ignorância cometer um pecado não contrário ao voto da sua profissão, e sem escândalo, por exemplo, às ocultas, peca, num mesmo gênero de pecado, mais levemente que o secular. Porque o seu pecado, sendo leve, fica como absorvido pelas muitas boas obras que pratica, e, sendo mortal, mais facilmente dele se levanta. – Primeiro, pela sua intenção, que traz elevada para Deus e que, embora por momentos interrompida, volta a ser facilmente o que era. Por isso, àquilo da Escritura – Quando cair não se ferirá – diz Orígenes: O ímpio, depois de ter pecado, não se arrepende e não sabe emendar o seu pecado. Ao contrário, o justo sabe emendá–la, sabe corrigi–lo. Assim, aquele que disse – não conheço esse homem – pouco depois, fitado pelo Senhor. soube chorar amargamente. E aquele que por um postiço vira uma mulher e a desejara, soube dizer: Pequei e fiz o mal na tua presença – Além disso o religioso tem companheiros que o ajudam o levantar–se, conforme e diz a escritura: Se um cair o outro o susterá Ai! do que está só, porque quando cair não tem quem o levante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O lugar citado se refere aos pecados cometidos por fraqueza ou ignorância; mas não aos cometidos por desprezo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também Josafá, a quem foram dirigidas as palavras referidas, pecou, não por malícia, mas por uma fraqueza de afeto humano.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os justos não pecam facilmente por desprezo; mas se às vezes resvalam nalgum pecado, é por ignorância ou fraqueza, e dele facilmente se levantam. Mas se porventura pecarem por desprezo, tornam–se os piores e os mais incorrigíveis, segundo a Escritura: Tu quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste – não servirei. Porque, semelhante a uma mulher impudica, te prostituta: em todo o outeiro elevado e debaixo de toda árvore frondosa. Donde o dizer Agostinho: Desde que comecei a servir ó Deus, dificilmente ache homens melhores que os que o servem nos mosteiros; mas também não achei piores que os que nos mosteiros pecam.

Art. 9 – Se o religioso sempre peca mortalmente, que transgride as prescrições da sua regra.

O nono discute–se assim. – Parece que o religioso sempre peca mortalmente, que transgride as prescrições da sua regra.

1. – Pois, proceder contra o voto é pecado mortal, seguindo as palavras do Apóstolo; quando diz que as viúvas que querem casar têm a sua condenação, porque fizeram vã a primeira fé. Ora, os religiosos, pela profissão do voto, ficam adstritos à regra. Logo, pecam mortalmente, transgredindo–lhe as prescrições.

2. Demais. – A regra é imposta ao religioso como uma lei. Ora, quem transgride os preceitos da lei peca mortalmente. Logo, segundo parece, o monge, que transgride as prescrições da sua regra, peca mortalmente.

3. Demais. – O desprezo conduz ao pecado mortal. Ora, quem repete frequentemente o que não lhe é lícito fazer, parece pecar por desprezo. Logo, segundo parece, o religioso, transgredindo a regra frequentemente, peca mortalmente.

Mas, em contrário, o estado de religião é mais seguro que o da vida secular; por isso Gregório compara a vida secular ao mar tumultuoso e a vida de religião, a um porto tranquilo. Ora, se toda transgressão das prescrições da regra obrigasse o religioso sob pecado mortal. O estado religioso seria perigosíssimo por causa do sem–número das suas observâncias. Logo, qualquer transgressão da regra não constitui pecado mortal.

SOLUÇÃO. – De dois modos pode uma prescrição ser de regra. Primeiro como fim da regra; tal o que diz respeito aos atos de virtude. E a transgressão de tais prescrições, enquanto constitui material geral de preceito, obrigam sob pecado mortal. Mas, pelo que excedem à necessidade geral do preceito, não obrigam sob pecado, salvo se houver desprezo. Pois, como se disse, o religioso não está obrigado a ser perfeito, mas a tender à perfeição – ao que contraria o desprezo da perfeição. – De outro modo, a regra concerne a um exercício exterior, como são todas as observâncias externas. E dentre elas há algumas a que o religioso está obrigado pelo voto da sua profissão. Ora, o voto da profissão recai sobretudo sobre a tríplice matéria enumerada. ­ A pobreza, a continência e a obediência, à qual tudo o mais se ordena. Por onde, a transgressão desse tríplice preceito constitui pecado mortal; a das outras prescrições porém não o constituem, salvo se houve desprezo pela regra, o que diretamente contraria à profissão, pela qual o religioso fez voto de uma vida regular; ou se havia um preceito verbalmente imposto pelo prelado ou expresso na regra – pois, então, o reli groso procederia contra o voto de obediência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Quem professa uma regra não faz voto de observar tudo quanto nela se contém; mas, faz voto de uma vida regular, por essencial consistente nos três votos referidos. – Por isso, em certas religiões, os religiosos, mais cautamente, professam não a regra, mas viver segundo a regra, isto é, procurar informar os seus atos pela regra, como por um modelo. O que não é compatível com o desprezo. – Outras religiões, ainda mais cautamente, professam a obediência seguirão a regra, de modo que não contraria à profissão senão o que vai contra o preceituado na regra. Quanto à transgressão ou à omissão do mais, só constitui pecado venial. Pois, como dissemos, essas são umas disposições para os votos principais; ora, o pecado venial é uma disposição para o mortal, como dissemos, porque impede o religioso de dispor–se a observar os preceitos principais da lei de Cristo, que são os preceitos da caridade. – Mas, há uma religião – a da Ordem dos Irmãos Pregadores, em que essa transgressão ou omissão genericamente não constitui culpa, nem mortal nem venial, mas só que merece uma pena determinada; pois, deste modo, fica o religioso obrigado a tais observâncias. Contudo, podem pecar venial ou mortalmente por negligência, concupiscência ou desprezo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem tudo o que a lei estabelece o faz como preceito. Mas certas prescrições elas as impõe como ordens ou determinações que obriga, sob certa pena. Assim como a lei civil não considera sempre passível da pena de morte a transgressão dos seus preceitos. Do mesmo modo na lei da Igreja não obrigam sob pena de pecado mortal todas as ordens ou prescrições. E igualmente, nem todos os preceitos da regra.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Pratica um ato ou uma transgressão por desprezo quem voluntariamente se recusa a obedecer à prescrição da lei ou da regra, e por isso procede contra a lei ou a regra. Mas quando e inversamente, por alguma causa particular, por exemplo, pela concupiscência ou pela ira, é levado a agir contra o estatuído na lei ou na regra, nesse caso não peca por desprezo mas, por uma outra causa; ainda que frequentemente e pela mesma causa ou outra semelhante reitere o seu pecado. Assim, como diz Agostinho, nem todos os pecados se cometem pelo desprezo da soberba. Mas, a frequência do pecado induz dispositivamente, ao desprezo, conforme àquilo da Escritura: O ímpio, depois de haver chegado ao profundo dos pecados, tudo despreza.

Art. 8 – Se o voto de obediência é o mais principal dos três votos de religião.

O oitavo discute–se assim. – Parece que o voto de obediência não é o mais principal dos três votos de religião.

1. – Pois, a perfeição da vida religiosa começou com Cristo. Ora, Cristo especialmente aconselhou a pobreza e não vemos que tenha aconselhado a obediência. Logo, o voto de pobreza é mais principal que o de obediência.

2. Demais. – A Escritura diz: Todo preço é nada em comparação de uma alma continente. Ora, o voto que tem um objeto mais digno é mais principal. Logo, o voto de continência é mais principal que o voto de obediência.

3. Demais. – Quanto mais principal é um voto tanto mais indispensável é, segundo parece. Ora, os votos de pobreza e de continência são tão essenciais às regras monacais, que nem o Sumo Pontífice pode dispensar deles, de conformidade com uma decretal; e pode contudo dispensar um religioso da obediência ao seu prelado. Logo, parece que o voto de obediência é menos principal que o da pobreza e da continência.

Mas, em contrário, diz Gregório: Por direito, a obediência é preferível à oblação de vitimas, porque sacrificando estas, sacrificamos a carne alheia, ao passo que pela obediência, sacrificamos a nossa própria vontade. Ora, os votos de religião constituem, de certo modo, um holocausto, como dissemos. Logo, o voto de obediência é o mais principal entre todos os votos de religião.

SOLUÇÃO. – O voto de– obediência é o principal, dos três votos de religião. E isto por três razões. – Primeiro, porque, pelo voto de obediência oferecemos a Deus o bem da nossa vontade, maior que o ao corpo, que o religioso consagra a Deus pela continência; e que o das coisas exteriores, que oferece a Deus pelo voto de pobreza. Por onde, o que fazemos por obediência é mais aceito de Deus que o que fazemos por nossa vontade própria, conforme o diz Jerônimo: Pelo meu discurso quero ensinar–te a não procederes conforme ao teu arbítrio. E logo depois acrescenta: Não faças o que queres, come o que te mandam, recebe o que te derem, veste o que te deixarem. E por isso também o jejum não é recebido de Deus quando por nossa vontade própria o fazemos, segundo a Escritura: No dia do vosso jejum se acha a vossa vontade. – Segundo, porque o voto de obediência em si contém os outros votos, mas não ao inverso. Pois, o religioso, embora obrigado a observar o voto de continência e o de pobreza, contudo também estes caem sob a obediência, que abrange muito mais matéria além da observância da continência e da pobreza. – Terceiro, porque o voto de obediência propriamente se estende aos atos próximos ao fim da religião. Ora, quanto mais uma coisa é próxima do fim tanto melhor é. Donde, também o voto de obediência é mais essencial à religião. Quem, pois, sem o voto de obediência, observa a pobreza voluntária e a continência, mesmo com voto, nem por isso professa o estado de religião, o qual se antepõe mesmo do estado de virgindade observado por voto. Assim, diz Agostinho: Ninguém, que eu saiba, ousou antepor a virgindade à vida monástica.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O conselho da obediência se inclui na vida dos que querem seguir a Cristo, pois, quem obedece segue a vontade de outrem. Por isso, a obediência realiza mais a perfeição que o voto de pobreza; pois, como diz Jerónimo, a perfeição Pedro a acrescentou, quando disse: e te seguimos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Do lugar citado não se depreende, que a continência se anteponha a todos os outros atos virtuosos, mas sim, à castidade conjugal, ou ainda às riquezas exteriores do ouro e da prata que se calculam pelo peso. – Ou, pela continência se entende, em universal, a abstenção de todo mal, como se estabeleceu.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Papa não pode dispensar o religioso do voto de obediência de modo tal que fique livre de obedecer ao prelado no atinente à perfeição da vida; pois, não pode eximi–lo de lhe obedecer a si. Pode porem isentá–lo da sujeição a um prelado inferior, o que não é dispensar do voto de obediência.

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