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Category: Notícias e atualidadeConteúdo sindicalizado

Existe direito à união homossexual?

Pe. Jean Michel Gleize

O que pensar da recente declaração do Papa Francisco? “Pessoas homossexuais têm o direito de pertencer a uma família. Eles são filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser excluído ou forçado a ser infeliz por isso. O que temos de fazer é criar uma legislação para a união civil. Dessa forma, eles ficam legalmente cobertos.”  Ao reivindicar para os homossexuais “o direito de pertencer a uma família”, o Papa, claro está, não tem em mente apenas a situação de um homossexual que, ao que pese a sua homossexualidade, teria o direito de permanecer membro da sua família: filho do seu pai e da sua mãe, irmão dos seus irmãos e irmãs. Trata-se de mais do que isso, trata-se do direito de reivindicar uma “lei da união civil” destinada a proteger o direito dos homossexuais de viverem como um casal, como cônjuges, à exemplo do que ocorre no casamento entre o homem e a mulher.

Num livro publicado no ano de 2017, resumindo as “entrevistas” do Papa com Dominique Wolton, Francisco havia claramente descartado a possibilidade de um “matrimônio” entre homossexuais. “Que pensar”, interroga-se o pontífice, “do casamento das pessoas do mesmo sexto? O matrimônio é uma palavra histórica. Desde sempre, na humanidade, e não apenas na Igreja, tratou-se de um homem e uma mulher. Não se pode mudar isso assim [...] não se pode mudar isso. Trata-se da natureza das coisas, e elas são assim. Chamemos isso de união civil. Não devemos brincar com as verdades. É certo que, por detrás disso há a ideologia de gênero. [...] Digamos as coisas como são: o matrimônio ocorre entre um homem e uma mulher. Esse é o termo correto. Chamemos a união do mesmo sexo de união civil”.

Aos olhos do papa, não se pode mudar a natureza das coisas, e o matrimônio é uma palavra empregada para designar a realidade natural, tal como a humanidade sempre a reconheceu: realidade que é a da união de um homem com uma mulher. Não poderíamos, portanto, utilizar esse termo para designar a união de pessoas do mesmo sexo, pois aqui estamos no plano da definição das coisas. Eis o porquê, nesse plano mesmo, da teoria (pois se trata precisamente de uma “teoria”) de gênero corresponder a uma ideologia. Ocorre diferentemente se nos situamos no plano da definição pastoral, pois se trata de qualificar a atitude da Igreja no tocante às pessoas, no contexto da vida em sociedade. Francisco retorna então à Amoris laetitia, no seu no. 291: “A Igreja não cessa de valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondam ou que não correspondam mais ao seu ensinamento sobre o matrimônio”. Isso equivale a dizer que o plano da realidade natural, com as definições que ela comporta, e o plano da compreensão pastoral, que se refere à ordem jurídica da vida em sociedade, podem não se cruzar e serem heterogêneos.

A novidade -- pois se trata de uma – das declarações recentes do papa em relação à declaração dada no livro de 2017, é que o papa agora reivindica um “direito” para a união civil dos homossexuais. Há novidade, certamente, no sentido de que o papa diz em 2020 o que ainda não dizia em 2017. Mas a novidade é só aparente se considerarmos que a afirmação de 2020 já estava em germe (ou virtualmente presente) nos princípios anunciados em 2017. O direito à união civil dos homossexuais já estava inscrito antecipadamente nos parágrafos citados de Amoris laetitia. Francisco só faz explicitar, de modo lento, mas seguro e inevitável, a sequência lógica do seu próprio discurso.

O pressuposto de uma lógica desse tipo deve ser sublinhado. Tudo se passa como se a ordem jurídica e social da lei humana positiva não mais se fundasse na lei natural, e como se o “direito” que a lei civil reconhece pudesse ser dissociado do “direito” que tem de decorrer normalmente da natureza do homem, ao ponto mesmo de se contradizerem. O papa reconhece, com efeito, que o direito da Igreja, que só reconhece como união sexual legítima o matrimônio, definido como a união de um homem com uma mulher, não exclui um outro direito, a saber, o da sociedade civil, na qual o Estado reconhece a união homossexual como legítima. Seja qual for a intenção do papa, está claro que uma concepção semelhante do direito corresponde diretamente a uma concepção materialista e mesmo marxista do homem. O homem não é mais uma realidade estável, conforme a sua essência, mas o termo sempre renovado de uma incessante evolução, na qual o espírito se liberta cada vez mais da matéria. A moralidade e, com ela, a ordem política, não possuiria outro fundamento que a tomada de consciência da necessidade de evolução. A natureza, no sentido em que a compreende a filosofia de Aristóteles e de Santo Tomás, não existe mais. Ou antes: ela se reduz à consciência, único elemento estável por ser objeto de evolução.

João Paulo II, é verdade, havia reprovado em 2003 o reconhecimento jurídico e legal das uniões homossexuais por parte das autoridades civis. O argumento principal apresentado pelo papa polonês era o seguinte: “Nas uniões homossexuais, estão completamente ausentes os elementos biológicos e antropológicos do matrimônio e da família que poderiam fundar razoavelmente o seu reconhecimento jurídico. Essas uniões não estão em condição de assegurar, de modo adequado, a procriação e a sobrevivência da espécie humana”. Por causa disso: “A Igreja ensina que o respeito para com os homossexuais não pode, de modo algum, conduzir à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento jurídico dessas uniões”. Contudo, é preciso dizer que, mesmo o Papa João Paulo II julgou bom afirmar que a liberdade religiosa é a “fonte e a síntese” de todos os outros direitos. Ele escreveu, com efeito: “É necessário que os povos que estão em vias de reformar as suas instituições deem à democracia um fundamento autêntico e sólido graças ao reconhecimento explícito desses direitos. Entre os principais é preciso recordar o direito à vida da qual fazem parte integrante o direito de crescer no seio da sua mãe após a concepção; em seguida, o direito de viver numa família unida e num clima moral favorável ao desenvolvimento da sua personalidade; [...] o direito de fundar livremente uma família, acolher e educar crianças, exercendo de modo responsável a sua sexualidade. Em um sentido, a fonte e a síntese desses direitos é a liberdade religiosa, entendida como o direito de viver na verdade da sua fé e em conformidade com a dignidade transcendente da sua pessoa.” Isso não equivale a introduzir o veneno que, com o passar do tempo, desembocaria em 2017 e em seguida em 2020, na reivindicação do direito legal à união civil dos homossexuais?

É inegável que, ao defender o princípio da liberdade religiosa, Roma promoveu de fato uma sociedade que, concedendo espaço igual a todas as opiniões, teria de ficar neutra. Ela renunciou ao Estado confessional católico, não apenas na prática e no curto prazo, mas ainda no seu princípio mesmo. O campo ficou aberto para uma legislação que, ao ignorar a Deus, não pode mais encontrar o meio de justificar a referência exclusiva à lei natural. Não é de se admirar, portanto, que os governantes das sociedades civis, pelo fato mesmo de organizarem a sociedade sem levar Deus em consideração, a organizem sem levar a natureza em consideração. Por vontade mesma do Concílio Vaticano II, a consciência libertou-se de todo constrangimento da parte dos poderes públicos, sobre o plano da vida em sociedade. O matrimônio e a união civil podem coexistir pacificamente numa sociedade de tal tipo, em justos limites, que não os da fé e da moral. Por essa razão, a política não está mais em continuidade com a natureza. Independente das realidades naturais e das definições necessárias que elas implicam, a nova doutrina social da Igreja é resolutamente personalista: a atitude para com as pessoas não decorre mais dos princípios da natureza. Pode-se recusar a teoria do gênero, precisamente enquanto teoria, como algo contrário às realidades naturais: a prática se encarrega de aceitar aquilo que a teoria reprova.

(Courrier de Rome, Outubro de 2020)

Esse confinamento que mata

Nota da Permanência: O Padre Denis Puga proferiu esse sermão, de enorme atualidade, na segunda-feira, 9 de novembro de 2020 na Igreja Saint-Nicolas-du-Chardonnet em Paris. A França acabava de proibir a assistência a Missa.

 

 

Caríssimos fiéis,

Eis que os senhores estão novamente impossibilitados de seguir os ofícios da Igreja, a não ser através de uma tela. É uma forma de perseguição, já que não se deve acreditar que exista uma intenção boa por trás de tudo isso. Festejamos hoje a consagração da Catedral de São-João-de-Latrão, em Roma, que é a catedral do Papa. Todas as igrejas do mundo dependem desta igreja, todas as igrejas são consagradas e, portanto, pertencem a Deus e ao culto de Deus. Não se tem o direito de privar os católicos de seus edifícios porque pertencem a eles. A liberdade de culto dos católicos é um direito fundamental. Em um momento em que ouvimos falar tanto sobre direitos humanos, eis um direito humano fundamental, o direito de praticar publica e socialmente a religião verdadeira. Esse direito é inalienável, ninguém pode tirá-lo de nós. Não há intenções boas por trás dessas proibições. Quem teria nos dito no início deste ano de 2020, quando nos desejavamos um feliz ano novo, que nos veríamos privados da missa, privados do santo sacrifício da missa? Teríamos certamente respondido: “Não, que exagero! Não estamos em um país comunista, não estamos na China de Mao Tse Tung ou na União Soviética de Stalin!" No entanto, eis-nos aqui privados da missa por mais um mês, sim... Por decisão do Estado, que finalmente se colocou no lugar de Deus, os fiéis não podem mais participar.

 

Um falso pretexto de saúde

Não há uma intenção justa, e que não nos aleguem o pretexto da saúde, porque não é por causa da saúde. A prova, caríssimos fiéis, é que este confinamento que se supunha ser mais “soft”, como hoje se diz, este confinamento fecha as igrejas, ou seja, proíbe o culto aos fiéis. Ora, verifica-se que se trata de uma decisão de governo, posto que o famoso Conselho Científico -- do qual muitas vezes já nos queixamos -- nas suas recomendações dadas no último mês, declarara que, em caso de reconfinamento, não seria necessário fechar igrejas, nem mesmo proibir, parar o culto público. 

Qual é a intenção, então? Por que o governo foi além dessa determinação [do Conselho Científico]? Os senhores sabem que o Conselho de Estado indeferiu as ações de associações que, assim como fizeram no primeiro semestre do ano, recorreram da decisão. Elas haviam ganho o recurso na ocasião, mas agora o Conselho de Estado indeferiu o recurso impetrado por associações como o Civitas e outras -- a Fraternidade São Pio X estava ligada a elas. Aqui está um bom combate: a luta pela liberdade da Missa honra a associação Civitas e as demais. Alguns bispos talvez estejam começando a acordar, não é fácil acordá-los, mas alguns começaram a acordar.

 

Hipocrisia e dissimulação

Por detrás de tudo isso, não há uma intenção sanitária; é algo muito misterioso, é global. Vou dar um exemplo -- é quase risível -- de algo que não aconteceu aqui, mas na Inglaterra. Os senhores sabem que eles também têm um confinamento e que, entre as medidas desse confinamento, é proibido, exceto por motivos graves, deixar o país, viajar para outros países. Ora, na Câmara dos Comuns, semana passada, muito seriamente, o Ministro da Saúde britânico respondeu, após ser perguntado por um deputado, que o fato de se querer viajar para realizar suicídio assistido era motivo suficiente para poder passar a fronteira. Isso era motivo suficiente! E a saúde, e o desejo de salvar vidas humanas? Por enquanto, a lei ainda proíbe o suicídio assistido na Inglaterra.

Já disse aos senhores o que está ocorrendo com relação ao aborto hoje em dia. De mansinho, enquanto todos estão preocupados com o confinamento, leis permissivas se multiplicam: vão aumentar a autorização do aborto para quatorze semanas, vão retirar a cláusula de consciência dos médicos que existia desde 1974. Não, não, não é a saúde que está por trás de tudo isso. E se de fato existem vítimas dessa doença, o que não se pode negar, não estamos enfrentando a peste. Quantos negócios vão morrer! Todos nós conhecemos pessoas que ficaram doentes, talvez até algumas que morreram, por outro lado, também conhecemos pessoas que perderam o emprego, que se encontram em situações econômicas dramáticas: é outra forma de morte. Sabemos que quando houve a crise de 1929 com toda a bagunça do desemprego, houve um aumento considerável dos suicídios. Pensem nesses pais que se veem tendo que alimentar uma família e que se inquietam com seu trabalho. Oh, promete-se muitas coisas, mas quem virá ajudá-los?

 

Um tempo de perseguição

Este é um tempo de perseguição, não esperávamos que isso acontecesse, mas está chegando e sabemos quem está por detrás de tudo: aqueles que lutam contra a Igreja Católica, contra toda forma de religião, contra todo culto prestado a Deus, porque não o suportam. Ontem, caríssimos fiéis, vimos a igreja ser cercada por forças policiais com um ônibus na entrada e policiais impedindo a entrada ou saída. O que é que nós fizemos? Os vizinhos do bairro,sem dúvida se perguntaram: "Deve estar havendo um ataque terrorista na igreja de Saint-Nicolas-du-Chardonnet para haver tantos policiais!" “Se nos tivessem perguntado, responderíamos: “Não, não é isso, mas algo muito mais sério: nós ousamos celebrar a missa!" Pronto ... percebem aonde chegamos? Claro que, como os senhores sabem, foram os vizinhos, nossos gentis vizinhos, que tiveram o prazer malicioso de nos denunciar para a prefeitura ou para a mídia. Rezemos por eles, tanto pior para eles. Não temos medo de nossa fé. Creio que são, sem dúvida, os dignos sucessores daqueles que nos anos 1940 a 1945 denunciavam os judeus em seus bairros.

 

Devemos defender nossas igrejas

Falam-nos de um confinamento que vai durar, o estado de urgência sanitária vai durar pelo menos até fevereiro e os médicos que invadem os aparelhos de televisão vão pedindo cada vez mais, como se fosse da sua competência. Portanto, temos que nos preparar para um período difícil, um longo período, um período de resistência, meus irmãos, talvez seja uma segunda luta pela Missa que se abre agora, porque os católicos não devem ser ovelhas. Devemos defender nossas igrejas, devemos defender este direito de dizer missa publicamente. Nesses dias existem iniciativas, pessoas que espontaneamente foram rezar em frente às catedrais que estavam fechadas, é muito bom, devemos continuar nesta direção, senão a Igreja morre. A Igreja morre não pela perseguição dos inimigos, mas pela fraqueza dos cristãos.

 

Vamos orar em nossas igrejas abertas

Sim, este é um segundo combate e talvez o mais importante. Não percamos a coragem, vamos agarrar-nos às nossas igrejas. Quando elas estiverem abertas, saibam que os senhores sempre têm a possibilidade de entrar nelas, mesmo a caminho de suas atividades profissionais, ao fazerem compras, para suas visitas médicas, se passarem em frente a uma igreja, podem entrar lá para rezar. Aproveitem, caríssimos fiéis, há graças especiais  relacionadas à oração em um lugar consagrado, porque, no dia da consagração da igreja, o bispo faz orações especiais por aqueles que virão se santificar pela oração nessas igrejas. Não deixemos essas graças escaparem, não escutemos aqueles que, mesmo no governo, dizem: "De qualquer forma, os católicos têm a possibilidade de rezar em qualquer lugar." Não, preocupemo-nos com as nossas igrejas, mesmo que tenham sido roubadas pela Revolução, de modo que só temos o uso e não mais a propriedade das mesmas; essas igrejas que, no entanto, foram construídas com o dinheiro dos católicos, não com o do Estado. Essas igrejas, nós as temos, e não as abandonaremos.

 

Aqueles que conduzirem o combate serão abençoados

A consagração da catedral de São-João-de-Latrão, a primeira catedral do mundo, pouco antes de Constantino, pelo Papa Silvestre, foi o sinal do triunfo da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Todas as igrejas, assim como Saint-Nicolas-du-Chardonnet, foram consagradas e manifestam a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela sua existência, pela sua vida. Portanto, não vamos abandoná-las e lutemos para que não sejam profanadas, mas sempre usadas ​​para o verdadeiro culto rendido a Deus. Quem conduzir esse combate será abençoado: leigos, padres, o que for. Todos os católicos que liderarem esta luta terão que sofrer, porque sempre sofremos ao querer defender a missa, porque é a Cruz e o católico é um cruzado, mas os senhores não imaginam as bênçãos de Deus que descerão sobre eles, sobre suas famílias. Peçamos isso à Virgem Maria que foi o primeiro edifício consagrado a Jesus, pois é no seu seio que Jesus se encarnou e por isso Deus a fez tão santa, tão pura, sem mácula, sem pecado original. Peçamos a Ele que nos dê o amor pela Igreja, o amor por nossas igrejas, e lutemos por elas. Sim, devemos empreender um grande movimento de resistência, fiéis às leis de Deus, às leis da Igreja, mas um verdadeiro combate.

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Que assim seja.

Do coronavirus ao reino de Satanás

[ Reproduzimos aqui a carta enviada pelo Pe. Laurent, capucinho, aos terciários franciscanos, sobre a questão do coronavirus ]

 

Caros terciários,

Desde a nossa última carta, muita coisa aconteceu. A chegada repentina do coronavírus, as ações tomadas em seguida pelos governos da maioria dos países: levará algum tempo até que se tenha o recuo necessário para uma análise completa da situação. No entanto, desde já, importa considerar tudo de um modo católico, afim de nos portarmos em tudo como filhos de Deus.

Em primeiro lugar, gostaríamos de exprimir nossa compaixão por todas as famílias afetadas pela epidemia. Que Deus conceda descanso eterno a todas as almas que se foram, e que se digne a secar as lágrimas de todos que choram (Is 25, 8). Nossa compaixão também se estende a todos vocês, que foram privados dos sacramentos, especialmente durante a Semana Santa e a Páscoa. Seus padres fizeram o possível para contornar o problema com as medidas toleradas pela lei. Tenham certeza de que continuam rezando especialmente por vocês.

Mas o dever do sacerdote é também, e acima de tudo, o de jogar a luz da fé nessas provações.  Ora, as pragas que nos tocaram são um castigo e visam a nossa conversão. "Minha vontade é a morte do ímpio? diz o Senhor Deus. Não é antes que ele se converta e viva?" (Ez 18, 23).

 

Uma punição coletiva

Nossos pecados pessoais merecem nosso castigo pessoal, neste mundo ou no outro. Quanto às sociedades, elas não sobreviverão a este mundo. Assim, é a partir desta vida que a justiça divina se exerce contra elas. Deus costuma enviar um castigo coletivo (epidemias, guerras, desastres naturais ou sociais), para que as sociedades ‘entrem em si’ (Lc 15,17) e voltem-se para Ele.

O castigo coletivo afeta diretamente a sociedade, ou seja: é um sinal de que ela pecou; mas afeta indiretamente os indivíduos, o que significa que, para eles, o flagelo não é necessariamente punição, mas uma oportunidade de praticar a virtude, às vezes em grau heróico. Assim, muitos são os que sucumbem, vítimas de um zelo admirável pelos pacientes com peste ou cólera.

O coronavírus está atingindo a sociedade como um todo. Ela pecou. A epidemia é o estigma que marca seu crime aos olhos de todos. Mas que seja para nós uma oportunidade de crescermos em virtude.

 

Outra punição, muito mais terrível

O coronavírus é a "árvore que esconde a floresta" do totalitarismo terrível. De fato, nos eventos que se desenrolam diante de nossos olhos, devemos distinguir entre a realidade (a doença e suas vítimas) e a exploração que se faz dela. A desproporção entre o vírus e as medidas tomadas para impedir sua disseminação é óbvia para todos. Assim também é a orquestração perfeita de quase todos os governos.

Primeiro, a epidemia serviu de pretexto para impôr medidas policiais inéditas até agora: mais da metade da população mundial ficou trancafiada em casa, os menores deslizes eram suscetíveis de serem tratados com severidade.

Estamos testemunhando uma aceleração dos ataques contra a lei moral: aborto em casa1, livre acesso à pornografia, eutanásia para idosos... e uma onda de denúncias em todos os círculos, conseqüência do regime totalitário e policial. A tática do "medo" é uma engrenagem importante na sociedade revolucionária para escravizar as populações. Pensemos no padre descrito por Solzhenitsyn no livro "O Arquipélago Gulag", perseguido dia e noite pela polícia secreta, e que acaba pulando no pescoço dos agentes que o prendem... Mas, esse medo, ao qual a prisão deu fim, é apenas o prelúdio de um sofrimento muito mais terrível.

Por último, mas não menos importante, um fato único na história da maioria das nações cristãs: o culto público é proibido. Obviamente, a Igreja não foi a única afetada. Todas as religiões e até mesmo todas as reuniões estão incluídas na mesma proibição. Mas, além do fato de ser um insulto à Igreja estar sujeita ao direito comum e ser colocada no mesmo nível das seitas, a perfídia do sistema aplica com mais rigor as leis comuns à Igreja do que aos supermercados.

Em resumo, estamos entrando em um regime que combina a escravidão soviética, as leis assassinas do Estado Nacional Socialista e o golpe de força que, através da sedução, consegue fazer com que a maioria da população mundial aceite tal tirania. Esse neo-comunismo é a grande punição do nosso mundo. As décadas seguintes à perestroika podem ter dado a ilusão de que esse perigo foi evitado. Em poucas semanas, por uma espécie de "guerra relâmpago", vemos isso quase realizado diante de nossos olhos.

 

A causa do castigo: a apostasia das nações

Não haveria grande utilidade em apontar e descrever o mal, sem denunciar a causa. Como o Bispo Delassus demonstrou admiravelmente (Les pourquoi de la guerre mondiale, 1920), ao castigo da guerra de 1870 seguiu-se uma reação superficial: verificou-se o ressurgimento da piedade, mas não a conversão das inteligências.

"O erro primordial", escreveu o Cardeal Pie, "o crime capital deste século é a pretensão de subtrair a sociedade pública do governo e da lei de Deus". Em outras palavras, o crime capital é a apostasia das nações.

"Não se passa impunemente sem o Único Necessário", escreveu ele. "O mundo tolera a existência a Deus, desde que não tenha de alterar o seu curso [...] Enquanto durar o mundo, não aceitaremos confinar [sic] o reino de Deus ao céu ou mesmo ao interior das almas."

"A grande lei, a lei comum da Providência no governo dos povos, é a lei de talião. O que as nações fazem a Deus, Deus faz às nações". A sociedade moderna confinou Deus às sacristias; como justa retribuição, as populações foram confinadas às suas casas e ainda não vimos tudo.

Mas a tragédia é que o confinamento de Jesus Cristo na esfera individual não é apenas o ato do mundo ímpio. Esse vírus, esse veneno infectou os homens da Igreja. A liberdade religiosa é o fundamento da religião conciliar. Da liberdade religiosa ao ecumenismo, do ecumenismo ao culto idólatra de Pachamama, a deriva é fatal. É louvável denunciar este último crime, mas devemos estigmatizar a causa, para reagir em conformidade.

 

A reação do mundo

Na grande maioria, as pessoas não enxergam tudo isso. O pânico desencadeado e mantido pela mídia inibe toda a reflexão. Talvez pela primeira vez em suas vidas, alguns finalmente tenham percebido que a morte pode chegar a qualquer momento. Infelizmente, privados de um ideal, não têm nada a se apegar ... exceto a essa vida miserável que passa.

Não se enganem: esse medo orquestrado é contagiante. Se não nos armarmos internamente, nos deixaremos dominar por ele.

 

Nossa reação

São Paulo enuncia magnificamente a atitude do católico diante do mal: "Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (Rom 12, 21). Um ilustre chefe de Estado disse: “Todos os povos conheceram sucessos e contratempos. É pela maneira com que reagem que se mostram fracos ou altivos.”

Primeiro, nossa reação à epidemia. É especialmente em face da morte que os católicos devem ser testemunhas de Jesus Cristo. Diz São Paulo: ”Não vos entristeçais como os outros, que não têm esperança" (1Ts 4, 3). São Francisco gostava de repetir que somos “peregrinos e hóspedes sobre a terra” (Heb 11, 13). Nossa alegria é nos dirigirmos ao lar do Senhor, o céu (ver Sl 121, 1).

Lembremos também que foi o beijo que São Francisco deu no leproso o ponto central de sua conversão, como ele afirma em seu Testamento. Aquele que não podia suportar a visão desses pobres trapos humanos, "voltando para enfrentar sua perfeita resolução de vida e lembrando que tinha que primeiro se conquistar se quisesse se tornar um soldado de Cristo" (São Boaventura), fez a si próprio esta violência", e o que lhe parecera amargo foi transformado em gentileza de alma e corpo" (Testamento). Sim, a alegria franciscana que atrai as almas e conquista a sua conversão tem esse preço.

 

Nossa reação ao neo-comunismo global

O Cardeal Pie, aludindo-se aos Últimos Dias, lembra que eles serão precedidos pelo "divórcio das sociedades com Deus". "A Igreja, uma sociedade que sem dúvida será sempre visível, será reduzida cada vez mais a proporções meramente individuais e domésticas. [...] Ela se verá disputando o chão, pé a pé, ela estará cercada, constrangida por todos os lados." Não é isso que vimos nas últimas semanas?

Então, qual é o dever dos bons nestes tempos? Devem eles se acomodar? Não, disse o ilustrado prelado. “O destronamento terrestre de Deus é um crime: nunca nos resignemos a ele!" Os verdadeiros católicos repetirão, "lutando por uma impossibilidade mais palpável do que nunca, dirão com energia redobrada e pelo ardor de suas orações, pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, assim na terra como no céu; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade! "

 

Nossos meios de ação

Como pediremos concretamente o reino de Deus na terra como no céu? Nossos meios são nossa regra. É através dela que nos venceremos e faremos Jesus Cristo reinar. "Minha reforma social", diz Leão XIII, "é a Ordem Terceira". “Não faz sentido transformar instituições se não se transforma as almas", disse o estadista citado acima.

A Regra da Terceira Ordem prescreve o Ofício do Pater: nos faz gemer com a oração ensinada por Jesus e clamar o seu reino nesta terra. A Regra nos faz reverenciar o jugo suave da lei de Cristo, prescrevendo práticas concretas de renúncia ao mundo e às boas obras na vida cotidiana. Sem essas práticas humildes, seremos talvez bons oradores, mas não muito credíveis (ver Tg 1, 23-25). “Mostra-me a tua fé sem obras”, diz São Tiago, “e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras (2, 18). Assim, a Regra viveu, é Jesus Cristo que reina em nossas almas, nas famílias, em nossos relacionamentos sociais.

Finalmente, em conclusão, só podemos encorajar a leitura dos belos exemplos dos heróis da resistência católica ao comunismo, que sabiam que não deviam se deixar vencer pelo mal, mas triunfar sobre ele com o bem. Digne-se São Francisco dar-nos a graça de estarmos de pé nesta luta!

 

Irmão Laurent, O. C. D.

  1. 1. Na França, pretextando emergência sanitária, o Ministro da Saúde chegou a facilitar o aborto em casa, l’avortement à domicile. (N. da P.)

O Choro da Bala Perdida

Dom Lourenço Fleichman OSB

Todos os dias, na cidade do Rio de Janeiro, acontecem tiroteios, confrontos entre policiais e bandidos, nas favelas e periferias. Todos os dias há mortos, há dramas, há choro.

A população da cidade e do país fica submetida a uma série de pressões, de stress, de medos. Vivemos assim e, como em toda guerra, procuramos levar a vida dentro de certa normalidade.

Acontece que, invariavelmente, essas situações dramáticas apresentam cenas muito parecidas, eu diria mesmo repetitivas, diante do olhar distraído de todos, sem que as pessoas pareçam saber como lidar com elas.    Continue lendo.

Visita a uma exposição

 

Quando me recomendaram visitar a exposição Brasil 500 anos - Arte Barroca, realizada no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, alertaram-me para alguns detalhes que poderiam me desagradar. Fui e saí chocado com o que vi, e principalmente com o que ouvi.
 
A exposição, realizada com todo o requinte da modernidade, agrupa um impressionante acervo de estátuas barrocas, todas religiosas, cada uma delas merecendo do visitante alguns bons momentos de olhar contemplativo, silencioso, para poder assimilar na lentidão de nossas parcas almas, a grandeza do que estes grandes homens fizeram antes de nós.
 
Mas toda essa impressionante grandeza é jogada no chão, achatada, pela parvoíce, pela pequenez, pela submissão ao modismo (que é falsa cultura), dos curadores. E quando digo que é achatada, não falo apenas no sentido figurado,  mas até fisicamente, pois inventaram uma entrada e saída onde somos forçados a nos abaixar, talvez para procurar nos nossos intestinos algum traço dos tempos dos macacos!
 
Quando entramos na primeira sala temos a impressão que a mostra será excelente. Uma naveta de carregar incenso litúrgico, de prata, pequenina como é, enche literalmente a sala toda. É aqui que devemos nos abaixar e vai tudo por água abaixo. Na sala seguinte um ambiente escuro ornado por centenas de paus, troncos lisos, formando um cenário com pretensões ecológicas ou lá o que seja, abriga aqui e ali algumas estátuas barrocas. Esse cenário passaria desapercebido não fosse a sonorização, que nos lança de supetão, não no ambiente barroco e católico do século XVII ou XVIII, mas num sincretismo religioso pseudo-ecumênico, onde os sons misturam gregoriano com batuque do candomblé, o berimbau com as cordas de uma viola da gamba. E isso não é uma sucessão de músicas diferentes, mas uma mixagem que joga nossa alma num liquidificador espiritual, de onde só sentimos uma única sensação: ir embora o mais rápido possível. E só não saímos correndo de verdade porque as imagens são belíssimas e merecem o esforço e o sacrifício.
 
As outras salas são ornadas com uma espécie de campo florido, composto de bolas de papel colorido fixados no alto de pontas de vergalhão. Se já não é mais a ecologia, não saberia dizer o que quiseram representar; o fato é que a pobreza do cenário nada tinha de religioso, de espiritual, o que era necessário para bem apreciar obras de arte religiosa de um tempo revoluto. Senti muitas saudades da Mostra dos Espanhóis.
 
Duas coisas mantinham-se como na sala anterior: a beleza sem par da estatuária e o distúrbio mental e espiritual causado pela mistura das músicas.
 
Ao nos aproximarmos do fim, entramos numa sala onde foram expostas as pratarias cinzeladas e o ouro cintilante dos objetos litúrgicos. Belíssimos. A curiosidade dessa vez fica por conta da forma como são expostas as peças. Andamos sobre um piso de vidro blindex e as peças ficam debaixo do vidro. Invenção apenas desnecessária e "modernosa", se não tivessem tido o mau-gosto (já não é o primeiro) de expor uma imagem de Jesus Cristo crucificado, debaixo dos nossos pés! Para quê? Só para dar o gostinho aos infiéis de dizer que "pisaram" em Cristo? Pois é o que os curadores dessa exposição fizeram com a desfiguração do Barroco Brasileiro que ali criaram. E digo isso levado pelo choque que senti ao entrar na última sala. Ali estava estampada a razão de ser daquela música sincretista e irracional: a última sala é dedicada à macumba, às imagens da macumba; e no fundo dela, uma parede inteira com a foto do Cristo coberto de plástico que a afronta, o sacrilégio e o desrespeito dos carnavalescos levaram para o Carnaval alguns anos atrás. Nessa eu não fiquei. Mas entendi o porquê daquela música: a grande mensagem da mostra Barroco Brasileiro é de nos fazer crer que a continuação da arte religiosa brasileira encontra-se na macumba, e que a cultura desse povo é o carnaval!
 
Dizem que cada povo tem o governo que merece. Pois também é verdade dizer que cada povo tem a cultura que merece. E a cultura da barbárie é falsa cultura, como o culto dos demônios e dos espíritos é falso culto. E se essa é a cultura do Brasil de  hoje, então não existe mais cultura no Brasil.
 
Foi o que procurei dizer numa carta que deixei aos curadores, lá no museu. Carta que certamente não será lida. E se for, não mudará nada, pois os homens não querem mais conhecer a verdade e desconhecem que o Belo é o eterno esplendor da Verdade que é Deus.
 

 

 

 

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