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Art. 8 — Se os artigos da fé estão convenientemente enumerados.

(III Sent., dist. XXV. q. 1, a. 2: Compend., Theo., cap. CCXLVI. De Art. Fid. Et Sacr. Eccl., Expos. Iae Decr., cap. II)
 
O oitavo discute-se assim. — Parece que os artigos da fé estão inconvenientemente enumerados.
 
1. — Pois, o que pode ser conhecido por meio da razão demonstrativa não pertence à fé, de modo a ser para todos objeto da fé, como já se disse1. Ora, a unidade de Deus pode ser conhecida por demonstração; pois, o Filósofo o prova2 e muitos outros filósofos aduziram razões que a demonstram. Logo, a unidade de Deus não deve ser tida como um artigo de fé.
 
2. Demais. — Assim como, por força da fé, havemos de crer em Deus onipotente, assim também, por força da mesma, havemos de crer-lhe na onisciência e na sua universal Providência; e muitos erraram quanto a estes dois pontos. Logo, entre os artigos da fé, devia ter-se feito menção tanto da sabedoria e da Providência divina, como da onipotência.
 
3. Demais. — O conhecimento do Pai é o mesmo que o do Filho, conforme aquilo da Escritura (Jo 14, 9): Quem me vê a mim vê também o Pai. Logo, deveria haver só um artigo relativo ao Pai e ao Filho e, pela mesma razão, ao Espírito Santo.
 
4. Demais. — A pessoa do Pai não é menor que a do Filho e do Espírito Santo. Ora, vários artigos foram enumerados relativos à pessoa do Espírito Santo e, semelhantemente, à do Filho. Logo, vários também deviam ser os artigos relativos à pessoa do Pai.
 
5. Demais. — Assim como há algo de próprio à pessoa do Pai e à do Espírito Santo, assim também à do Filho, quanto à divindade. Ora, os artigos da fé atribuem uma obra própria ao Pai, que é a da criação; e semelhantemente, outra própria ao Espírito Santo, que é a de ter falado por meio dos profetas. Logo, os artigos da fé deviam também atribuir uma obra própria ao Filho, quanto à divindade.
 
6. Demais. — O Sacramento da Eucaristia tem as suas dificuldades próprias comparada com muitos artigos. Logo, devia ter-se feito um artigo especial sobre ele. Portanto, os artigos da fé não foram suficientemente enumerados.
 
Mas, em contrário, está a autoridade da Igreja que fez a enumeração.
 
SOLUÇÃO. — Como já se disse3, à fé essencialmente pertence aquilo de que gozaremos a visão na vida eterna, e que a ela nos conduz. Ora, duas coisas se nos propõem a serem vistas nessa vida: a divindade, que nos estava velada, e cuja visão nos torna felizes; e o mistério da humanidade de Cristo, pelo qual temos acesso à gloria dos filhos de Deus, conforme o Apóstolo (Rm 5, 2). Por isso, diz o Evangelho (Jo 17, 3): A vida eterna consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti, e a Jesus Cristo, que tu enviaste. Por onde, a primeira distinção das verdades da fé está em certas dizerem respeito à majestade divina; outras, ao mistério da humanidade de Cristo, que é o sacramento da piedade, como diz a Escritura (1 Tm 3, 16).
 
Ora, sobre a majestade divina três artigos se nos propõem a crer. — O primeiro é a unidade divina. E a esta pertence o primeiro artigo. — o segundo, a Trindade das pessoas. — Em terceiro lugar são-nos propostas as obras próprias da divindade. Das quais a primeira pertence à existência da natureza. E por isso é nos proposto o artigo da criação. — A segunda pertence à existência da graça. E por isso num mesmo artigo nos propõe tudo o que pertence à santificação humana. — A terceira enfim à existência da glória; e por isso é nos proposto outro artigo sobre a ressurreição da carne e a vida eterna. — E assim, há sete artigos pertencentes à divindade.
 
Semelhantemente, no tocante à divindade de Cristo se estabeleceram sete artigos. — Desses o primeiro versa sobre a encarnação ou a concepção de Cristo. — O segundo, sobre a sua natividade, da Virgem. — O terceiro, sobre a sua paixão, morte e sepultura. — O quarto sobre a descida aos infernos. — O quinto sobre a ressurreição. — O sexto, sobre a ascensão. — O sétimo, sobre o seu advento para o juízo.
 
E assim, são ao todo quatorze.
 
Certos porém distinguem doze artigos de fé: seis pertencentes à divindade e seis, à humanidade. Resumem num só os três artigos sobre as três Pessoas, porque o mesmo é o conhecimento delas três. Quanto ao artigo sobre obra da glorificação, dividem-no em dois: a ressurreição da carne e a glória da alma. E semelhantemente reduz a um os artigos sobre a concepção e a natividade.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO — Conhecemos pela fé muitas verdades a respeito de Deus que os filósofos não puderam investigar pela razão natural. Por exemplo, sobre a sua providência, sobre a onipotência, e que só a Ele devemos adorar. O que tudo está contido no artigo sobre a unidade divina.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O nome mesmo da divindade implica uma certa previsão, como se disse no Primeiro livro4. Ora, a potência, no ser inteligente, não obra senão pela vontade e pelo conhecimento. Por onde, a onipotência de Deus inclui, de certo modo, a ciência e a universal providência. Pois, não poderia fazer tudo o que quer, nos seres deste mundo, se não os conhecesse e exercesse sobre eles a sua providência.
 
REPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento do Padre, do Filho e do Espírito Santo é o mesmo, quanto à unidade essencial, pertencente ao primeiro artigo. Quanto, porém, à distinção das Pessoas, fundada nas relações de origem, o conhecimento do Filho está, de certo modo, incluído na do Padre. Pois, não seria Pai se não tivesse o Filho, sendo o nexo entre ambos o Espírito Santo. E sendo assim, bem andaram os que estabeleceram um só artigo relativo às três Pessoas. Mas como relativamente a cada uma das Pessoas, devemos atender a certos pontos sobre os quais é possível erro, podem estabelecer-se três artigos relativos às três Pessoas. Assim, Ário acreditava no Pai onipotente e eterno, mas não que o Filho fosse coigual e consubstancial ao Pai; por isso, foi necessário acrescentar um artigo sobre a pessoa do Filho para determinar o ponto em questão. E pela mesma razão foi necessário introduzir o artigo terceiro, contra Macedónio, sobre a pessoa do Espírito Santo. E semelhantemente, a concepção de Cristo, a sua natividade e ainda a ressurreição e a vida eterna podem ser compreendidas sob uma mesma noção, num mesmo artigo, enquanto tendo uma mesma ordenação. Mas, sob outra noção podem se distinguir, enquanto tendo, cada uma, dificuldades especiais.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Ao Filho e ao Espírito Santo é próprio serem enviados para santificar a criatura. Havendo, pois, mais verdades que devemos crer, sobre a pessoa do Filho e do Espírito Santo, são mais os artigos, que sobre a Pessoa do Pai, que nunca é enviado, conforme se disse na Primeira Parte5
 
RESPOSTA À QUINTA. — A santificação da criatura, pela graça, e a consumação, pela gloria, também se operam pelo dom da caridade, próprio do Espírito Santo e pelo da sapiência, próprio do Filho. Por onde, ambas essas obras propriamente pertencem ao Filho e ao Espírito Santo, sendo disso, porém, diversas as razões.
 
RESPOSTA À SEXTA. — Duas coisas podemos considerar no sacramento da Eucaristia. Primeiro, que é um sacramento; e portanto, com o mesmo fundamento que os outros efeitos da graça santificante. Depois, que contém milagrosamente o corpo de Cristo, e então está compreendido na onipotência, como todos os outros milagres à onipotência atribuídos.

  1. 1. Q. 1, a. 5, ad 3
  2. 2. in XII Metaph. (lect. XII)
  3. 3. Q. 1, a. 6, ad 1.
  4. 4. Q. 13, a. 8
  5. 5. Q. 43, a. 4
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