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Artigo 4: A perfeição da primeira graça em Maria

A graça habitual que a Bem-aventurada Virgem Maria recebeu no instante mesmo da criação de sua santa alma foi uma plenitude na qual se verificou imediatamente o que o anjo deveria dizer-lhe no dia da Anunciação: “Deus te salve, cheia de graça”. Isso é o que Pio IX afirma com a Tradição ao definir o dogma da Imaculada Conceição, dizendo que Deus, desde o primeiro instante, “amou-a [Maria] mais que todas as criaturas, prae creaturis universis, e com amor tal, que colocou nela, de modo especial, todas as suas complacências. E por isso cumulou-a tão maravilhosamente com os tesouros de sua divindade, mais que a todos os espíritos angélicos, mais que a todos os santos” 1. Poderiam ser citados aqui muitíssimos testemunhos da Tradição 2.

Santo Tomás 3 explica a razão dessa plenitude inicial de graça quando diz: “Quanto mais alguém se aproxima de um princípio (de verdade ou de vida), mais participa de seus efeitos. Por isso afirma Dionísio 4 que os anjos, por estarem mais perto de Deus que os homens, participam mais de suas bondades. Ora, Cristo é o princípio da vida da graça; como Deus, nele está a causa principal, e como homem, transmite-a a nós (depois de tê-la merecido), pois sua humanidade é como um instrumento sempre unido à divindade: “A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo 5. Estando a bem-aventurada Virgem Maria mais próxima de Cristo que ninguém, posto que tomou dela sua humanidade, recebeu, portanto, d’Ele, uma plenitude de graça que supera a todas as outras criaturas”.

São João Batista e Jeremias foram também, segundo o testemunho da Escritura, santificados no seio de sua mãe, mas sem serem preservados do pecado original; Maria, desde o primeiro instante de sua concepção, recebeu a graça santificante num grau muitíssimo superior ao deles, com o privilégio especial de ser preservada no futuro de toda falta, mesmo venial, o que não se afirma de nenhum outro santo 6.

Em seu Comentário à Ave Maria 7, Santo Tomás descreve a plenitude de graça em Maria (verificada já na plenitude inicial) da maneira seguinte: enquanto que os anjos não manifestam seu respeito aos homens, porque são superiores a eles como espíritos puros e porque vivem sobrenaturalmente na santa familiaridade de Deus, o arcanjo Gabriel, ao saudar Maria, mostra-se cheio de respeito e veneração por ela, pois compreendeu que ela lhe superava pela plenitude de graça, pela intimidade divina com o Altíssimo e por sua perfeita pureza.

Maria recebeu, com efeito, a plenitude da graça sob um tríplice aspecto: para evitar todo pecado, por leve que fosse, e praticar eminentemente todas as virtudes; para que essa plenitude transbordasse de sua alma ao seu corpo e concebesse o Filho de Deus feito homem; para que essa plenitude transbordasse também sobre todos os homens 8 e nos ajudasse na prática de todas as virtudes.

Ademais, ela superava os anjos por sua santa familiaridade com o Altíssimo, e por isso o Arcanjo Gabriel disse-lhe ao saudá-la: “O Senhor é convosco, como se lhe dissesse: vós estais mais intimamente unida a Deus que eu, pois Ele será o vosso Filho, enquanto que eu não sou mais que seu servo. De fato, como Mãe de Deus, Maria tem uma intimidade mais estreita que os anjos com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Supera, enfim, aos anjos por sua pureza, ainda que sejam espíritos puros, pois ela não era apenas puríssima em si mesma, senão que dava pureza aos demais. Não só estava isenta do pecado original 9 e de toda falta mortal ou venial, mas também da maldição devida ao pecado: “Darás à luz com dor... e em pó te hás de tornar 10. Conceberá o Filho de Deus sem perder a virgindade, levá-lo-á com um santo recolhimento, dará a luz com alegria, será preservada da corrupção do sepulcro e será associada pela Assunção à Ascensão do Salvador.

Maria já é bendita entre todas as mulheres porque ela somente, com seu Filho e por Ele, removerá a maldição que pesava sobre a raça humana e nos trará a benção abrindo-nos as portas do Céu. Por isso é chamada de Estrela do Mar, porque dirige os cristãos para o porto da eternidade.

O anjo disse-lhe: Bendito é o fruto do vosso ventre. De fato, enquanto o pecador busca no que deseja aquilo que não pode ali encontrar, o justo encontra tudo o que deseja santamente. Desde esse ponto de vista, o fruto do ventre de Maria será três vezes bendito.

Eva desejou o fruto proibido para ter “a ciência do bem e do mal” e poder governar-se sozinha, sem obedecer a ninguém; foi seduzida pela mentira: “Sereis como deuses”; mas longe de fazer-se semelhante a Deus, distanciou-se e desviou-se d’Ele. Maria, pelo contrário, encontrará tudo no fruto bendito de seu ventre; n’Ele encontrará o próprio Deus e também nos fará encontrá-Lo.

Eva, ao ceder à tentação, desejou a deleitação dos prazeres e encontrou a dor; Maria, ao contrário, encontra e nos faz encontrar a alegria e a salvação em seu divino Filho.

Finalmente, o fruto desejado por Eva não tinha nada mais que uma beleza sensível, enquanto que o fruto do ventre de Maria é o esplendor da glória espiritual e eterna do Pai. A própria Virgem é bendita, porém, mais ainda é seu Filho, que traz aos homens a bênção e a salvação.

Assim fala Santo Tomás da plenitude de graça em Maria, em seu Comentário à Ave Maria; distingue acima de tudo a plenitude realizada no dia da Anunciação; mas isso se aplica primeiramente à plenitude inicial, em certa medida, como o que é dito do rio aplica-se à fonte de onde veio.

 

Comparação entre a graça inicial de Maria e a dos santos

Tem-se perguntado se a graça inicial de Maria foi maior que a graça final de cada um dos anjos e dos homens, e até mesmo se foi maior que a graça final de todos os anjos e de todos os santos juntos. E essa pergunta é geralmente entendida, não precisamente como a graça consumada no Céu, mas como a graça chamada final, enquanto precede imediatamente a entrada no Céu 11.

À primeira parte dessa questão, os teólogos respondem comumente de maneira afirmativa; esse é, particularmente, o pensar de São João Damasceno 12, Suárez 13, Justin de Miechow, O. P. 14, de C. Vega 15, de Contenson 16, de Santo Afonso 17 e dos Pe. Terrien 18, Godts, Hugon, Merkelbach etc. Hoje, todas as obras de Mariologia são unânimes nesse ponto, e o expressa também Pio IX na Bula Ineffabilis Deus, na passagem que citamos anteriormente.

A razão principal é tomada da Maternidade Divina, motivo de todos os privilégios de Maria, e essa razão aparece sob dois aspectos, segundo se considere o fim ao qual a primeira graça foi ordenada nela ou o amor divino, que foi a causa.

A primeira graça, de fato, foi outorgada a Maria como uma digna preparação para a Maternidade Divina, ou para prepará-la para ser digna Mãe do Salvador, diz Santo Tomás 19. Ora, a própria graça consumada dos outros santos não é ainda a digna preparação para a Maternidade Divina, que pertence à ordem hipostática ou de união ao Verbo. A primeira graça em Maria já supera, pois, a graça consumada dos outros santos.

Também os piedosos autores exprimem essa verdade acomodando as palavras do Salmo LXXXVI: Fundamenta ejus in montibus sanctis, e o entendem assim: o que constitui nos santos o cume da perfeição não é ainda sequer o começo da santidade de Maria.

Essa mesma razão aparece sob outro aspecto, considerando o amor incriado de Deus para a Santíssima Virgem. Como a graça é o efeito do amor ativo de Deus que nos faz, desse modo, amáveis aos seus olhos, como filhos adotivos, uma pessoa receberá a graça tanto mais abundantemente quanto mais amada ela é por Deus. Maria, desde seu primeiro instante, em sua qualidade de Mãe de Deus, é mais amada por Ele que qualquer santo, mesmo que esse tenha atingido o término da sua vida, e mais que qualquer anjo. Ela recebeu, pois, desde o primeiro instante, uma graça superior. Hoje não há nenhuma dúvida sobre isso e nem sequer se discute essa questão.

 

A primeira graça em Maria foi superior à graça final de todos os santos e anjos juntos?

Alguns teólogos, entre os antigos e os modernos, têm negado que a primeira graça em Maria tenha sido superior à graça final de todos os santos e anjos juntos 20. É, no entanto, muito provável, se não certo, segundo pensa a maioria dos teólogos, e é necessário responder afirmativamente com Vega, Contenson, Santo Afonso, Godts, Monsabré, Tanquerey, Billot, Sinibaldi, Hugon, Janssens, Merkelbach etc.

Em primeiro lugar, existe uma prova de autoridade. Pio IX, na bula Ineffabilis Deus, favorece muito claramente essa doutrina quando diz na passagem já citada: “Deus, desde o princípio..., escolheu e preparou para seu Filho unigênito, a Mãe...; amou-a mais que todas as criaturas, e com amor tal, que colocou nela, de modo especial, todas as suas complacências. E por isso cumulou-a tão maravilhosamente com os tesouros de sua divindade, mais que a todos os espíritos angélicos, mais que a todos os santos, com a abundância de todos os dons celestiais, e... apareceu com tal plenitude de inocência e de santidade que não se pode conceber maior, excetuando a de Deus, e que nenhum entendimento que não seja o do próprio Deus pode medir tamanha grandeza”. Segundo o sentido óbvio, todas essas expressões, especialmente “todos os santos”, significam que a graça em Maria, desde o primeiro instante do qual se fala aqui, superava a de todos os santos juntos; se Pio IX tivesse querido dizer que a graça em Maria superava a de algum santo, teria escrito “mais que qualquer anjo ou santo” e não “mais que a todos os espíritos angélicos, mais que a todos os santos”. Não teria dito que Deus amou Maria mais que a todas as criaturas, “prae cunctis creaturis”, nem que colocou nela todas as suas complacências, “ut in illa una sibi propensissima voluntate complacuerit. Não se pode dizer que não se trata da graça no primeiro instante, pois Pio IX, na continuação da passagem citada, diz: “era conveniente que [Maria] brilhasse sempre adornada dos resplendores da perfeitíssima santidade”.

Um pouco mais adiante, na mesma bula, é dito que, segundo os Santos Padres, Maria é superior pela graça aos Querubins, aos Serafins e a todo o exército dos anjos, “omni exercitu angelorum, quer dizer, a todos os anjos reunidos. Todos o consentem se se trata de Maria já no Céu, mas é necessário recordar que o grau da glória celeste é proporcionado ao grau de caridade do momento da morte, e que o grau de Maria estava também proporcionado à dignidade de Mãe de Deus, para a qual foi preparada a Santíssima Virgem desde o primeiro instante.

A esse argumento de autoridade tirado da bula Ineffabilis Deus, é preciso acrescentar duas razões teológicas, tomadas da Maternidade Divina, que tornam mais preciso o que expusemos anteriormente seja considerando o fim ao qual foi ordenada a primeira graça, ou o amor incriado que foi sua causa.

Para bem entender essas duas razões teológicas, deve-se observar em primeiro lugar que, embora a graça seja da ordem da qualidade e não da quantidade, pelo fato de que a plenitude inicial em Maria supera a graça consumada do maior dos santos, não é imediatamente evidente para todos que ela supere a graça de todos os santos juntos. A visão da águia, como qualidade ou poder, supera a do homem que tem melhores olhos, mas não lhe permite ver, no entanto, aquilo que vêem juntos todos os homens espalhados pela Terra. É verdade que se mescla aqui uma questão de quantidade ou de extensão e uma de distância, o que não acontece ao tratar-se de uma qualidade imaterial como a graça. Convém, não obstante, adicionar aqui uma nova precisão aos dois aspectos já mencionados.

A primeira graça em Maria, uma vez que a preparava para ser a digna Mãe de Deus, deveria ser já proporcionada, ao menos de uma forma remota, à Maternidade Divina. A graça final de todos os santos, mesmo tomados em conjunto, não é ainda proporcionada à dignidade da Mãe de Deus, que é de ordem hipostática, como vimos. A graça final, então, de todos os santos, tomados em conjunto, é inferior à primeira graça recebida por Maria.

Esse argumento parece certo em si mesmo, embora alguns teólogos não tenham compreendido todo seu alcance.

Objeta-se: a primeira graça em Maria não é ainda uma preparação próxima para a Maternidade Divina e a prova, portanto, não é concludente.

Muitos teólogos têm respondido: ainda que a primeira graça em Maria não seja uma preparação próxima para a Maternidade Divina, ela é, não obstante, uma preparação digna e proporcionada, segundo a expressão de Santo Tomás: “A primeira [perfeição da graça], e como dispositiva, tornava a Bem-aventurada Virgem idônea para ser Mãe de Cristo” 21. A graça consumada de todos os santos juntos não é ainda proporcionada à Maternidade Divina, que é da ordem hipostática; portanto, a prova conserva sua força.

A pessoa que é mais amada por Deus que todas as criaturas juntas recebe uma graça maior que todas essas criaturas reunidas, pois a graça é o efeito do amor incriado e proporcionada a ele. Como diz Santo Tomás: “Deus ama este mais que aquele, tanto que lhe deseja um bem superior, pois a vontade divina é a causa do bem que existe nas criaturas” 22. Ora, desde toda a eternidade, Deus ama a Virgem Maria mais que todas as criaturas juntas, porquanto deveria prepará-la desde o primeiro instante de sua concepção para ser a digna Mãe de Deus. Segundo a expressão de Bossuet: “Ele sempre amou Maria como Mãe, e a considerou como tal desde o primeiro instante em que foi concebida” 23.

Isso, ademais, não exclui em Maria o progresso da santidade ou o aumento da graça, pois sendo esta uma participação da natureza divina, pode sempre aumentar e sempre será finita; mesmo a plenitude final de graça em Maria é limitada, ainda que transborde sobre todas as almas.

A essas duas razões teológicas relativas à Maternidade Divina acrescenta-se uma confirmação importante que aparecerá pouco a pouco ao falar da mediação universal de Maria. Ela podia, de fato, desde a Terra e desde que pôde merecer e suplicar, obter mais por seus méritos e orações que todos os santos juntos, pois eles nada obtêm sem a mediação universal da Santíssima Virgem, que é como o aqueduto de todas as graças, ou como o pescoço do Corpo Místico, por meio do qual os membros são unidos à cabeça. Em suma: Maria, desde que pôde merecer e orar, podia sem os santos obter mais do que todos os santos juntos sem ela. Ora, o grau de mérito corresponde ao grau da caridade e da graça santificante; logo, Maria recebeu desde o início da sua vida um grau de graça superior ao grau que possuíam imediatamente antes da sua entrada no Céu todos os santos e todos os anjos reunidos.

Existem outras confirmações indiretas ou analógicas mais ou menos aproximadas: uma pedra preciosa como o diamante vale mais que uma quantidade de pedras preciosas reunidas. O mesmo se dá na ordem espiritual: um santo como o Cura d'Ars podia mais por suas orações e méritos que todos os seus paroquianos juntos. Um fundador de uma ordem como São Bento valia mais individualmente, pela graça divina que havia recebido, que todos os seus primeiros companheiros, pois todos eles reunidos não teriam conseguido fazer essa fundação sem ele, enquanto que São Bento poderia ter encontrado outros irmãos como os que o haviam seguido.

Foram propostas também outras analogias: a inteligência de um arcanjo supera a de todos os anjos inferiores a ele, tomados em conjunto. O valor intelectual de Santo Tomás sobrepuja o de todos os seus comentadores. O poder de um rei é superior não só ao de seu primeiro-ministro, mas também ao de todos os seus ministros juntos.

Se os antigos teólogos não trataram explicitamente essa questão, foi provavelmente porque a solução parecia-lhes evidente. Diziam, por exemplo, ao fim do tratado da caridade ou da graça, para demonstrar sua dignidade: enquanto que uma moeda de 10 francos não vale mais que dez moedas de um franco, uma graça ou uma caridade de dez talentos vale muito mais que dez caridades de um só talento 24; e por isso o demônio busca manter na mediocridade as almas que, pela vocação religiosa ou sacerdotal, são chamadas a uma maior perfeição; quer impedir o pleno desenvolvimento da caridade, que faria muitíssimo mais bem que uma caridade multiplicada simplesmente em grau comum ou acompanhada de tibieza.

Deve-se ficar atento à categoria da pura qualidade imaterial que é a da graça santificante. Se a visão da águia não supera a de todos os homens reunidos, é porque aqui se mescla uma questão de quantidade ou de distância local, pelo fato de que os homens dispersos nas diferentes regiões da superfície da Terra podem ver o que a águia, colocada sobre um pico dos Alpes, não pode alcançar. É completamente diferente na ordem da pura qualidade.

Se isso é certo, não há a menor dúvida de que Maria, pela primeira graça que já a dispôs à Maternidade Divina, vale mais aos olhos de Deus que todos os Apóstolos, mártires, confessores e virgens reunidos, que existiram e existirão na Igreja; mais que todas as almas e que todos os anjos criados desde a origem do mundo.

Se a arte humana realiza maravilhas de precisão e beleza, o que não poderá fazer a arte divina na criatura de sua predileção, de quem se disse: “Elegit eam Deus et praelegit eam Deus elegeu-a e predestinou-a”, e que foi elevada, como diz a liturgia, acima de todos os coros dos anjos? A primeira graça recebida por Maria era já uma digna preparação para sua Maternidade Divina e para sua glória excepcional, imediatamente inferior à de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ademais, ela sofreu em proporção, como Ele, pois devia ser vítima com Ele, para triunfar também com Ele e por Ele.

Essas razões teológicas permitem-nos vislumbrar desde já toda a elevação e a riqueza da primeira graça em Maria.

Se as obras da literatura clássica grega, latina, francesa, espanhola ou de qualquer outro idioma encerram muitíssimo mais belezas que as que descobrimos na primeira leitura, ao lê-las aos quinze ou vinte anos; se só percebemos essas belezas ao voltarmos a ler essas obras em idade mais madura; se o mesmo acontece com os escritos de um Santo Agostinho ou de um Santo Tomás, o que pensar das belezas ocultas nas obras-primas do próprio Deus, nas compostas imediatamente por Ele, e sobretudo nessa obra-prima espiritual de natureza e de graça que é a alma santíssima de Maria, Mãe de Deus? Inclina-se alguém primeiro a afirmar a riqueza da plenitude inicial de graça nela em razão de sua beleza vislumbrada; acontece depois que nos perguntamos se não exageramos na nota, transformando uma probabilidade em certeza; e, finalmente, um estudo profundo leva-nos à primeira afirmação, mas com conhecimento de causa, não só porque é belo, mas porque é verdadeiro, e porque existem razões de conveniência não só teóricas, mas de conveniências que efetivamente motivaram a escolha divina e nas quais se comprouve o beneplácito de Deus.

  1. 1. Ineffabilis Deus: “Deus, desde o princípio e antes de todos os séculos, escolheu e preparou para seu Filho unigênito, a Mãe pela qual haveria de nascer, ao encarnar-se, na ditosa plenitude dos tempos; amou-a mais que todas as criaturas, prae creaturis universis, e com amor tal, que colocou nela, de modo especial, todas as suas complacências. E por isso cumulou-a tão maravilhosamente com os tesouros de sua divindade, mais que a todos os espíritos angélicos, mais que a todos os santos, com a abundância de todos os dons celestiais, e foi sempre isenta completamente de todo pecado e, bela e perfeita, apareceu com tal plenitude de inocência e de santidade que não se pode conceber maior, excetuando a de Deus, e que nenhum entendimento que não seja o do próprio Deus pode medir tamanha grandeza”.
  2. 2. Cf. TERRIEN, La Mère de Dieu, t. II, lib. VII, p. 191-234. – De la broise, S. J., La Sainte Vierge, c. II e III, e Dict. Apol., art. Marie, col. 207 e ss.
  3. 3. IIIª, q. 27, a. 5.
  4. 4. De caelesti Hierarchia, c. 4.
  5. 5. Jo 1, 17.
  6. 6. Cf. ibid., a. 6, ad 1.
  7. 7. Expositio super salutatione angelica, opúsculo escrito por volta de 1272-73.
  8. 8. Os teólogos geralmente dizem hoje que Maria nos mereceu com um mérito de conveniência (de congruo) tudo o que Cristo nos mereceu em estrita justiça (de condigno).
  9. 9. Nesse texto, segundo a edição crítica que foi feita dele, vimos acima Santo Tomás, em 1272-73, dizer que Maria foi preservada do pecado original.
  10. 10. Gn 3, 16.19.
  11. 11. Os teólogos admitem geralmente que a graça consumada de Maria no céu supera a glória de todos os santos e anjos reunidos; e que ao menos a graça final de Maria, no momento da morte e até mesmo no momento da Encarnação do Verbo, superou a graça final de todos os santos reunidos ao finalizar sua vida terrena. Aqui perguntamo-nos se a plenitude inicial em Maria tinha já esse valor em comparação com a dos santos. Sabemos, além disso, que o grau de glória nos eleitos corresponde ao grau de graça e de caridade que tinham antes de entrar no céu.
  12. 12. Orat. de Nativ. Virg., P. G., XCVI, 648 ss.
  13. 13. De mysteriis vitae Christi, disp. IV, sect. 1.
  14. 14. Collat. super litanias B. Mariae Virginis, col. 134.
  15. 15. Theologia Mariana, n. 1150 ss
  16. 16. Theol. mentis et cordis, 1. X, diss. VI, c. l.
  17. 17. Glorie di Maria, IIª P., disc. 2.
  18. 18. La Mère de Dieu, t. I.
  19. 19. IIIª, q. 27, a. 5, ad 2
  20. 20. Teófilo Raynaud, Terrien e Lepicier só respondem afirmativamente se se trata da plenitude final da graça em Maria, ao fim de sua vida mortal. Outros, como Valência, aceitam se se trata da graça da segunda santificação, no momento da Encarnação do Verbo; mas SAnto Afonso, Glória de Maria, II, disc. 2, p. 1, e com ele a maioria dos teólogos modernos o admitem para a plenitude inicial. As duas primeiras afirmações são certas: a terceira, relativa à plenitude inicial, é pelo menos muito provável, como o prova muito bem o Pe. Merkelbach, Mariologia, 1939, pp. 178-181.
  21. 21. IIIª, q. 27, a. 5, ad. 2.
  22. 22. Iª, q. 20, a. 4.
  23. 23. Cf. E. Dublanchy, Dict. Théol. cath., art. Marie, col. 2367: “O ensinamento de Pio IX na Ineffabilis Deus resume a razão teológica na qual apoiou-se constantemente a tradição teológica: o amor especialíssimo de predileção de Deus pela Virgem Maria, com preferência a todas as outras criaturas. Amor tal que só nela Deus pôs suas complacências, e que por ele lhe deu o que tem de mais caro, o seu próprio Filho. E de acordo com o ensino de Santo TomÁs, Sum. Theol., , q. 20, a. 3, o bem que Deus produz nas criaturas é proporcional ao amor que lhes tem. É, portanto, uma conclusão certa que Maria, amada por Deus especialissimamente sobre todas as criaturas, foi o objeto dos favores divinos, em maior grau que todas elas, mesmo tomadas coletivamente.
  24. 24. Cf. Salmanticenses, De caritate, disp. V, dub. III, § 7, n.os 76, 80, 85, 93, 117.
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