Pe. Garrigou-Lagrange, OP
As duas grandes verdades que, na doutrina revelada sobre a Virgem Maria, dominam tudo como dois picos e de onde derivam todas as outras, são a Maternidade Divina e a plenitude da graça, afirmadas ambas pelo Evangelho e pelos Concílios.
Para compreender bem sua importância, será bom compará-las, inquirindo qual das duas é a primeira e da qual tudo deriva na Mariologia. O que há de mais grandioso em Maria: sua Maternidade Divina, seu título de Mãe de Deus, ou a plenitude da graça?(Continue a ler)
Apresentação do problema
Alguns1 têm respondido: a plenitude da graça. Tem-se inclinado a essa maneira de ver porque o Evangelho narra que, passando Jesus por entre a multidão, disse-lhe uma mulher: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste amamentado”; e Jesus respondeu: “Antes, bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”2. Pareceu a alguns, por essa resposta do Salvador, que a plenitude da graça e da caridade, princípio dos atos sobrenaturais e meritórios de Maria, é superior à Maternidade Divina, que em si seria de ordem natural e corpórea.
Segundo muitos outros teólogos3, essa razão não é conclusiva, por muitas razões: em primeiro lugar, porque essa mulher não falava precisamente da Maternidade Divina; não considerava Jesus como Deus, mas sim como um profeta ouvido, admirado e aclamado, e falava principalmente da maternidade corporal segundo a carne e o sangue: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste amamentado”. Não pensava no que a Maternidade Divina traz espiritualmente, como consentimento sobrenatural e meritório, ao mistério da Encarnação redentora. De onde a resposta do Senhor: “Antes, bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Mais precisamente, Maria tornou-se a Mãe do Salvador escutando a palavra de Deus, crendo nela e dizendo generosamente com uma perfeita conformidade à vontade de Deus e com tudo o que isso implicava: “Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”; não cessou de conservar em seu coração as palavras divinas desde o dia venturoso da Anunciação, até tal ponto que Santa Isabel lhe disse: “Beata quae credidisti, quoniam perficientur ea quae dicta sunt tibi a Domino”4, “Bem-aventurada tu, que creste, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas”; enquanto que, ao contrário, Zacarias ficou mudo por não ter acreditado nas palavras do anjo Gabriel, “et ecce eris tacens... pro eo quod non credidisti verbis meis”5.
A questão permanece, pois, de pé: o que há de mais grandioso em Maria: sua Maternidade Divina, tal como se realizou nela, ou a plenitude da graça e da caridade?
Convém insistir, para precisar a questão, neste ponto: que a maternidade numa criatura racional não é somente a maternidade segundo a carne e o sangue, como no animal, senão que exige de per si o consentimento livre dado à luz da reta razão a um ato cujo exercício entranha de per si a liberdade e as leis morais relativas ao matrimônio, porque caso contrário, seria uma falta. Ademais, para a Maternidade Divina, foi pedido a Maria não só um consentimento livre, mas sobrenatural e meritório, sem o qual, segundo o plano da Providência, o mistério da Encarnação redentora não se teria realizado; ela o deu, diz Santo Tomás, em nome da humanidade6.
Trata-se, pois, de uma maternidade não só material, segundo a carne e o sangue, mas de uma maternidade que, por sua própria natureza, requer o consentimento sobrenatural para a realização do mistério da Encarnação redentora, tal como deveria realizar-se hic et nunc, e para todos os sofrimentos que levava anexos segundo as profecias messiânicas, particularmente as de Isaías, muito bem conhecidas de Maria. Ademais, não pode haver questão da Maternidade Divina sem que Maria seja, segundo o plano da Providência, a digna Mãe do Redentor com uma perfeita conformidade à vontade de Seu Filho. E por isso, diz a Tradição que Maria concebeu duplamente seu Filho: em corpo e alma; no corpo: Cristo é carne de sua carne e a chama da sua vida humana se acende no seio da Virgem por obra do Espírito Santo da maneira mais pura; na alma: foi necessário o consentimento expresso da Virgem para que o Verbo se unisse nela à nossa natureza.
Apresentada assim a questão, a maioria dos teólogos responde que, segundo a Tradição, a Maternidade Divina, proclamada no Concílio de Éfeso, é superior à plenitude da graça e da caridade, e que o maior título de glória de Maria é o de Mãe de Deus.
As profundas razões em que se apóia essa afirmação são expostas a seguir. Pedimos um pouco de atenção ao leitor nestas primeiras páginas. Uma vez entendidas, é fácil compreender bem tudo o que segue.