Quando me recomendaram visitar a exposição Brasil 500 anos - Arte Barroca, realizada no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, alertaram-me para alguns detalhes que poderiam me desagradar. Fui e saí chocado com o que vi, e principalmente com o que ouvi.
A exposição, realizada com todo o requinte da modernidade, agrupa um impressionante acervo de estátuas barrocas, todas religiosas, cada uma delas merecendo do visitante alguns bons momentos de olhar contemplativo, silencioso, para poder assimilar na lentidão de nossas parcas almas, a grandeza do que estes grandes homens fizeram antes de nós.
Mas toda essa impressionante grandeza é jogada no chão, achatada, pela parvoíce, pela pequenez, pela submissão ao modismo (que é falsa cultura), dos curadores. E quando digo que é achatada, não falo apenas no sentido figurado, mas até fisicamente, pois inventaram uma entrada e saída onde somos forçados a nos abaixar, talvez para procurar nos nossos intestinos algum traço dos tempos dos macacos!
Quando entramos na primeira sala temos a impressão que a mostra será excelente. Uma naveta de carregar incenso litúrgico, de prata, pequenina como é, enche literalmente a sala toda. É aqui que devemos nos abaixar e vai tudo por água abaixo. Na sala seguinte um ambiente escuro ornado por centenas de paus, troncos lisos, formando um cenário com pretensões ecológicas ou lá o que seja, abriga aqui e ali algumas estátuas barrocas. Esse cenário passaria desapercebido não fosse a sonorização, que nos lança de supetão, não no ambiente barroco e católico do século XVII ou XVIII, mas num sincretismo religioso pseudo-ecumênico, onde os sons misturam gregoriano com batuque do candomblé, o berimbau com as cordas de uma viola da gamba. E isso não é uma sucessão de músicas diferentes, mas uma mixagem que joga nossa alma num liquidificador espiritual, de onde só sentimos uma única sensação: ir embora o mais rápido possível. E só não saímos correndo de verdade porque as imagens são belíssimas e merecem o esforço e o sacrifício.
As outras salas são ornadas com uma espécie de campo florido, composto de bolas de papel colorido fixados no alto de pontas de vergalhão. Se já não é mais a ecologia, não saberia dizer o que quiseram representar; o fato é que a pobreza do cenário nada tinha de religioso, de espiritual, o que era necessário para bem apreciar obras de arte religiosa de um tempo revoluto. Senti muitas saudades da Mostra dos Espanhóis.
Duas coisas mantinham-se como na sala anterior: a beleza sem par da estatuária e o distúrbio mental e espiritual causado pela mistura das músicas.
Ao nos aproximarmos do fim, entramos numa sala onde foram expostas as pratarias cinzeladas e o ouro cintilante dos objetos litúrgicos. Belíssimos. A curiosidade dessa vez fica por conta da forma como são expostas as peças. Andamos sobre um piso de vidro blindex e as peças ficam debaixo do vidro. Invenção apenas desnecessária e "modernosa", se não tivessem tido o mau-gosto (já não é o primeiro) de expor uma imagem de Jesus Cristo crucificado, debaixo dos nossos pés! Para quê? Só para dar o gostinho aos infiéis de dizer que "pisaram" em Cristo? Pois é o que os curadores dessa exposição fizeram com a desfiguração do Barroco Brasileiro que ali criaram. E digo isso levado pelo choque que senti ao entrar na última sala. Ali estava estampada a razão de ser daquela música sincretista e irracional: a última sala é dedicada à macumba, às imagens da macumba; e no fundo dela, uma parede inteira com a foto do Cristo coberto de plástico que a afronta, o sacrilégio e o desrespeito dos carnavalescos levaram para o Carnaval alguns anos atrás. Nessa eu não fiquei. Mas entendi o porquê daquela música: a grande mensagem da mostra Barroco Brasileiro é de nos fazer crer que a continuação da arte religiosa brasileira encontra-se na macumba, e que a cultura desse povo é o carnaval!
Dizem que cada povo tem o governo que merece. Pois também é verdade dizer que cada povo tem a cultura que merece. E a cultura da barbárie é falsa cultura, como o culto dos demônios e dos espíritos é falso culto. E se essa é a cultura do Brasil de hoje, então não existe mais cultura no Brasil.
Foi o que procurei dizer numa carta que deixei aos curadores, lá no museu. Carta que certamente não será lida. E se for, não mudará nada, pois os homens não querem mais conhecer a verdade e desconhecem que o Belo é o eterno esplendor da Verdade que é Deus.