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Orgia religiosa

No dia 2 de novembro, os carismáticos reuniram em São Paulo cerca de 600.000 pessoas no que se está chamando de show-missa. Evidentemente uma tal multidão não passa sem ser notada. Os jornais abriram mais uma vez suas páginas de ouro para notícias tão lucrativas...

No domingo seguinte, sete de novembro, o jornal O Globo apresentou uma entrevista com o padre Zeca, que promove todos os anos seu show particular Deus é Dez, na praia de Ipanema.

Este padre diz algumas coisas que devemos analisar:

"Eu, como católico, acho o nosso caminho o mais bonito. Mas devo reconhecer a beleza que existe nas outras expressões cristãs. Por exemplo: os evangélicos têm um avanço grande na parte musical e usam com propriedade esses meios. Evangélicos  fazem um trabalho lindo nos presídios. Temos de reconhecer o que há de bom e estar unidos no que é comum."

E mais adiante:

"Nesse final de século aumentaram as guerras, a miséria e a fome. Crescem as depressões e as angústias e cada vez mais o homem descobre que precisa de Deus."

O que o movimento chamado Carismático faz é trabalhar um sentimento natural do homem, levando-o a uma espécie de excitação. Como assim?

Todos os homens têm certos sentimentos próprios à nossa natureza. Todos nós nos defendemos de uma agressão, todos se inclinam a ajudar uma senhora que cai na rua, todos também choram quando morre um ente querido. Mas se nós alimentarmos esses sentimentos demasiadamente chegamos a atitudes desregradas e prejudiciais.

Por exemplo. Se não controlamos nossos sentimentos na dor pela morte de um parente, corremos o risco de agir de modo errado, cegos por causa do sentimento exarcebado.

Se não controlamos certos medos, tornamos a vida insuportável na tentativa de nos esquivarmos do monstro que nos ameaça.

Ora, existe um sentimento natural próprio a todos os homens que se chama sentimento religioso. Ele se manifesta na inclinação natural que se encontra em todas as civilizações e povos de atribuir a Deus um culto. Assim escrevia o Pe. Emmanuel-André, francês, no final do século passado:

"Nossa natureza decaiu em Adão, e de uma natureza decaída só pode vir um sentimento religioso decadente...A natureza não pode se levantar por si mesma (sem a graça) e o sentimento religioso puramente natural não pode, de maneira nenhuma, levar o homem decaído novamente a Deus, nem tira-lo do pecado. Por outro lado, com a religiosidade natural, o homem conserva todos os vícios que também lhe são naturais: infelizmente ele será vaidoso, mentiroso, ladrão...Por aí pode-se reconhecer o traço característico do sentimento religioso puramente natural: nada vê, nada quer, nada pode contra o pecado. O sentimento religioso quando permanece no estado natural é indiferente em matéria de religião. Ele se acomoda a tudo, se arranja com qualquer coisa, se presta a tudo, não se entrega a nada."

Esse sentimento religioso não tem nada a ver com a Fé, que é um dom sobrenatural de Deus que nos faz crer numa doutrina revelada pelo próprio Deus. Crer significa, então, aderir com a Inteligência (e não com o sentimento) a essa doutrina revelada. Para o católico, o sentimento religioso se dilui na Fé sobrenatural. Não pode existir na alma católica um sentimento religioso em "estado puro", ou seja, que não seja elevado pela vida sobrenatural do batismo. Se isso acontece, é que falta a Fé, logo a pessoa já deixou de ser verdadeiramente católica. "Quando o Filho do Homem voltar à terra, encontrará Ele a Fé?" (S. Lucas, 18,8). Hoje devemos responder a Nosso Senhor, diante da evidência: a Fé Ele não encontrará, salvo raras exceções, mas toda religião estará fundamentada no sentimento religioso.

Vejam que grandes mudanças opera o Batismo em nossas almas. Já não somos puramente homens naturais, temos algo a mais, somos diferentes, fomos separados pela vida sobrenatural que nos foi dada, fazemos parte de uma "geração escolhida, de um sacerdócio real, uma gente santa, um povo de conquista, para que manifesteis as perfeições daquele que das trevas vos chamou à sua luz admirável." (Iª S.Pedro, 2,9)

Quando Jesus diz: "Ide por todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O que crer será salvo, o que não crer será condenado", Nosso Senhor divide os homens em dois grupos distintos. O que marca a distinção é a presença ou a ausência da Fé, do ato de crer, ou seja, de saber infalivelmente que uma doutrina é a verdade ensinada pelo próprio Deus, com exclusão de qualquer ensinamento contrário. Isso é o Evangelho!

O que faz o movimento Carismático?

Não segue o Evangelho porque não quer essa divisão, acha que todos devem estar unidos, e para isso afasta a Fé para poder juntar todos os homens pelo sentimento religioso. É o que mostra o padre Zeca no texto citado: "O homem descobre que precisa de Deus". Se ele estivesse falando da necessidade da Fé na doutrina católica, estaríamos de acordo, mas ele fala do sentimento religioso, natural, horizontal. Isso é confirmado pela declaração de Dom Raymundo Damaceno, Secretário Geral da CNBB, na mesma pagina do jornal: "  um despertar forte da religiosidade..."

Uma vez admitido que todos devem se unir no mesmo sentimento religioso, então considera-se que o culto, a religião, é só uma questão de gosto pessoal, de formação, de família: "Eu, como católico, acho o nosso caminho mais bonito, mas devo reconhecer a beleza que existe nas outras expressões cristãs."

O que o padre está dizendo é que a religião, para ele, vale tanto quanto um time de futebol. Todos nós sabemos que o futebol é uma verdadeira religião para grande parte dos brasileiros. Mas nenhum fanático chegará ao ridículo de afirmar que tem Fé sobrenatural no seu time, pois estaria divinizando o futebol. O futebol é religião pelo culto baseado nos sentimentos naturais por um time.

Do mesmo modo quando um homem junta todos os outros, independentemente da Fé sobrenatural, da Fé que divide, e diz preferir a sua religião por acha-la mais bonita, mas reconhece a beleza das outras.

Mas se um padre que se diz católico considera assim sua religião, só podemos concluir que ele não é católico, pois faz questão de deixar de lado a Fé como critério de separação entre as religiões. Mas se um padre não é católico, o que é então? Só pode ser mais um "pastor" protestante, de uma religião protestante que ainda guarda o nome de Catolicismo por abuso e usurpação.

O que devemos esperar dessa excitação do sentimento religioso?

O mesmo que levou tantos a se suicidarem em massa nas seitas, o mesmo que leva uma multidão de fanáticos a depredar o que encontra pela frente, o mesmo que o mundo atônito assistiu na Alemanha de Hitler, que nada mais fez do que criar uma religião nacional alemã excitando ao máximo o sentimento nacionalista alemão. Todas essas manifestações nascem de um exercício de sentimentos naturais levados a um clímax. Vimos assim no Maracanã, em 12 de outubro e em São Paulo, em 2 de novembro, o que poderíamos chamar com justeza, de "orgia religiosa".

Diante de Deus, ela vale tanto quanto qualquer orgia. Ela desvia as almas da verdadeira Fé, ela é enganadora por fazer crer que se trata da religião Católica, é alimentada pela mídia, pelo comércio e pelos grandes desse mundo louco. E se ela é carne, e se ela é mundo, só pode ser um caminho de perdição.

 

9 de Novembro de 1999

 

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