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Art. 1 — Se os hábitos são susceptíveis de aumento.

(Infra, q. 66, a . 1; De Vertut., q. 1, a . 11; q. 5, a . 3; X Ethic., lect. III).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que os hábitos não podem aumentar.
 
1. — Pois, aumento supõe quantidade, como já se disse1. Ora, os hábitos pertencem, não ao gênero da quantidade, mas ao da qualidade. Logo, não podem receber aumento.
 
2. Demais — O hábito é uma perfeição, como já se disse2. Ora esta, implicando um fim e um termo, parece não ser susceptível de mais nem de menos. Logo, o hábito não pode aumentar.
 
3. Demais — O susceptível de mais e de menos há-de por força sofrer alteração; assim dizemos que se altera o que, de menos, se torna mais quente. Ora, os hábitos não sofrem alteração, como já se provou3. Logo, os hábitos não podem aumentar.
 
Mas, em contrário, a fé é um hábito e, contudo, pode aumentar; por isso os discípulos dizem ao Senhor: aumenta-nos a fé, como se lê no Evangelho (Lc 17, 5). Logo, os hábitos podem aumentar.
 
Solução. — O aumento, como tudo o relativo à quantidade, é transferido ao espiritual e ao intelectual, das coisas corpóreas, por causa do conaturalidade do nosso intelecto com essas coisas, que estão ao alcance da nossa imaginação.
 
Ora, dizemos que uma quantidade corpórea é grande, quando realiza a perfeição devida à quantidade; por isso considera-se grande uma quantidade, no homem, que não se consideraria tal no elefante. Donde vem o dizermos que uma forma é grande quando é perfeita. E como o bem implica a noção de perfeito, em relação ao que não é materialmente grande, ser grande é o mesmo que ser melhor, como diz Agostinho4.
 
Ora, a perfeição da forma pode ser considerada à dupla luz: quanto à forma em si mesma, e enquanto o sujeito dela participa. No primeiro caso podemos considerá-la pequena ou grande; p. ex., a saúde ou a ciência grande ou pequena. No segundo, consideramo-la como susceptível de mais ou de menos; p. ex., mais ou menos branco ou são. Mas esta distinção não procede no sentido de ter a forma o ser independente da matéria ou do sujeito; senão que a consideramos, de um modo, quanto à sua essência especifica e, de outro, enquanto participada por um sujeito.
 
Quanto a esta doutrina, pois, são quatro as opiniões dos Filósofos, segundo refere Simplício, sobre a intenção e a remissão dos hábitos e das formas5. — Assim, Plotino e os demais Platônicos ensinavam que as qualidades e os hábitos, em si mesmos, são susceptíveis de mais e de menos, por serem materiais e terem por causa da infinidade da matéria, uma certa indeterminação. — Outros porém, ao contrário, ensinavam que as qualidades e os hábitos, em si mesmos, não são susceptíveis de mais nem de menos, mas que atribuímos às qualidades o mais e o menos, conforme a diversidade de participação; assim, não dizemos que a justiça o é, mais ou menos, mas, sim, o justo. E a esta opinião Aristóteles alude6. — A terceira é a opinião dos Estóicos, média entre as duas supra-referidas. Diziam eles que certos hábitos, como as artes, são em si susceptíveis de mais e de menos; outros, porém, não, como as virtudes. — A quarta opinião é a dos que diziam que as qualidades e as formas imateriais não são susceptíveis de mais e de menos; são-no porém as materiais.
 
Para estabelecermos pois a verdade das coisas, devemos considerar, que o princípio de especificação dos seres deve necessariamente ser algo de fixo, estável e quase indivisível. E assim tudo o que ele abrange por ele se especifica; e tudo o que dele se separa, mais ou menos, pertence a outra espécie, mais ou menos imperfeita. Por isso, o Filósofo diz que as espécies das coisas são como os números, cuja espécie varia pela adição ou diminuição7. — Por onde, se uma forma ou qualquer outra coisa, em si mesma por algo de seu, pertencer a uma determinada espécie, há-de necessariamente, considerada em si mesma, realizar uma determinada essência, em relação à qual não pode ser nem excedente nem deficiente. E tal é o calor, a brancura e qualidades semelhantes, não relativas a outras e, com maior razão, a substância, que é ente por si mesma. — Coisas porém que se especificam por um termo para o qual se ordenam, podem, em si mesmas, diversificar-se mais ou menos; e contudo pertencem à mesma espécie por causa da unidade do termo a que se ordenam e que as especifica. Assim, o movimento, em si mesmo, pode ser mais intenso ou remisso, permanecendo contudo na mesma espécie, por causa da unidade do seu termo especificado. E o mesmo pode-se dar com a saúde; pois, o corpo se manifesta como saudável quando tem disposições convenientes à natureza animal, que podem ser diversas e portanto variar mais ou menos, sempre permanecendo contudo o princípio constitutivo da saúde. Por isso, o Filósofo diz que a saúde, em si mesma, é susceptível de maior e menor grau; pois, não há a mesma proporção em todos os seres, nem sempre, num mesmo ser; mas, mesmo diminuída, permanece até um certo termo8. Ora, essas diversas disposições ou proporções da saúde são relativas ao excedente e ao excesso; por onde, se aplicássemos o nome de saúde só àquela que fosse dotada de perfeito equilíbrio, então a saúde, em si mesma, não seria susceptível de maior ou menor grau. E fica assim claro o modo por que uma qualidade ou forma pode ou não, em si mesma, aumentar ou diminuir.
 
Se porém levarmos em conta a qualidade ou a forma, quanto à participação do sujeito, veremos também que umas qualidades e formas são susceptíveis de mais e de menos e outras, não. E a causa desta diversidade Simplício9 descobre em que a substância, sendo um ser em si, não é por si mesma, susceptível de mais e de menos. E portanto, toda forma participada substancialmente pelo sujeito não é susceptível de intenção nem de remissão; e por isso no gênero da substância, nada é susceptível de mais nem de menos. E como a quantidade é próxima da substância, da qual resulta a forma e a figura, dizemos que também esta e aquela não são susceptíveis de mais nem de menos. Donde, segundo o Filósofo, do que recebe a forma e a figura, nós dizemos, não que se alterou, mas, que vem a ser10. Ao passo que as outras qualidades, mais distantes da substâncias, e subordinadas à paixão e à ação, são susceptíveis de mais e de menos, conforme a participação do sujeito.
 
Mas a razão desta diversidade pode ser ainda melhor explicada. Pois, como já dissemos, o princípio especificador deve ser fixo e estável na sua indivisibilidade. Ora, de dois modos pode se dar que a forma não seja participada mais nem menos. — Ou porque o participante contém a espécie em si mesma. Por isso nenhuma forma substancial pode ser mais ou menos participada. Por onde, diz o Filósofo que, como o número não é susceptível de mais nem de menos, também não o é a substância especificada11, i. é, no concernente à participação da forma específica; mas se for acompanhada da matéria, i. é, quanto às disposições materiais, é susceptível de mais e de menos. — De outro modo, tal pode se dar se a própria indivisibilidade for da essência da forma. Por onde, o que dela participar há-de fazê-lo na sua essência indivisível. Donde vem que as espécies do número não as consideramos como susceptíveis de mais nem de menos; pois, cada uma dessas espécies é constituída pela unidade indivisível. E o mesmo se dá com as espécies da quantidade contínua, consideradas numericamente, como o que tem dois ou três côvados; e com as relações, como o que é duplo ou triplo; e com as figuras, como o triângulo e o quadrado. E esta razão Aristóteles a expõe quando, explicando porque as figuras não são susceptíveis de mais nem de menos, diz: Aquilo que realiza a essência do triângulo e do círculo é triângulo ou círculo12, porque a indivisibilidade é inerente a essas essências; por onde, tudo o que delas participa há-de lhes participar também a indivisibilidade.
 
Donde consta com clareza que, sendo os hábitos e as disposições assim chamados por se ordenarem a algum termo, como diz Aristóteles13, de dois modos podemos levar em conta a intenção e a remissão deles. — Ou em si mesmos, como quando dizemos que a saúde é maior ou menor; ou que o é a ciência, conforme tem maior ou menor extensão. — Ou de outro modo, quanto à participação do sujeito, quando uma mesma saúde ou ciência é participada mais por um que por outro, conforme as diversas aptidões provenientes da natureza ou do costume. Pois, o hábito e a disposição não especificam o sujeito, nem além disso incluem, por essência, a indivisibilidade.
 
E quanto à relação do hábito com a virtude a seguir se dirá14.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Assim como a denominação de grandeza derivou das quantidades corpóreas, para as perfeições inteligíveis das formas, assim também o nome de aumento, cujo termo é o grande.
 
Resposta à segunda. — Certamente o hábito é uma perfeição; não porém de tal natureza que seja o termo do seu sujeito, como lhe dando o ser específico; e nem inclui na sua essência o termo, como as espécies dos números.
 
Resposta à terceira. — A alteração, primariamente, está nas qualidades da terceira espécie. Ela pode porém existir nas qualidades da primeira espécie por posterioridade. Assim, produzida a alteração relativa ao calor e ao frio, resulta a natureza animal alterada na saúde e na doença. E semelhantemente, causada a alteração nas paixões do apetite sensitivo ou nas potências sensitivas apreensivas, segue-se à alteração na ciência e nas virtudes, como já se disse.
 

  1. 1. V Physic. (lect. IV).
  2. 2. VII Phsyc. (lect. V).
  3. 3. VII Physic. (lect. V, VI).
  4. 4. VI De Trinit. cap (VIII).
  5. 5. In comment. Praed. (cap. De qualit).
  6. 6. In praedicamentis (cap. VI).
  7. 7. VIII Metaph. (lect. III).
  8. 8. X Ethic. (lect. III).
  9. 9. loc. cit.
  10. 10. VII Physic. (lect. V).
  11. 11. VIII Metaph. (lect. III).
  12. 12. Praedicam. (cap. VI).
  13. 13. VII Physic. (lect. V, VI).
  14. 14. Q. 46, a. 9.
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