Pensamento (142)
Para onde vai o Islã? Não parece errado afirmar que o Islã mesmo o ignora quase por completo. Esse grande corpo informe está despertando de uma longa letargia, as pálpebras fechadas, a mente entorpecida, os membros estirados e sacudidos aqui e acolá por sobressaltos involuntários. A história do Islã manifesta duma ponta à outra a estranha alternância entre torpor e exaltação.
Visa o presente estudo investigar o processo e a natureza das faculdades especiais que caracterizam o inventor, esse singular indivíduo que consegue combinar, de um modo novo, os elementos antigos, criando um objeto novo como um abridor de latas ou um Radar.
Um Começo que Não Promete Grandes Coisas
Comecemos por um jogo falseado, ou melhor, pela realidade que se esconde sob aquela falsidade, ou ainda melhor, ou talvez irremediavelmente pior, comecemos pelo anúncio de trágicas conseqüências da falsificação tomada como critério de valor ou de verdade. E qual é essa falsificação? É o esquema, ou o jogo Esquerda-Direita.
“Pode alguém ignorar a doença profunda e grave que nestes tempos, muito mais do que no passado, devasta a sociedade humana e que dia a dia agravada, a corrói até a medula e a arrasta à ruína? Essa doença é o descaso de Deus e a apostasia; e nada, sem dúvida alguma, leva mais depressa à ruína, segundo esta palavra do Profeta: “Eis que perecerão os que se afastam de Vós”. São Pio X, “E Supremi Apostolatus”, 1905.
O Cientificismo
Com o objetivo de apontar, na bacia hidrográfica a que nos referimos atrás, os principais afluentes que convergem todos na caudalosa Revolução que faz de nosso século um estuário de contestações e recusas, comecemos por este “ismo” que, no livro anteriormente citado (Dois Amores, Duas Cidades, Agir, 1967), foi apontado como uma das primeiras conseqüências da poluição nominalista. Cremos que vale a pena transcrever algumas linhas dessa obra:
O mundo moderno nos oferece, em todos os seus variadíssimos quadros, um espetáculo de assustador envelhecimento, como se a humanidade houvesse esgotado toda a alegria de viver e toda a esperança de progredir. Um ceticismo profundo, atacando as raízes das mais adiantadas e orgulhosas culturas, manifesta-se à superfície dos acontecimentos de um modo paradoxal que desnorteia os observadores e que os leva a ver, nessas mesmas manifestações profundas do abatimento e da descrença, sinais de vitalidade e ânimo.
A Igreja — diz Santo Agostinho — peregrina no mundo entre as aflições dos homens e as consolações de Deus. Nos dias que correm tornaram-se tão graves e cruéis as aflições trazidas pelos homens que mais imperiosa do que nunca se tornou a procura das consolações de Deus.
O gemido está no quarto canto de Os Lusíadas e quem o pronuncia é um ancião de “aspecto venerando” que não vê com bons olhos o esplendor da nova civilização que os varões da ocidental praia lusitana querem inaugurar.
O ÚLTIMO CAPÍTULO
Há cerca de trinta anos um bom e velho amigo tentou me inculcar, como excelente, o método de ler os livros de traz para diante, alegando que o modo vulgar de leitura tem o inconveniente, entre outros, de afrontar a liberdade o leitor. Na seqüência forçadas dos números, ficamos nas páginas como nos dias. E já nos basta a vida — dizia meu velho amigo com melancolia — já nos basta a vida, esse folhetim de abstrusa composição e gosto duvidoso, onde a única independência que nos fica é a de remexer à vontade nos números já publicados.
À meia-noite do dia 31 acordei sobressaltado com o foguetório que festejava, a seu modo grosso e ruidoso, o nascimento da coisa nenhuma que se dá o nome de Ano Novo. Confesso que meu primeiro sentimento foi o de uma justíssima irritação, mas logo sobreveio um segundo sentimento de admiração diante de tão comovente e estúpida obstinação. Quê? Então ainda esperam alguma coisa das folhinhas e das órbitas planetárias? Ou inventaram mais uma vez um modo de fingir que inventaram? Porque na verdade fingidor não é só o poeta, nem é ele que quase merece este título como definição de seu absurdo modo de ser, não; fingidor é o mundo inteiro. Finge tão ruidosamente que chega a fingir que espera do Ano Novo o que ainda já dos dias só desespera. Pobre gente.