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Família e moral (139)

Vamos ler?

Irmãs da FSSPX

"Se meus filhos gostassem de ler, receberiam uma formação sólida, não enlouqueceriam em dias de chuva, não seriam alvos fáceis para a propaganda na mídia". Mas, como podemos despertar nas crianças esse hábito tão desejável?

O número de qualidades que uma criança adquire imitando os que estão à sua volta é incalculável. Se os pais lêem regularmente com prazer e nítido interesse, se as conversas familiares giram em torno de livros lidos por membros da família, grande parte do trabalho já terá sido realizado.

Antes de aprender a ler, a criança se familiariza com os livros no colo da mãe. Muitas vezes, se deixada sozinha, uma criancinha "lerá" um livro de gravuras em 30 segundos; ela terá visto tudo e não terá olhado nada. Com a mãe por perto, aprenderá a examinar todos os desenhos: onde está o galo? Qual a cor do gato? Ao fazer isso, a criança desenvolve a capacidade de se concentrar enquanto adquire um vocabulário rico e preciso.

Quando os livros fazem parte do universo da família, por volta dos cinco ou seis anos, a criança pedirá para aprender a ler. Ela quer fazer como os adultos: está cansada de ter se receber ajuda para ler uma história, e quer entender as alusões que ouve nas conversas das crianças mais velhas. Ofereça-lhe um livro sobre o alfabeto e, até o momento de poder ir para a escola, ensine-a a reconhecer os sons do seu idioma. A instrução em casa pode ir mais longe se a mãe tiver algum treinamento ou conselhos de um professor.

O aprendizado da leitura é fundamental. A leitura tem de se tornar fácil o suficiente para que a atenção da criança não esteja mais voltada para o ato de ler do que para o conteúdo do livro. É preciso banir intrepidamente os livros que empregam o método de alfabetização global ou semi-global, responsáveis por uma quantidade catastrófica de analfabetos ou leitores medíocres. Somente o método fonético está em conformidade com os processos analíticos do intelecto, exercidos pelo cérebro.

Assim que a criança começar a aprender a ler, forneça livros adaptados à sua capacidade ainda limitada (vocabulário simples, grandes letras, histórias curtas ou mais longas, divididas em capítulos curtos) e não hesite em ler com ela, revezando-se para ajudá-la e despertar seu interesse. Isso deve ser feito se sua leitura ainda não for fluente até o final da primeira série. Nem todas as crianças progridem no mesmo ritmo. Se a mãe não puder ajudar a criança a recuperar o atraso nas férias de verão, ou se a diferença for muito grande, talvez seja melhor que ela repita a primeira série, com o consentimento do professor, para garantir uma base sólida, em vez de avançar para a próxima série, onde pode vir a ter problemas para acompanhar as aulas e correr o risco de desanimar.

Um livro agradável pode se tornar a base de outras atividades que, por sua vez, podem exigir uma leitura complementar adicional: um romance sobre as Cruzadas pode inspirar a criança a construir no papelão seus próprios apetrechos de cavalaria, mas, para aperfeiçoar o trabalho, terá de pesquisar mais em outros livros. E como eram as fortalezas? E a vida de S. Luís, rei da França?

Para leitores verdadeiramente relutantes, pode-se inventar um grande concurso de jogos que ocupará a família durante as férias e remeterá as crianças para os Contos de Fada, aos irmãos Grimm ou à Terra Média em busca de pistas e respostas.

A leitura precisa de condições favoráveis: um pouco de solidão e silêncio. Os jogos barulhentos dos pequenos e os quartos compactos podem constituir obstáculos reais para algumas crianças, que precisam ser ajudadas. Durante as férias de verão, as horas quentes no início da tarde oferecem um tempo propício para a leitura. Enquanto os pequenos se deitam para tirar uma soneca, os mais velhos voltam-se para os livros e a família desfruta de um momento de silêncio.

É claro que só podem entrar na casa livros bons. Para que um livro seja considerado bom, não é preciso que o herói seja um santo, mas é indispensável que a ação se desenrole num contexto honesto e salutar. Ganha-se muito conversando com as crianças sobre o que estão lendo, perguntando o que gostaram e por quê, e o que elas podem ter encontrado para criticar e por quê.

A leitura de revistas em quadrinhos pode contribuir para o desenvolvimento do gosto da leitura? Sem entrar no debate sobre as vantagens e deficiências dos quadrinhos, sejamos realistas: a experiência mostra que a criança que já gosta de ler e costuma ler livros de verdade poderá relaxar com uma revista em quadrinhos sem prejuízo; mas que o leitor exclusivo desse tipo de revistas raramente se torna um leitor genuíno, já que sua preguiça é satisfeita apenas com a "leitura" dos desenhos.

Onde as famílias podem encontrar boas leituras com um orçamento razoável? As bibliotecas públicas oferecem muitos livros francamente ruins para que seja prudente deixar que as crianças as explorem sozinhas. Os pais poderão encontrar nas livrarias os clássicos da literatura infantil a preços modestos. O empréstimo de livros entre famílias é uma solução, além de oferecer uma oportunidade para se ensinar as crianças a terem cuidado com os livros e respeitarem a propriedade dos demais. 

Os editores católicos tradicionais se esforçam para oferecer livros de alta qualidade para crianças, e os avós e padrinhos encontrarão muitas idéias de presentes por lá.

Então, boa leitura para você!

O sepultamento, um rito desejado por Nosso Senhor

Pe. Olivier Parent du Châtelet - FSSPX

Atualmente, costuma-se falar em favor da cremação ― ou incineração ― do corpo dos defuntos. Contudo, a Igreja sempre se opôs mui firmemente a essa prática. Por quê? Agora que a Igreja modernista já não é tão firme neste assunto, o que devemos pensar?

 

A mentalidade da Igreja


Para nós, católicos, o primeiro reflexo deve ser a consulta ao ensinamento e à disciplina da Igreja. Ora, ela se pronunciou com precisão e firmeza sobre esse assunto, o que demonstra que ela atribui a ele uma importância real.

Leão XIII estabeleceu uma lei em 15 de dezembro de 1886: “Se alguém fez um pedido público de cremação e morreu sem se retratar desse ato culpável, é defeso conceder-lhe funeral e enterro eclesiásticos.”

O Código de Direito Canônico de 1917 reproduz essa lei e especifica: “Se alguém prescreveu que seu corpo seja entregue à cremação, não se poderá executar sua vontade. Se ela constar de um contrato, testamento ou qualquer outro ato, deve ser tida por não escrita.” (Cânon 1203, 2).

A cremação é um ato humano e, como todo ato humano, é governada por princípios, segue leis; é uma maneira de tratar o término da vida humana que molda costumes e mentalidades. De fato, há um estreito vínculo entre o culto dos mortos, a maneira de enterrá-los, os ritos funerários, e as idéias filosóficas e religiosas que estão por detrás. Os homens não agiram por acaso, e a história desses ritos, mesmo entre os pagãos, é reveladora.

 

História


Antiguidade greco-romana

Se recuarmos o máximo possível no tempo, veremos que as gerações antigas “encaravam a morte, não como dissolução do ser, mas como simples mudança de vida” (Fustel de Coulanges, La Cité antique). A alma permaneceria próxima dos homens e continuaria a viver sob a terra; ela permaneceria como que associada ao corpo. O melhor testemunho são os ritos fúnebres que atravessaram os séculos, mesmo à medida que mudavam as crenças.

Dizia-se ao morto: “Que fiques bem. Que a terra seja luz para ti.” Como o falecido continuava a viver, era preciso fornecer-lhe todo o necessário para a vida: roupas, vasos, armas, comida e bebida. Não só no dia do funeral, mas também em determinados dias do ano, trazia-se-lhe comida. Lucien de Samosate, em De luctu, explica: “um homem morto a quem nada se oferece está condenado à fome perpétua”. Essa prática ainda era observada entre os pagãos no início da era cristã.

Ademais, a alma continuava a viver, mas num lugar fixo; era preciso, portanto, que se cobrisse de terra o corpo ao qual ela permanecia ligada. A alma que não tinha um túmulo, não tinha morada: ficava errante, infeliz e, em geral, maléfica. A privação de alimentos tinha o mesmo efeito. Assim como a comida, o enterro era necessário para a sua felicidade. Pela mesma razão, havia de se cumprir todos os ritos prescritos e pronunciar as fórmulas determinadas.

Foi por isso que os atenienses puseram à morte os generais que, depois de uma vitória no mar, negligenciaram o dever de trazer os mortos de volta à terra firme para serem sepultados.

A privação de sepultura e demais cerimônias funerárias era um castigo que a lei impunha a crimes graves: infligia-se à alma um suplício como que eterno. É por isso que, na peça de Sófocles, Antígona prefere morrer a deixar de enterrar seu irmão, pois, diz ela, o enterro é uma lei dos deuses e homem nenhum tem o direito de transgredi-la.

À medida, entretanto, que evoluía o pensamento filosófico e religioso, o lugar dos mortos passou a ser uma região subterrânea, o Hades, onde as almas ficavam todas reunidas, e onde se distribuíam as penas e as recompensas. Já em Homero, nota-se que a existência após a morte se reduzia a uma imagem, uma sombra intangível, que todavia era o retrato físico e moral do falecido.

O ritual da cremação foi então introduzido para, segundo se pensava, acelerar a transição para esse estado evanescente da alma totalmente separada do corpo. A Ilíada e a Odisseia testemunham isso.

A mesma evolução se deu em Roma, especialmente no fim da República e sob o Império. Contudo, tal como observa Fustel de Coulanges, os ritos permaneciam inalterados (La Cité antique, p. 12).

Por outro lado, as almas dos mortos, que se chamavam Manes, recebiam um culto quase divino: “Prestai aos deuses-manes o que lhes é devido”, diz Cícero; “são homens que deixaram esta vida; tomai-os por seres divinos” (De Legibus II, 9). Eles tinham seu altar, e eram invocados em busca de socorro.

Outras religiões

Ter-se-á notado como os antigos costumes gregos e romanos são comparados àqueles, bem conhecidos, dos egípcios. Entre os japoneses, o xintoísmo tinha as mesmas práticas que os romanos, mas acentuava a dependência dos vivos para com os mortos: se um jovem homem estava para estudar na Europa, ia despedir-se de sus ancestrais mediante visita à sua tumba (Christus, p. 274). Os hindus tinham de início a mesma noção e as mesmas práticas que gregos e romanos. Esse culto aos mortos persistiu mesmo sob a religião de Brahma, e o redator do Código de Manu foi obrigado a levá-lo em conta, apesar das novas crenças, em particular a metempsicose (N. da P.: reencarnação), lhe fossem contrárias. Fustel de Coustanges observa: “Se é preciso muito tempo para que as crenças humanas se transformem, ainda mais é necessário para que mudem as leis e as práticas exteriores” (La Cité antique, p. 17).

Judeus e cristãos

Semitas, hebreus e cristãos sempre fizeram uso da inumação, devido à sua fé na imortalidade da alma e na ressurreição dos corpos. E se às vezes introduziu-se a cremação, foi sempre ligada a práticas idólatras: os pais queimavam vivos os seus filhos em honra aos deuses (cf. o rei Acaz, II Reis 16, 3). Mesmo nos primeiros séculos da Igreja, os católicos sempre preferiram o enterro dos corpos, ainda que cercada de dificuldades e perigos em razão das perseguições.

Assim, em Roma, sob a Basílica de São Pedro, encontram-se mausoléus pagãos que geralmente contêm urnas nas quais foram depositadas as cinzas dos mortos. Mas ao mesmo tempo, ao lado, estão as tumbas cristãs, nas quais os corpos dos católicos estão enterrados, e enterrados próximos ao corpo de São Pedro.

A Revolução e seus efeitos

Não foi até a Revolução Francesa que a incineração ressurgiu. Ainda assim, não logrou grande êxito. Foi só a partir da segunda metade do século XIX que começou a se impor e se espalhar, sob a ação da Maçonaria, através de sociedades para a propagação da cremação. E isso com um espírito materialista, utilitarista. As seguintes leituras bastarão para demonstrá-lo:

“Não encontrei nada mais simples do que colocar os corpos numa retorta de gás e destilá-los até que sejam reduzidos a cinzas, e acrescentaria que o gás proveniente dessa destilação bem poderia servir para a iluminação…” (Carta de M. X. Rulder ao Doutor Catte)

“Dado o número de mortes na cidade de Londres, poder-se-ia coletar ao cabo de cada ano, por meio de aparelhos crematórios, 200.000 libras de ossos humanos destinados a fertilizar o solo.” (H. Thompson ― ambas as citações são extraídas do artigo do DAFC, Dictionnaire apologétique de la foi catholique, sobre a cremação)

 

Dos ritos às convicções


Para além do caráter assaz grosseiro e inexato do culto aos mortos na Antiguidade greco-romana, essas práticas revelam dois pontos principais: a convicção na imortalidade da alma, bem como a consequente piedade filial.

A imortalidade da alma

Note-se que não se trata dos mistérios da fé sobre a natureza da vida após a morte, mas da realidade natural de que a alma é espiritual e, portanto, não pode morrer. Sobre este tema, fazemos nossa a conclusão de Fustel de Coulanges: “Talvez tenha sido à vista da morte que o homem teve pela primeira vez a noção do sobrenatural, e que quis esperar para além dos que os olhos veem. A morte foi o primeiro mistério. Ela elevou seus pensamentos do visível ao invisível, do efêmero ao eterno, do humano ao divino.” (La Cité antique, p. 20). Certamente, por si só, a morte do corpo leva a pensar na imortalidade da alma, mas esses são mistérios naturais dos quais Deus se serve para, com sua graça, ir levando os homens a considerar não somente o imortal, mas o sobrenatural.

Práticas cheias de piedade

Como o nome sugere (“culto” vem do latim colere, que significa “honrar” e que deu cultum, que significa “honra”), damos honra àqueles de quem recebemos a vida, àqueles de quem somos devedores. Somos gratos a eles, sejam nossos pais pela vida e todos os benefícios que deles recebemos, os antigos pela sua sabedoria, os grandes homens por suas façanhas. É nesse sentido que os heróis e grandes homens eram elevados ao patamar de deuses. Os gregos e romanos não eram estúpidos a ponto de considerar deuses aqueles que haviam sofrido a morte; eles erguiam à dignidade dos deuses aqueles através dos quais recebiam tantas bênçãos. Essa piedade tem duas consequências. Por um lado, como a alma do defunto não desaparecia, os vivos continuavam ligados a ela e, portanto, deviam ajudá-la tanto quanto podiam. Por outro lado, o culto dos mortos é importante para os próprios vivos. Com efeito, se quem é honrado em vida pode tirar algum proveito dela, o mesmo não se diz de quem é recebe honrarias depois da morte. Mas os vivos, estes tiram certo proveito da honra que prestam aos mortos: é o reconhecimento e a gratidão de tudo o que receberam deles, quer dizer, uma certa humildade.

Templos do Espírito Santo

Para os cristãos se acrescenta uma terceira realidade, a saber, que o corpo do fiel defunto era templo do Espírito Santo. Assim como, na missa, o incenso, que não é devido senão a Deus, estende-se aos fiéis porque são templos do Espírito Santo; assim como os corpos dos santos, e particularmente dos mártires, são venerados por causa do que o Espírito Santo neles realizou; assim também os corpos de todos os cristãos. Existe, portanto, um vínculo estreito entre a prática e as crenças, entre a maneira de se despedir dos mortos e o que se pensa sobre a morte, entre o visível e o invisível.

Ímpios, materialistas e orgulhosos

Na medida em que as crenças e filosofias se modifiquem mais rapidamente que as práticas exteriores e os ritos, não se pode negar que a alteração de ritos exteriores acabará, a pouco e pouco, influenciando o modo de pensar de seus participantes. Foi o que perceberam os propagadores da incineração no século XIX. Dom Chollet (citado no artigo do DAFC), arcebispo de Cambrai, fez conhecer a seguinte circular dos franco-maçons:

“A Igreja Romana nos lançou um desafio ao condenar a cremação (…) Os franco-maçons devem empregar todos os meios para difundir o uso da cremação. A Igreja, ao proibir a incineração dos mortos, afirma seus direitos sobre os vivos e os mortos, sobre as consciências e os corpos, e busca conservar no vulgo as velhas crenças, hoje dissipadas à luz da ciência, relativas à alma espiritual e à vida futura.”

 

Todo um estado de espírito


É à luz do parágrafo anterior que devemos ler e compreender os argumentos que se seguem.

Rumo a uma vida renovada

Os antigos ritos fúnebres pagãos, que acima mencionamos, ou ainda as cerimônias católicas de inumação, nos mostram que a morte não é uma destruição definitiva e absoluta. Ademais, “cemitério” bem do grego e significa “dormitório”. No cemitério, as almas descansam, num sono muito particular, decerto, mas à espera de alguma coisa, ou de um despertar para uma nova vida. A incineração suprime o simbolismo dos ritos e do cemitério, e a verdade que de que são portadores. O corpo enterrado, de fato, é como um grão de fermento lançado na terra e que se decompõe: dele, pela misteriosa ação da onipotência divina, brotará a vida. Mas o corpo incinerado é como o grão cozido ou torrado, que jamais fará nascer uma nova vida. Queimado, dele já não há mais nada a esperar. Um corpo reduzido a cinzas não espera mais nada: a destruição parece definitiva. Não é indiferente a passagem do simbolismo expressivo das cerimônias católicas para o simbolismo negador da incineração. Ao longo de séculos, essas cerimônias modelaram a mentalidade humano sobre o além. Suprimi-las não é algo sem maiores consequências. A passagem de um simbolismo a outro modifica nossas ideias, orienta-as para a negação de toda a vida após a morte. O homem passa a ser visto como não mais que um punhado de matéria, uma partícula entre outras… É por isso que, com razão, os novos cemitérios se chamam “parques ou jardins de memória”, a memória de algo que passou para sempre, que nunca mais voltará: ali não se conserva outra presença senão apenas “no coração dos vivos”, e não uma vida real após a morte.

Sepultados com Jesus

São Paulo nos ensina, e a Igreja no-lo recorda na noite de Páscoa: com Jesus somos sepultados na morte e com ele ressuscitaremos. É o significado do batismo, que, como todo sacramento, é um sinal. Se o símbolo se perder, o sacramento também perderá gradualmente o seu valor.

Respeito

Os antigos ritos pagãos, e mais ainda as cerimônias católicas, demonstram um grande respeito para com o corpo do defunto. Esse respeito associado à inumação prossegue com o túmulo, devidamente ornamentado, junto ao qual se vai rezar. Esse respeito em relação ao corpo se reverte para o próprio defunto. Deve-se vê-o sob dois aspectos: o enterro é uma destruição oculta, tudo se passa no subsolo, põe-se um véu sobre a miséria da corrupção e do retorno ao pó; por outro lado, é progressiva, de acordo com as leis da natureza, que vêm de Deus e são boas em si mesmas. Pelo contrário, a cremação é visível pode-se assistir a ela e ver o resultado nas cinzas que são depois entregues: a realidade da destruição é cruelmente posta diante dos olhos; além disso, é brutal: é quase uma violência que o fogo faz ao corpo e, através do corpo, uma violência feita ao viúvo ou viúva, ao pai, ao filho, ao amigo.

Aceitação do castigo

Sabemos, pela fé católica, que a morte é um castigo infligido por Deus em razão do pecado: “Tu és pó e ao pó retornarás”. Deus dissera a Adão e Eva que, se desobedecessem, seriam punidos com a morte. O homem deve humildemente reconhecer que Deus é o senhor de todas as coisas, e se submeter a esta sentença: Deus, em sua sabedoria, impõe este castigo; o homem, em humildade e confiança, deve se submeter a esse retorno ao pó. Pela inumação, essa sentença é executada como Deus a quer: o homem sofre em seu corpo esse regresso ao pó. Às vezes, para honrar seus santos, Deus os livra dessa miséria: seus corpos permanecem incorruptos. Na cremação, ao contrário, o defunto ordena que seu corpo se torne, não pó, mas cinzas. É ele mesmo que se impõe tal destruição, não Deus. Ele já não se submete, mas ordena. Queira ou não, essa maneira de proceder faz pensar que o homem já não sofre a sentença de Deus: ele escapa à autoridade de Deus e ao dever de se submeter a ela.

Humildade ou soberba risível

 Como escreveu o franco-maçom citado acima, “a Igreja, ao proibir a incineração dos mortos, afirma seus direitos sobre os vivos e os mortos”. Mas o homem de hoje quer ser o mestre absoluto. Ele se arroga o direito de suprimir a vida mal iniciada, e de interromper a vida prestes a terminar. Da mesma forma, também cobiça o poder de destruir seu corpo a seu gosto. Quer ser senhor de si mesmo não só até a morte, mas até mesmo depois da morte. Todavia, não possuindo o poder de restaurar a vida, nem tampouco de impedir a destruição, não lhe resta outra saída, para demarcar seu pretenso poder, senão ir mais longe na destruição.

Cúmplices de quem?


Infelizmente, em 1963 as autoridades romanas permitiram a cremação sem realmente aprová-la (sempre essa ambiguidade dos documentos posteriores ao Concílio Vaticano II). As associações de cremação não cessam de espalhar a notícia. Isso foi inserido no novo Código de Direito Canônico, de 1983. Roma coloca algumas reservas: a cremação “não deve ser desejada como negação dos dogmas cristãos em um espírito sectário, por ódio à religião católica ou à Igreja”. Abre-se a porta, fingindo fechá-la. Onde está a falsidade de tal raciocínio? Ei-la: por meio dessa reserva, os modernistas se permitem crer que o único problema com a cremação é a possível negação dos dogmas cristãos (dogmas da vida eterna e da ressurreição dos corpos), enquanto que se trata de muito mais, como vimos. É toda uma riqueza de convicções e de práticas cristãs que a Igreja abandona com essa atitude, ao passo que, até então, ela as mantinha com o mais zeloso cuidado. É tudo o que querem os maçons, ao menos por enquanto.

Todavia se dirá que a cremação, em si mesma, é neutra. Ora, não! Nesta vida nada é neutro, nada existe em si mesmo, mas apenas em consequência das razões pelas quais praticamos nossos atos. Ora, aceitar a cremação é abandonar a inumação. Qual razão, sim, qual razão pode justificar esse abandono em princípio?

Ouve-se dizer que em caso de necessidade, seria legítimo. Efetivamente, é preciso conceder que a sepultura é dessas práticas que comportam exceção, ao contrário do adultério ou do aborto. Mas quem não vê, antes de tudo, que as exceções são por natureza excepcionais e só revogam o curso ordinário fixado pela sabedoria divina por motivos específicos e raros que devem, eles também, corresponder à superior sabedoria de Deus? Por conseguinte, que não nos venham falar em epidemia, porque em tal caso o uso de pó de cal é desde sempre conhecido e preferível. Que não nos venham falar de falta de espaço, pois é precisamente aos vivos que compete criar o espaço adequado para o culto dos mortos, assim como se cria o espaço necessário para os templos… ou para o lazer.

 

Conclusão


Em uma frase, um escritor resumiu o princípio que nos guia: “Quem não vive tal como pensa, acaba pensando tal como vive”.

Por força de não rezar segundo sua crença, a pessoa termina por crer segundo reza.

Por força de não sepultarmos os mortos segundo nossas crenças, acabaremos por pensar conforme o modo como sepultamos os mortos. Ora, a cremação carrega consigo, em razão de seu simbolismo, uma outra maneira de pensar: o homem como senhor de si mesmo depois da morte; o homem sem alma imortal, nem esperança de uma outra vida após a morte; o homem reduzido à matéria e que, após a morte, só lhe resta retornar ao “grande todo”, à mãe-terra, e “fundir-se com ela”, como afirma o documento publicado pela Federação Francesa de Cremação em Paris.

(Fonte: La Porte Latine - Tradução: Permanência)

Se Cristo sabe tudo, como pode dizer que não sabe o dia do julgamento?

Cremos que Cristo, como a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, sabe tudo, pois Ele é Deus. Então como Ele pode dizer que não sabe o dia do Julgamento, mas apenas o Pai?

As palavras nas quais essa dificuldade se baseia podem ser encontradas no Evangelho: “A respeito, porém, desse dia ou dessa hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai” (Mc 13, 32).

Essas palavras podem ser explicadas de duas maneiras, que refutam essa aparente dificuldade levantada na pergunta.

Primeiro, poderíamos salientar que Deus Filho, que se tornou homem, fala aqui não enquanto Deus, mas enquanto homem. Concluímos disso que Ele está falando sobre o conhecimento que tem enquanto homem. Pois Cristo, que era Deus e homem, tem um conhecimento perfeito, infinito, enquanto Deus; mas, enquanto homem, é claro, Ele possuía um tipo de conhecimento diferente, não sabendo, assim, tudo que sabia enquanto Deus.

Poderíamos dizer que Cristo fala aqui do mesmo modo que quando fala que o Pai é maior que Ele: que fala de sua natureza humana e de seu conhecimento humano, e que Ele, portanto, meramente indica que não sabe o dia do Julgamento enquanto homem.

Essa explicação, porém, foi rejeitada por um decreto do Santo Ofício em 05 de junho de 1918; portanto, devemos crer que, mesmo enquanto homem, em virtude de seu conhecimento humano, Cristo sabia todo o passado, presente e futuro; e, portanto, também conhecia o dia do Julgamento. É por essa razão que fazemos melhor em aderir à explicação tradicional que Santo Tomás de Aquino nos dá: Cristo não sabia o dia e a hora do julgamento com scientia communicabilis, isto é, com um conhecimento que poderia compartilhar com os outros. Foi por isso que disse que não sabia. Afinal de contas, nós também podemos responder a perguntas inadequadas sobre coisas que não podemos revelar dizendo: “Eu não sei”.

Com essas considerações, podemos dizer que os apóstolos demostraram uma curiosidade inadequada sobre o dia do Julgamento. E, portanto, Cristo indicou que o dia e a hora permaneceriam desconhecidos até que o Pai os tornasse conhecidos.

Como conciliar a doutrina do pecado original com a justiça divina?

Por Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels

Pergunta: Como o pecado oirginal pode ser conciliado com a justiça divina? Afinal de contas, em razão do pecado original, somos culpados de algo que não fizemos por conta própria, mas que foi feito por Adão nos primórdios da criação.

Resposta: Sabemos da Bíblia que Deus criou as primeiras pessoas em um estado de felicidade. Ele lhes deu os grandes privilégios de ter uma alma e um corpo. Acima de tudo, Ele direcionou o homem para um fim sobrenatural, isto é, a salvação eterna, que consiste na visão beatífica de Deus. Como meio de atingir esse fim sobrenatural, o homem recebeu de Deus a graça santificante, fazendo-o filho adotivo de Deus com direito ao céu como herança.

Esses e outros privilégios, tanto na ordem natural quanto na sobrenatural, foram dados ao homem como um dom totalmente imerecido. Tudo isso foi dado não apenas às primeiras pessoas pessoalmente, mas, nelas e através delas, a todos os seus descendentes, isto é, a todos aqueles que descenderiam deles por nascimento. Mas as primeiras pessoas tiveram de se mostrar dignas desses grandes privilégios através de uma fiel aliança com Deus e da obediência aos Seus mandamentos, a saber, a lei natural e, especialmente, o mandamento específico: não comer do fruto proibido.

Afinal de contas, Adão foi não apenas o ancestral natural de todas as pessoas, mas também foi nomeado por Deus como a cabeça moral, isto é, o representante de toda a humanidade no que diz respeito à graça santificante e à salvação eterna no Céu. Adão carregava a vida da humanidade, não apenas a física e natural, mas também a sobrenatural. Se ele continuasse a obedecer o mandamento de Deus, seus descendentes seriam felizes; se ele se tornasse infiel ao mandamento de Deus, a humanidade, nele e através dele como seu representante, tornar-se-ia infeliz.

Nós sabemos o que aconteceu. Portanto, a vida sobrenatural da humanidade foi profanada pelo representante da humanidade: Adão. E daí adveio que as pessoas que nascem sem a graça sofrem não apenas uma perda, mas um roubo. Todos os que descendem de Adão deveriam ter tido um bem que foi roubado. Isso deixou a natureza humana em um estado de desespero espiritual, que chamamos de pecado original.

Esse pecado original não é contrário à justiça de Deus. Afinal de contas, um príncipe, também, pode elevar um camponês e toda a sua família à nobreza, mas apenas sob condição de que essa pessoa sirva o príncipe fielmente. Se ele não servir, ele perde a nobreza não apenas para si, mas também para todos os seus descendentes. Esses descendentes poderiam acusar o príncipe de ser injusto porque nasceram sem nobreza? É claro que não! Devemos, portanto, prestar atenção a isto: por causa do pecado de Adão, só foram perdidos os bens aos quais não tínhamos direito. A natureza em si, com seus dons naturais, sobreviveu à destruição do pecado.

É melhor, portanto, darmos mais atenção ao amor ilimitado de Deus, que nos deu um Redentor, Cristo Nosso Senhor, e que, assim, tornou o pecado de Adão -- conforme à palavra de Santo Agostinho -- uma felix culpa, uma culpa feliz. Esse pecado foi feliz no sentido específico de que ele nos trouxe a bênção da Redenção.

The Angelus, Março-Abril de 2020

 

Se Deus é a causa de tudo, como podemos ser livres?

Por Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels

 

Nota do editor: este artigo é o segundo de uma série de respostas concisas a perguntas e objeções contrárias à fé católica frequentemente encontradas. As perguntas e respostas foram adaptadas da obra “As Dificuldades Mais Frequentemente Encontadas” (em inglês: “The Most Frequently Encountered Difficulties”), do Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels, O.P., publicada originalmente em holandês em 1939. 

 

Pergunta: A Igreja Católica ensina que o homem é livre e, ao mesmo tempo, que Deus é a causa de tudo. Se é assim, então não seria Deus a causa de nossa vontade? E, se Deus sabe, de antemão, o que vamos fazer e até mesmo causa o que vamos fazer, então como podemos ser livres?

Resposta: Pessoas que fazem perguntas dessa natureza, normalmente, estão equivocadas quanto ao conceito de “causa”. Um tratamento científico completo dessa pergunta demandaria treinamento filosófico profundo; portanto apenas alguns comentários serão feitos aqui.

A afirmação “Deus é a causa de tudo” poderia levar a muitos mal entendidos. Alguém poderia concluir dela: “Então Deus também é a causa do mal”, e essa conclusão seria totalmente absurda. Então, em vez, devemos dizer: “Deus é a causa de todo o bem”. E, como há algo de bom em todo ato humano, então Deus também é a causa de todo ato humano; porém Deus não é a única causa daquele ato.

Deus move tudo, mas Ele o faz como causa primeira. Isso significa que Ele nos deu nosso livre arbítrio. O livre arbítrio é, portanto, enquanto um dom de Deus, a causa de nossos atos livres. E não poderia ser de outra maneira: a vontade livre é criada e, portanto, deve depender da causa primeira, a saber, Deus. E, por ser a causa primeira, Deus move todas as coisas de acordo com sua natureza. De acordo com a ordem criada por Deus, é da nossa natureza ser livres.

Então nem Deus, nem a vontade livre são a única causa das ações humanas: Deus e a vontade trabalham juntos como a causa primeira e a causa segunda. Isso não significa que Deus e a vontade fornecem, cada um, um pedaço desses atos, mas que tanto Deus quanto a vontade causam o ato. Deus é a causa primeira, e a vontade, a causa segunda. E, se Deus não agisse como a causa primeira, a vontade jamais poderia ser a causa segunda.

Essa é uma questão difícil, e não podemos fazer nenhuma comparação que ajude a esclarecê-la. Pois já que apenas Deus, que é o Criador de tudo, é a causa primeira, não há nada parecido com isso. A solução a essa pergunta reside nisto: Deus é a causa que leva uma outra causa inferior a ser uma causa por sua vez.

The Angelus, Março-Abril de 2020

Todo e qualquer julgamento do próximo é condenado por Cristo?

Quando perguntado sobre um homossexual de boa vontade que busca o Senhor, o Papa Francisco, num comentário que se tornou famoso, respondeu “Quem sou eu para julgar?” Isso parece estar perfeitamente na linha do mandamento de Nosso Senhor, quando Ele ordenou “não julgueis, para não serdes julgados” (Mt 7,1). Por outro lado, o Verbo de Deus também nos disse que “devemos julgar não de acordo com a aparência, mas fazer um julgamento justo” (Jo 7,24)

Para resolver essa contradição aparente, devemos distinguir os diferentes sentidos em que falamos de “julgamento”.

Em primeiro lugar, o julgamento é um ato de nossa inteligência pelo qual percebemos o acordo ou desacordo entre duas ideias; em outras palavras, é, como Santo Tomás explica, o ato mental pelo qual afirmamos ou negamos algo – por exemplo, quando fazemos afirmações simples sobre as circunstâncias de nossas vidas cotidianas, como quando dizemos “hoje é um lindo dia”, ou “eu não gosto de doces”, e mesmo quando afirmamos coisas mais sérias, doutrinais, tais como “Deus existe” ou “o aborto é um crime”.

Esses julgamentos são necessários para se viver uma vida humana normal. Eles são necessários para o exercício da virtude moral da prudência, que nos ajuda a discernir o que devemos fazer a todo momento para direcionar todas as nossas ações, grandes e pequenas, de maneira segura e tranquila, para seu fim último, que é Deus. Portanto, Deus não proíbe tais julgamentos – na verdade, Ele não os poderia proibir sem nos privar de algo essencial à natureza que Ele mesmo nos deu.

Por nossa vez, não podemos nos abster de fazer tais julgamentos todos os dias se quisermos viver uma vida racional, cristã – e muito menos podemos nos abster deles se, por nosso ofício ou vocação, estamos chamados a guiar os outros a Deus.

O que Nosso Senhor realmente proíbe é que o que chamamos de “julgamento temerário” -- isto é, atribuir algo moralmente repreensível ao nosso próximo, ou negar algo moralmente virtuoso sem prova suficiente. É uma afirmação, com convicção firme, sobre a moralidade de alguém, em vez de uma suspeita ou dúvida.

O julgamento precipitado é contrário à caridade, que, conforme São Paulo, “não é temerária […] não suspeita mal” (1Cor 13, 5). Santo Tomás de Aquino ensina que, na ausência de prova cabal, dúvidas sobre as virtudes do próximo sempre devem ser interpretadas beneficamente. A intenção de uma pessoa que faz um julgamento precipitado é essencialmente maliciosa e alegra-se ao encontrar perversidade no próximo, em clara contradição com o espírito da caridade.

Também é contrária à prudência, pois o julgamento não tem fundamento razoável; é baseado em uma evidência que, por sua própria insuficiência, não autoriza um julgamento definitivo.

Mesmo assim, a malícia específica do julgamento precipitado consiste em sua injustiça. Primeiramente, falhamos na justiça devida a Deus, pois, quando julgamos não apenas as ações externas de alguém, mas vamos além e afirmamos que seu estado interior é pecaminoso, sem provas suficientes, ofendemos a Deus por usurpar Seu direito exclusivo de julgar os corações dos homens (1 Cor 4, 5; Rom 14, 4). Também infligimos uma injúria moral na pessoa julgada, que tem o direito, se não a uma reputação boa aos olhos dos outros, ao menos de não ser desprezada sem razão suficiente para tal.

A gravidade do pecado que cometemos com nosso julgamento precipitado depende de várias circunstâncias. Especialmente, ela aumenta em proporção direta à gravidade dos pecados de que acusamos nosso próximo, e também são levados em conta a dignidade da pessoa acusada e a insuficiência das provas em que baseamos nosso julgamento.

Não parece ser pecado mortal, contudo, tomar como certo algo que é muito provável de ter acontecido. Além disso, um conhecimento profundo das feridas que o pecado original deixou em nossa natureza humana e a nossa própria experiência de vida podem nos levar a tomar precauções contra a possibilidade de que outro esteja inclinado a agir pecaminosamente – e isso seria, simplesmente, um ato de prudência.

Quem vai arrumar a mesa?

Irmãs da FSSPX

Em uma família, as crianças não são como hóspedes de um hotel onde tudo lhes é servido. É essencial que participem das tarefas da família, e a primeira que vem à mente, por ser uma atividade diária simples, é pôr a mesa. Essa é até uma das primeiras tarefas que as crianças podem cumprir e terão orgulho de que as julguemos capazes de pôr a mesa.

Talvez os pais temam que os mais pequenos acabem por quebrar a louça. O risco não é tão grande. Veja como estão ansiosos para provar-lhes que são dignos da confiança que lhes foi dada. As crianças sabem como prestar atenção e ter cuidado quando necessário. Não é melhor correr esse risco mínimo de um vidro quebrado do que arriscar transformar os filhos em criaturas egoístas, pouco dispostas a prestar serviços? Se necessário, é possível utilizar pratos de plástico no início de seu aprendizado.

Quantas vezes devemos pedir-lhes isso? Pôr a mesa é uma tarefa diária, portanto, devemos solicitar sua ajuda diariamente, a fim de acostumar as crianças ao esforço, e não nos contentarmos com uma ajuda ocasional. Podemos nos organizar de acordo com a composição da família: é possível pedir um voluntário a cada vez, mas o risco é que seja sempre a mesma criança com temperamento mais generoso; e o que fazer se não houver voluntário? Pôr a mesa também pode ser um privilégio do filho mais novo, ao passo que os mais velhos teriam tarefas mais difíceis. Ou cada criança pode revezar: uma põe a mesa no almoço, outra no jantar. Essa é uma tarefa que pode ser requisitada tanto a meninos quanto a meninas quando mais jovens. Mas, à medida que envelhecem, seria melhor pedir aos meninos outros serviços mais masculinos, como tirar o lixo ou cortar a grama.

Não devemos hesitar em lembrar às crianças que é hora de pôr a mesa, principalmente as crianças. As outras crianças perceberão que estamos chegando perto da hora da refeição, e esse será o sinal para que deixem de lado seus jogos ou dever de casa e lavem as mãos antes de irem para a sala de jantar.

No começo, solicita-se aos pequenos que definam apenas as coisas essenciais: pratos, copos e talheres, mas aos poucos podemos ensiná-los a fazer todo o trabalho, sem esquecer os detalhes: utensílios de cozinha, jarra de água, cesto de pão, faca e prato de manteiga, guardanapos, sal e pimenta ... Para ter uma refeição bem organizada, certifique-se de que, no final da mesa, você tenha os últimos pratos, sejam queijo ou sobremesa, com os pequenos pratos que os acompanham. Isso evitará viagens desnecessárias à cozinha.

Quando houver convidados, é o momento de treinar as meninas mais velhas para o papel de futura dona de casa. Preparar uma mesa agradável não é uma tarefa onerosa: não falamos das artes da mesa? Toalhas de mesa e guardanapos combinados, pratos festivos, uma peça central será apresentada. Elas também terão que prever os diferentes pratos e a troca de pratos em função do menu, sem esquecer os detalhes: por exemplo, lavar pratos raramente usados, colocar os copos de vinho à direita e os copos de água à esquerda etc.

Por mais simples que pareça a mesa, é uma maneira de desenvolver muitas qualidades nas crianças: saber servir, atenção, perseverança, o senso de trabalho bem-feito, ou seja, nos mínimos detalhes, um senso de harmonia, conhecendo as regras de etiqueta e boas maneiras ... Seria uma pena não pedir isso a seus filhos, seja por não saber como fazê-lo ou por não querer ser ajudado!

Qual é a diferença entre calúnia e detração? Podem ser pecados graves?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

O homem tem direito a sua boa reputação. Um “direito” é aquilo que é devido a alguém e que não pode ser negado sem uma injustiça. “Reputação” é a opinião tida por muitos sobre a vida e o comportamento de uma pessoa. É a consequência das qualidades físicas, intelectuais e morais daquela pessoa e de suas realizações e, como tal, pertence a ela, é sua propriedade. É, como Santo Tomás diz, uma das propriedades temporais mais preciosas do homem. Sem a boa estima de seu próximo, a vida de um indivíduo na sociedade torna-se muito difícil e mesmo quase impossível.

Detração é a violação injusta da boa estima na qual uma pessoa é tida através de revelar aos outros alguma falta verdadeira, porém oculta, daquela pessoa. Santo Tomás diz que é um pecado mais grave que o roubo, pois a boa reputação é melhor que o patrimônio. A calúnia difere da detração apenas pois, nela, o que é dito ou imputado ao outro é falso, e sabe-se que é falso; nesse caso, ela acrescenta a malícia da mentira.

Despojar alguém dessa boa estima sem uma causa proporcional constitui uma injustiça, o que é mais ou menos grave de acordo com o dano provocado e que impõe ao praticante a obrigação de restituição.

Pode ser um pecado grave, mas a sua gravidade será mensurada de acordo com a gravidade da falta da qual a pessoa é acusada, e a extensão do dano causado deve ser julgada pelo caráter, posição e ofício do detrator e do detratado, bem como pelas circunstâncias dos ouvintes.

Por um lado, deve-se perceber que, se a falta de uma pessoa é tal que põe em perigo o bem comum ou se é cometida publicamente, então sua boa reputação está destruída e não pode mais ser considerada como pertence dela. Nesse caso, revelar o mal ato não implica detração. De modo semelhante, nenhuma injustiça é cometida ao se revelar a falta de outro se tal é necessário para a própria defesa ou a defesa de outros.

Por outro lado, mesmo que a boa estima de uma pessoa aos olhos do próximo esteja fundada sobre erro ou ignorância acerca da verdade dos fatos, ainda assim, aquele que conhece a verdade dos fatos não tem direito de tomar a apreciação favorável que os outros fazem da pessoa.

Votos são diferentes de promessas?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

Todo voto implica uma promessa, mas o contrário não é verdadeiro. O voto é um ato de adoração e consagração, feito apenas a Deus, obrigando por virtude da religião. Uma simples promessa pode ser feita também aos homens, obrigando em virtude da fidelidade ou da justiça.

Um voto é uma promessa livre e deliberada feita a Deus de cumprir um bem que é possível e melhor (Código de Direito Canônico [1917], Cân. 1307). É uma promessa vinculante que impõe uma verdadeira obrigação de fazer ou não fazer algo em honra de Deus. Pelo voto, nós cultuamos Deus e reconhecemos Seu domínio supremo. Não é um simples desejo ou propósito, que, propriamente falando, não impõem uma obrigação.

Um voto é público se um superior eclesiástico legítimo o recebe em nome da Igreja; de outra forma, é privado (Código de Direito Canônico [1917], Cân. 1308).

Votos são feitos para fortalecer nossa vontade de fazer o que é bom. Seu objeto deve não apenas ser algo bom, mas algo que é melhor, e ainda humanamente possível, não apenas em geral, mas também dentro das forças e capacidades do indivíduo que faz o voto.

Um voto vincula a pessoa que o faz de tal maneira que falhar em cumprir o que foi prometido livremente é uma séria ofensa a Deus. Portanto, tendo em vista a fraqueza de nossa natureza decaída, a Igreja, em geral, recomenda que não se façam esses votos privados.

Em qualquer caso, os votos devem ser feitos não por capricho ou em estado de agitação emocional, mas com prudência e discrição, após oração fervorosa, longa reflexão e consulta a um confessor ou diretor espiritual, que está em condições de avaliar mais claramente nossas circunstâncias e nossas forças. Quanto mais importante a obrigação que assumimos com o voto, mais ele demanda preparação e reflexão cautelosa.

É lícito mentir em alguma circunstância?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Não há dúvida de que mentir é proibido pela Lei de Deus (8º Mandamento) e, sendo este um mandamento negativo (“Não mentir”), obriga sempre e em todo caso, diferentemente de um mandamento positivo (“Honrar pai a mãe”), que obriga apenas quando necessário.

Essa necessidade absoluta foi exposta dramaticamente por Nosso Senhor perante Caifás e o Sinédrio inteiro quando Ele respondeu claramente “Sim, tu o dizes”, o que significa: “Eu sou Cristo e o Filho de Deus”. Nosso Senhor sabia perfeitamente que essa confissão iria levá-Lo à crucifixão. Então, permanece de pé o princípio de que “não havemos de fazer o mal para que venham bens [deste mal]" (Rom 3,8)

Dito isso, não se tem a obrigação de dizer a verdade quando desnecessário fazê-lo. Além disso, tem-se o direito de distrair o interlocutor para algum outro assunto. Os moralistas permitem o uso de anfibologia (afirmação ambígua, com duplo sentido, como: “Pedro não está em casa”, significando: “Para vê-lo”) se uma pessoa prudente a entenderia dadas as circunstâncias. Semelhantemente, os moralistas explicam que não se pode simular uma ação (um ministro ardilosamente retém a intenção de dar absolvição, p. ex.), mas pode-se dissimular uma ação para fazer terceiros pensarem que se está fazendo algo quando, na verdade, não se está. Portanto, é lícito a um Padre admoestar severamente seu penitente, para dar a impressão aos outros de que está dando-lhe absolvição [quando, na verdade, não está].

Em alguns casos recentes notórios, há controvérsia e debate sobre se alguns investigadores mentiram ou simplesmente usaram anfibologia e restrições mentais amplas, ou seja, dissimulação ao invés de simulação. Não podemos, porém, permitir que o sucesso aparente de alguns vídeos enganem nosso julgamento. Se eles foram obtidos através de mentiras, seria um caso do fim justificando os meios. Os filhos da luz não podem usar os meios e armas dos filhos das trevas. A revolução deve ser combatida com a contrarrevolução e não com os princípios da própria revolução.

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