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Category: reforma litúrgicaConteúdo sindicalizado

Uma preciosa contribuição à história da "Reforma Litúrgica" de Paulo VI

Agosto 12, 2018 escrito por admin

Um testemunho direto

“Il card. Ferdinando Antonelli e gli sviluppi della riforma litúrgica dal 1948 al 1970” [O cardeal Ferdinando Antonelli e os desenvolvimentos da reforma litúrgica de 1948 a 1970] de Nicola Giampietro O. F. M. Cap. (ed. Studia Anselmiana, Roma) é uma preciosa contribuição à história da “reforma litúrgica” de Paulo VI.

Relator geral da “Seção Histórica” dos Ritos, criada por Pio VI, membro da Comissão Pontifícia para a Reforma Litúrgica, instituída por Pio XII, de 1948 a 1960, Promotor Geral da Fé a partir de 1959, na Sagrada Congregação dos Ritos, perito e secretário da Comissão da S. Liturgia no Concílio Vaticano II, enfim membro do Consilium ad exsequendam constitutionem de Sacra Liturgia, o Pe. Antonelli, O.F.M. Cap. É uma testemunha direta desta sadia renovação litúrgica que estreou sob o reinado de Pio XII, mas já estava na mira de São Pio X e de Pio XI.

Peça mestra, no governo de Pio XII, do restabelecimento da Vigília Pascal (1951) e da reforma litúrgica da Semana Santa (1955), o Pe. Antonelli nutriu, logo de início, a ilusão de que o Concílio iria conduzir felizmente ao porto esta prudente reforma litúrgica que havia dado seus primeiros bons frutos no tempo de Pio XII, o qual parecia ter endireitado com a encíclica Mediator Dei a barra do “movimento litúrgico”, corrigindo os seus desvios e disciplinando as suas tendências aberrantes (v. Enciclopédia Cattolica, verbete Mediator Dei).

Quando Paulo VI, a 4 de dezembro de 1963, promulgou a constituição conciliar sobre a liturgia, o Pe. Antonelli escreveu na sua agenda: “Os ossos de São Pio X devem ter exultado. A Constituição da Liturgia não é outra coisa que o fruto precioso duma pequena semente que ele lançou” (op. cit., p. 204).

 

As primeira dúvidas

Numa conferência de 8 de dezembro de 1964, contudo, o Pe. Antonelli já parecia perplexo: ele se pergunta se este momento histórico representa uma ocasião favorável para a realização da reforma litúrgica e responde: "Eu não sei... talvez algumas coisas precisavam de mais maturação" (p. 208). Entrementes, a aplicação da Constituição conciliar foi confiada ao famoso Consilium. A 3 de março de 1964, após uma conversa com o cardeal Larraona, prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos, o Pe. Antonelli anota na sua agenda a perplexidade comum deles: "A aplicação da Constituição litúrgica é entregue ao "Consilium ad exsequendam Constitutionem". Ora, até se provar o contrário, a Congregação [dos Ritos] é o órgão de governo: se se cria um outro órgão de governo, daí resultará uma confusão" (p. 227, nota 12).

 

O "método de trabalho" do "Consilium"

Após a primeira reunião do Consilium, escreve o Pe. Antonelli "grandes programas, mas a realização não será tão fácil" (p. 228). Ele crê ainda que se trata de trabalhar com ponderação, no respeito prudente da tradição litúrgica, como outrora no tempo de Pio XII, mas bem depressa ele perceberá que não é mais assim. 

"Não estou entusiasmado com os trabalhos ― escreve ele depois da Segunda reunião dos consultores ― ... um grupo de pessoas muito incompetentes, e mais ainda, avançadas nas trilhas das novidades. Discussões inteiramente de vanguarda, à base de impressões, desejos caóticos. O que mais me desagrada é que as atas do que é exposto e as questões correspondentes estão sempre numa linha avançada e freqüentemente numa forma sugestiva. Direção fraca" (p. 229).

Esta primeira impressão negativa se confirma na Segunda reunião do "Consilium". "Entretanto, todas as coisas avançadas aqui passam ― escreve o Pe. Antonelli ― porque nisto está o clima do "Consilium"; há, em seguida, uma grande pressa de se atirar para a frente e não se dá tempo para refletir; [...] Não deveria haver tanta pressa. Mas os espíritos estão excitados e querem atirar-se para a frente" (p. 229).

Dúvidas apoderam-se novamente do Pe. Antonelli, por exemplo, sobre a concelebração (p. 230) e, após a terceira assembléia do "Consilium", retorna a dúvida radical sobre a oportunidade duma reforma litúrgica neste momento histórico particular: "Não gosto do espírito demasiadamente novidadeiro, nem o tom das discussões, muito expeditivas, e às vezes tumultuosas; não me agrada o fato de o Presidente [Lercaro] não fazer todos os participantes falarem, pedindo a cada um o seu parecer. Em conclusão, as coisas que devem ser levadas a seu termo são importantes e eu não sei se a hora é oportuna" (p. 230).

Após a Quinta sessão ou assembléia, o Pe. Antonelli se mostra seriamente "preocupado" com o "espírito inovador" dos membros do Consilium:

"Foi uma sessão construtiva. Mas o espírito não me agrada. Há um espírito de crítica e intolerância para com a Santa Sé que não pode conduzir a bom termo. E, ademais, um estudo muito acentuado de racionalidade na liturgia, e nenhuma preocupação com a verdadeira piedade. Temo que num dia se deva dizer de toda esta reforma [...]: "a liturgia tomou tudo e a devoção se afastou"" (p.234).

 

Preocupações doutrinais

Mas não é somente a devoção que está em jogo. Quando, na sétima assembléia, se discute sobre o rito das ordenações sacerdotais, o Pe. Antonelli "nota com surpresa que, entre os deveres dos sacerdotes, não está mencionado o seu compromisso principal: sacrificium eucharisticum offerre" (p. 236).

No mesmo momento o retém um acidente, devido à incompetência do "corpo judiciário" e à "pressa em avançar". Mas o discurso de Paulo VI, a 19 de abri de 1967, o obriga a reflexões mais graves sobre as responsabilidades deste Papa: "Paulo VI se declarou contristado porque se faziam experiências caprichosas na Liturgia e mais aflito ainda por certas tendências para uma dessacralização da Liturgia. Contudo, ele reconfirmou a sua confiança no "Consilium". E o Papa não percebe que todas as desgraças vêm da maneira com que se organizaram as coisas nesta reforma pelo "Consilium" (p. 237, seg) e apesar disto ― notou logo no início o Pe. Antonelli ― "é certo que Paulo VI seguia atentamente os trabalhos deste "Consilium"" (ibid). O método de trabalho, ou antes, a ausência de todo método de trabalho no "Consilium", não cessa de espantar o Pe. Antonelli. A 23 de abril de 1967, ele anota na sua agenda: 

"... os esquemas se multiplicam sem chegar a uma forma verdadeiramente pensada... O cardeal Lercaro não é homem para dirigir uma discussão. O Pe. Bugnini só se interessa por uma coisa: atirar-se para a frente e acabar. O sistema de votação é pior. Ordinariamente os votos são dados com a mão levantada, mas ninguém conta quem levanta a mão e quem não o faz; ninguém diz: tantos aprovam e tantos não. Uma verdadeira vergonha. Em segundo lugar, jamais se pode saber, e a questão foi posta muitas vezes, que maioria era necessária: maioria de dois terços ou maioria absoluta [...] Um outro defeito grave é a ausência de processo verbal das sessões, ao menos nunca se falou dele e certamente jamais foi lido".

 

Uma "continuação do Concílio" ou ainda o Concílio permanente

Finalmente, depois de três anos de anarquia, ou antes, de ditadura do Pe. Bugnini, o "Consilium" pensa em se dar "Estatutos" e o seu esboço é apresentado a Paulo VI, o qual, por sua vez, o passa, para se fazerem observações eventuais ao Pe. Antonelli. Este que, além de seu mandato de membro do "Consilium", é também o Secretário da Congregação para os Ritos, submete as suas "Observações" ao cardeal Larraona, prefeito desta Congregação, e depois as remete a Paulo VI. Nas suas "Observações gerais", o Pe. Antonelli sublinha que "uma inquietude notável a respeito destas mutações contínuas está muito espalhada numa grande parte do clero e dos fiéis" e que "este estado de instabilidade e de incerteza sobre o futuro, favorece os abusos e diminui sempre mais o santo respeito das leis litúrgicas". Além disso, ele realça a anomalia de "dois órgãos da Santa Sé que se ocupam da vida litúrgica, a Sagrada Congregação dos Ritos e o "Consilium"". Nas "observações particulares", em seguida, o Pe. Antonelli nota que, segundo os estatutos, os membros do "Consilium", "inclusive os Cardeais", serão nomeados na percentagem de 4/5 pela Presidência e somente 1/5 pelo Papa, e isto é inadmissível; "este sistema ― escreve o Pe. Antonelli ― é absolutamente novo e não é outro senão uma continuação do Concílio, coisa sem precedente na história, porque ― mesmo depois dos Concílios de Trento e do Vaticano I, uma vez terminado o Concílio foi a Santa Sé que recuperou sua plena autoridade.

O Pe. Antonelli pede também nas suas observações que se fixe finalmente o sistema de escrutínio, porque ― escreve ele ― "até agora... bastava que um certo número levantasse a mão para se ir adiante, sem que ninguém contasse quantos aprovam ou não. E durante este tempo se faz freqüentemente apelo a um voto afirmativo, sem que ninguém possa provar que ele tenha sido verdadeiramente afirmativo".   

Após as observações do Pe. Antonelli, a questão do "Estatuto" se atola. Paulo VI optará, como veremos, por uma solução diferente, que privará o Pe. Antonelli da reforma litúrgica e deixará as mãos livres a Bugnini. No mesmo tempo, portanto, Antonelli deve sofrer a violenta reação de Bugnini, que ele acaba de descobrir, portanto, a par desta consulta que Paulo VI, pelo contrário, chamará "estritamente reservada" (p. 242).

 

O Pe. Antonelli começa a ver claro

Estamos no fim de 1967 e o Pe. Antonelli escreve na sua agenda: "Confusão. Ninguém possui mais o sentido sagrado e coercitivo da lei litúrgica... nos estudos em maior escala continua o trabalho de dessacralização, que se chama agora secularização; donde se vê que a questão litúrgica [...] se insere [...] num problema muito mais vasto e de fundo doutrinal; a grande crise, portanto, é a crise da doutrina tradicional e do magistério".

A venda começa a cair dos olhos do Pe. Antonelli; não se trata só de incompetência, duma espantosa superficialidade de trabalho "a toda a pressa"; trata-se dum fato muito mais grave: a reforma litúrgica é um instrumento nas mãos dos "inovadores" triunfantes (do mesmo modo que já tinha sido, em parte, o movimento litúrgico nas mãos dos "modernistas em declive").

A 23 de julho de 1968, o Pe. Antonelli revela ao cardeal Benelli as suas "preocupações sobre a reforma litúrgica que se torna sempre mais aberrante. Eu notava, em particular:

1. A lei litúrgica, que até o Concílio era uma coisa santa, não existe mais para muitos. Cada um se considera autorizado a fazer o que quer [...]

2. A Missa sobretudo, é o ponto crucial [...] agora começa a ação desagregadora em torno da confissão;

4. [...]

5. No "Consilium" há poucos Bispos que tenham uma preparação litúrgica, muitos poucos que sejam verdadeiramente teólogos [...]. E este é um lado perigoso. Na liturgia, cada palavra, cada gesto traduz uma idéia que é uma idéia teológica. Dado que atualmente toda a teologia está em discussão, as teorias correntes entre os teólogos avançados desmoronam sobre a fórmula e o rito: com esta gravíssima conseqüência que, enquanto a discussão teológica se mantém no nível elevado dos homens de cultura, uma vez descida na fórmula e no rito, ela toma caminho para a sua divulgação no povo" (p. 257, seg.).

 

Autodemolição da Igreja

Tudo isto é, com a conivência de Paulo VI, o malogro de toda a sã renovação litúrgica. A liturgia é sujeita à demolição doutrinal. O Pe. Antonelli dora em diante está consciente disto e testemunha o seu sofrimento. "O que, contudo, é triste [...], é um elemento profundo, uma atitude mental, uma posição preestabelecida, a saber, que muitos do que têm uma influência na reforma [...] e outros não têm nenhum amor, nenhuma veneração por aquilo que nos foi transmitido. Eles desprezam, logo de início, tudo o que existe atualmente. Uma mentalidade negativa, injusta e nociva. Infelizmente, mesmo o papa Paulo VI está um pouco deste lado. Todos eles terão as melhores intenções, mas com estas intenções, mas com esta mentalidade eles são levados a demolir e não a restaurar" (p. 258).

A 10 de fevereiro de 1969, a propósito do rito do Batismo, Antonelli escreve: "No fim do capítulo doutrinal, eu pergunto: como sucede que em todo o capítulo se fala do batismo para remissão dos pecados mas não se faz alusão ao pecado original?". E a 20 de fevereiro: "nesta manhã mesma tocou-me observar que até lá onde se esperava uma alusão clara ao pecado original, como numa pequena homilia de caráter catequético, parece que se evita falar dele. É esta nova mentalidade teológica que se degrada e não me agrada" (p. 224). Lembramos aqui que, precisamente com a negação do pecado original no célebre texto de São Paulo (Rm 5, 12-21), se tinha aberto o "novo curso" do Instituto Pontifício Bíblico, ou ainda o triunfo da exegese neomodernista, tenazmente combatida pelo saudoso Mons. Spadafora.

As observações do Pe. Antonelli são sempre mais graves e preocupantes. A propósito da discussão sobre os Proenotanda da Confirmação, ele escreve: "Eu me pergunto como se pode dar um parecer sobre estas questões das quais umas são muito graves, com um texto mudado no último momento e apresentado no decorrer da sessão? Não é uma coisa séria." E ainda: "Pessoalmente, eu me pergunto que autoridade e que preparação nós temos aqui para discutir questões muito mescladas de teologia?" (p. 246)

A questão do "Novus Ordo"

Em 1969, estoura a "questão do 'Ordo Missae'". O Pe. Antonelli fala a este respeito no seu Diário, mas também nas suas Notas pessoais sobre a reforma litúrgica. Sigamo-lo.

A 31 de outubro de 1969, ele anota na sua agenda: "Há alguns dias, o Pe. Sticker, salesiano, me diz que o cardeal Ottaviani tinha preparado uma crítica doutrinal do "Ordo Missae" e da "Instructio" anexa. Depois a notícia aparece nos jornais. Mons Laboa me disse que o Papa tinha escrito uma carta de 2 páginas ao cardeal Seper para este examinar a questão. O cardeal Seper, alarmado, tinha falado dela ao cardeal Gut, o qual - muito impressionado - falara da mesma ao Pe. Bugnini. Ontem de manhã, ele me disse que o cardeal Villot tinha escrito  há alguns dias  ao Pe. Bugnini para obstar a qualquer observação relativa ao "Ordo Missae". Mons. Laboa viu esta carta. Depois houve a publicação imprevista da "Instructio" [...] para matar no nascedouro a campanha da imprensa. A seguir, nessa tarde, 31 de outubro, o comunicado da C. E. I. (Conferência Episcopal Italiana, n.d..r), segundo a qual, a 30 de novembro, a versão italiana seria publicada e entraria em vigor na Itália; ao passo que a C.E.I tinha já dito que isto não seria possível. Estamos no reino da confusão. Eu lamento o fato, pois as suas conseqüências serão tristes" (p. 259).

O Pe. Antonelli, pessoalmente, é do parecer que não há "heresias", nem na Instructio nem no Ordo Missae, "mesmo se não se pode negar que as disposições da "Instructio" são confusas e que a sua própria formulação é tudo, menos clara e límpida" (p. 26). Em particular ― admite ele ― "a insistência sobre a idéia de refeição (ceia) que parece estar em detrimento da idéia de sacrifício", à qual se faz alusão "indireta, enquanto que a idéia de refeição volta freqüentemente e de modo direto... Ademais, certas omissões não serviram à clareza" (p. 260) e este foi também o caso da "formulação imprudente do no. 7" (p. 261). Mas, ainda uma vez, o Pe. Antonelli fica estupefato com a maneira de tratar da questão. A 31 de outubro de 1969, ele escreve: "Estou preocupado com a questão do Ordo Missae. Não compreendo por que se inquietam tanto com as críticas do cardeal Ottaviani e, em seguida, quando a imprensa começou a fazer barulho, quando se quis reagir com a publicação da "Instructio"... e o Comunicado da C. E. I com a ordem de pôr tudo em vigor para 30 de novembro, quando os textos não existem ainda e no-los prometem para 15 de novembro. Como se pode preparar uma transformação desta medida em 10 dias?" (p. 259)

Estamos, portanto, nas últimas réplicas. Já em 8 de maio de 1969, Paulo VI, com a Constituição Apostólica Sacrorum Rituum Congregatio dividiu a Sagrada Congregação para os ritos em duas: a Congregação para os Santos e a Congregação do Culto Divino. Bugnini foi nomeado Secretário da nova Congregação para o Culto Divino e Antonelli, secretário da Congregação para os Santos (p. 264). A última sessão do "Consilium" (9 de abril de 1970) coincide com a primeira sessão da nova Congregação do Culto Divino que ― precisa o cardeal Gut ― "é uma continuação do Consilium" (p. 244). Assim, o Pe. Antonelli sai ou talvez, mais exatamente, é excluído da cena da "reforma litúrgica".

 

Um julgamento do qual não podemos partilhar

O autor do livro que, não obstante, quer reivindicar o valor e a obra do "liturgista Antonelli" escreve: "É pena que Antonelli entre tão mal no trabalho da reforma, sobretudo após a supressão da sua Congregação dos Ritos. Portanto, ele permanece amargo. É talvez o destino dos pioneiros: eles abrem o caminho e outros vão adiante, deixando os pioneiros de lado" (p. 247).

Não. O Pe. Antonelli não é "amargo". Ele teria bom motivos para o ser, mas ele não o é: suas notas jamais têm o sabor dum ressentimento pessoal. Por exemplo, quando Paulo VI exclui o Prefeito da Congregação dos Ritos, o "conservador" cardeal Larraona, da "reforma litúrgica", confiando esta última ao "Consilium" presidido pelo cardeal "progressista" Lercaro, ladeado por Bugnini, somente o Pe. Antonelli parece preocupado ― e por justo motivo ― com a "diarquia" e os conflitos inevitáveis que surgirão entre dois organismos, ambos competentes na mesma matéria. Igualmente, quando Paulo VI o exclui também da "reforma litúrgica" preferindo-lhe Bugnini, o Pe. Antonelli se contenta com escrever: "Eu podia dizer muita coisa deste homem. Devo acrescentar que ele foi sempre apoiado por Paulo VI. Não me quereria enganar, mas a lacuna mais importante no Pe. Bugnini é a falta de formação e de sensibilidade teológicas. Tenho a impressão de que se concedeu muito, sobretudo em matéria de sacramentos, à mentalidade protestante. Não que seja o Pe. Bugnini que se tenha criado para si mesmo estas concessões. Absolutamente não foi ele que as criou. Ele se serviu de muitas pessoas e, não sei por que, introduziu neste "trabalho" pessoas hábeis, mas de colorações teológicas progressistas". E, muito generosamente, o Pe. Antonelli acrescenta: "E, ou ele não se deu conta dos fatos, ou então não resistiu, como se não se pudesse resistir [?], a certas tendências" (p. 264).

O julgamento do Pe. Antonelli sobre a "falta de formação e de sensibilidade teológicas" do Pe. Annibale Bugnini coincide, substancialmente com o seguinte julgamento, que, em termos jocosos, mas bem mais pesados, deixou sobre ele o abade D. Pietro Salvini O.S.B.: "No pequeno jornal da diocese de Pisa (no. 12, de 25/03/1973) li que o Bispo Bugnini... teria desejado substituir a homilia na Missa pela dança. Um hotentote desse gênero pode desejar isto e pior ainda" (Divagazioni di una lunga vita ― Divagações duma longa vida, ed. Stella del Mare, Livourne).

Quanto ao incrível "método de trabalho" dos autores da reforma litúrgica, basta reler o que escreve a respeito o prof. Romano Amerio, citando exemplos famosos da decadência da Cúria Romana e de seus organismos. (Iota Unum. Ed. Francesa, N.E.L., 1987), no. 74, p. 145: "a textos pontifícios que puderam gloriar-se durante séculos duma perfeição maravilhosa e duma irrepreensibilidade" corresponde hoje - observa ele - "um mau uso do latim" e uma "falta de rigor dos termos", "merecendo a Cúria ser inculpada pela falta de cultura subjacente em textos pontificais que se puderam gloriar durante séculos, duma perfeição maravilhosa e duma irrepreensibilidade."

Enfim, quanto às perplexidades manifestadas pelo Pe. Antonelli sobre Paulo VI e suas responsabilidades, bastará considerar que o Pe. Antonelli tem êxito em tomar à boa parte mesmo o discurso no qual o papa Montini diz aos membros do "Consilium" que a liturgia "é como uma árvore vigorosa que as suas raízes mantém no solo e sobre cujo tronco brotam novos ramos que cada ano se recobrem de novas folhas" (p. 200). O Pe. Antonelli se detém nestas "raízes" bem fixas no solo da Tradição e não colhe a novidade deste "tronco" "sobre o qual brotam novos ramos que se recobrem cada ano de novas folhas". Quando, então, isto teria acontecido na história bimilenar da liturgia? O cardeal Ottaviani havia vigorosamente sublinhado isto no Concílio, ao dizer: "Procuraremos suscitar o espanto, e até mesmo o escândalo, no povo cristão, introduzindo modificações num rito tão venerável, aprovado durante tantos séculos e que é agora tão familiar? Não convém tratar o rito da Santa Missa como se se tratasse dum pedaço de fazenda que se põe na moda, segundo a fantasia de cada geração". R. Wiltgen. (O Reno se lança no Tibre), 1976, p. 28.

Habituado, com Pio XII, a um trabalho sério e refletido, no respeito da tradição litúrgica, o Pe. Antonelli parece razoavelmente perplexo e depois, pouco a pouco, ele fica sempre mais preocupado com o andamento que a "reforma litúrgica" está a ponto de tomar: aqui, não se trata de "pioneiros" que "abrem o caminho e outros avançam", mas dum verdadeiro desvio da liturgia sujeita ao neomodernismo ― sob a etiqueta de "nova teologia" ― que, como bem compreendeu o Pe. Antonelli, "em regressão na fórmula e no rito, se dispõe a partir para a sua difusão no povo" (p. 257, cit).

Se se pode fazer uma censura ao Pe. Antonelli é de não ter sido "amargo", ao contrário, é de ter tido dificuldade em compreender, e talvez não ter compreendido plenamente a gravidade do que estava para acontecer. Mas é precisamente a sua confiança inicial e sua disponibilidade para uma renovação litúrgica sã que fazem dele uma testemunha preciosa contra a "feroz amputação litúrgica que se quis fazer passar por uma reforma" (G. Ceronetti, La Stampa, 18 de julho de 1990).

Martinus

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