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Art. 1 — Se o anjo é absolutamente incorpóreo.

(II Cont. Gent.., cap. XLVI, XLXIX; Opusc. XV, De Angelis, cap. XVIII).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que o anjo não é absolutamente incorpóreo.
 
1. — Pois o incorpóreo só em relação a nós e não em relação a Deus não é absolutamente incorpóreo. Ora, Damasceno1diz que o anjo é dito incorpóreo e imaterial quanto a nós; mas, comparado com Deus, conclui-se que é corpóreo e material. Logo, não é absolutamente incorpóreo.
 
2. Demais. — Só o corpo é movido, como o prova Aristóteles2. Ora, Damasceno diz, ibidem, que o anjo é uma substância intelectual sempre móvel. Logo, o anjo é substância corpórea.
 
3. Demais. — Ambrósio diz: Toda criatura está circunscrita pelos limites certos da sua natureza3. Ora, estar circunscrito é próprio dos corpos. Logo, toda criatura é corpórea. Mas os anjos são criaturas de Deus, como se lê na Escritura (Sl 148, 2) Louvai o Senhor todos os seus anjos; ao que se acrescenta: Porque Ele falou e as coisas se fizeram; mandou e foram criadas. Logo, os anjos são corpóreos.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl 103, 4): Que faz os anjos, seus espíritos.
 
SOLUÇÃO. — É necessário admitirem-se certas criaturas incorpóreas. Pois, o que Deus principalmente visa, nas coisas criadas, é o bem, que consiste ao assemelhar-se com Ele. Ora, a perfeita assimilação do efeito com a causa se dá quando aquele imita a esta segundo a virtude pela qual a causa produz o efeito; assim o cálido produz o cálido. Ora, Deus produz a criatura pelo intelecto e pela vontade, como já ficou dito4. Donde, para a perfeição do universo se requer existam algumas criaturas intelectuais. Inteligir, porém, não pode ser ato do corpo, nem de nenhuma virtude corpórea, porque todo corpo está situado no lugar e no tempo. Por onde, é necessário admitir-se, para que o universo seja perfeito, a existência de alguma criatura incorpórea. Mas os antigos, ignorando a virtude intelectiva e não distinguindo entre o sentido e o intelecto, opinaram que nada existe no mundo, fora o que pode ser apreendido pelos sentidos e pela imaginação. E como a imaginação só percebe o corpo, opinaram que nenhum ente, além do corpo, pode existir, como diz o Filósofo5. Donde procedeu o erro dos Saduceus dizendo que não há espírito (At 23, 8). Mas o fato mesmo de ser o intelecto superior ao sentido prova racionalmente que há certos seres incorpóreos compreensíveis só por aquele.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As substâncias incorpóreas são o meio termo entre Deus e as criaturas corpóreas. Ora, o meio, comparado com um extremo, é outro extremo; assim o tépido, comparado com o cálido, é frígido. E por tal razão se diz que os anjos, comparados com Deus, são materiais e corpóreos; e não por haver neles algo da natureza corpórea.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Movimento aí se toma no sentido em que se diz que inteligir e querer são certos movimentos. Por onde se diz que o anjo é substância sempre móvel porque sempre está em ato de intelecção e não, como nós, ora em ato, ora em potência. Por onde se vê que a objeção procede de um equívoco.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Ser circunscrito por limites locais é próprio dos corpos; mas por limites essenciais é comum a qualquer criatura, tanto corporal como espiritual. Por onde diz Ambrósio6que, embora certos seres não estejam contidos em lugares corpóreos, todavia não escapam à circunscrição da substância.
  1. 1. Orth. Fid., lib. II, c. III
  2. 2. Phys., lib. IV, lect. V.
  3. 3. De Spiritu Sancto, lib. I, cap. VII.
  4. 4. Q. 14, a. 8; q. 19, a. 4.
  5. 5. Phys., lib IV, lect. IX, X.
  6. 6. De Spir. Sanct. (loco citati in arg.).