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O que é julgamento temerário? Ele é sempre pecaminoso?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Todo homem tem direito a uma boa reputação, à boa opinião que comumente se tem sobre ele, pois ninguém deve ser considerado mau até que se prove que ele de fato é mau. Portanto, a difamação injusta do próximo constitui um pecado contra a justiça estrita.

Julgamento é a afirmação ou negação de uma coisa (p. ex., que algo é bom ou não). Um julgamento pode ser verdadeiro ou falso, dependendo de se está ou não de acordo com a verdade objetiva; verdadeiro ou provável, se afirmado ou negado com certeza ou apenas com probabilidade; prudente ou temerário, se emitido com fundamento suficiente ou insuficiente.

Levando em conta essas noções, chegaremos às seguintes conclusões sobre suspeitas infundadas e julgamentos temerários.

Uma suspeita temerária existe quando, sem fundamento suficiente, começamos a duvidar da conduta ou das intenções de nosso próximo, embora sem afirmá-lo definitivamente.

É um pecado contra a justiça devido ao direito do próximo à sua boa reputação, até que se prove o contrário. Mas por não ter assentimento firme, a simples suspeita não lesiona gravemente o próximo, e pode ser justificada de algum modo pelas ações do próximo ou por nossa própria fraqueza humana, que nos torna inclinados a essas suspeitas.

Mas ela pode ser séria em algumas circunstâncias, por exemplo, se a suspeita temerária (a opinião a fortiori) se refere a um pecado muito sério e que não é habitual da pessoa, ou se a pessoa é de reconhecida virtude. Nesses casos, há um pecado mortal na simples suspeita deliberadamente admitida e mantida, pela lesão séria que se comete ao próximo.

Santo Tomás explica as causas dessas suspeitas temerárias:

Como diz Túlio, a suspeita implica a opinião do mal, fundada em leves indícios. E isto pode dar-se por três razões. -- Primeiro, porque, sendo maus, em nós mesmos, facilmente opinamos mal dos outros, por estarmos como que cônscios da nossa malícia, conforme aquilo da Escritura: O insensato que vai pelo caminho, sendo ele um insipiente, a todos reputa por insensatos. -- Segundo, porque somos mal afeiçoados para com outrem. Pois, odiando-o ou desprezando-o, ou tirando-nos contra ele e invejando-o, pensamos mal do mesmo, fundados em leves indícios. Porque cada um facilmente crê o que deseja. -- Terceiro, por causa da longa experiência; por isso, diz o Filósofo, que os velhos são suspeitosos, por excelência, porque muitas vezes experimentaram os defeitos dos outros. Ora, as duas primeiras causas da suspeita implicam manifestamente a perversidade do afeto. A terceira causa, porém, diminui a suspeita, na sua natureza mesma, porque a experiência nos conduz à certeza que é contra a natureza da referida suspeita. Por onde, a suspeita implica em certo vício e, quanto mais suspeita é, tanto mais é viciosa. (II-II, q.60, a.3)

Um julgamento temerário é o assentimento firme da mente (não apenas uma simples dúvida, suspeita ou opinião), sem fundamento suficiente, acerca dos pecados ou intenções maliciosas do próximo.

É um pecado grave contra a justiça em razão da grave injúria que inflige sobre o próximo, que tem direito de preservar sua reputação até mesmo em nossos pensamentos internos, até que haja prova do contrário. Mas admite leveza da matéria e então, por exemplo, pode ser pecado venial julgar temerariamente que o próximo está mentindo para parecer melhor do que realmente é. A seriedade maior ou menor de um julgamento temerário depende não apenas da qualidade do crime que se presume, mas também da maior ou menor desproporção entre o julgamento e as razões que levaram a ele.

A Sagrada Escritura proíbe severamente esses julgamentos temerários, e Cristo nos avisa que seremos julgados da mesma maneira que julgamos os outros: “Não julgueis, para que não sjais julgados. Pois, segundo o juízo com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que medirdes vos medirão também a vós. Por que olhas tu para a aresta que está no olho de teu irmão e não notas a trave no teu olho? (Mt 7,1-3).

“Com efeito, o juízo será sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia; mas a misericórdia triunfa do juízo” (Tg 2,13). Essas palavras do Apóstolo São Tiago resolvem, por si mesmas, a objeção que frequentemente se faz ao salutar conselho cristão de sempre interpretar em um bom sentido as intenções do próximo até que o contrário seja certo. É verdade que, ao fazê-lo, corremos o risco de errar muitas vezes. Mas esse erro será para nosso maior benefício, porque, ao tempo de nosso julgamento, Deus usará da mesma misericórdia que usamos com o próximo.

Há, além disso, outra razão, que Santo Tomás explica admiravelmente:

Pode acontecer que quem interprete no sentido mais favorável frequentemente, se engane. Mas, é melhor enganar-se mais frequentemente, formando opinião boa de um homem mau, do que enganar-se raras vezes, fazendo má opinião de um homem bom. Porque, o primeiro modo de proceder injuria a outrem e o segundo, não” (II-II, q.60, a.4, ad)

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