Irmãs da Fraternidade Sacerdotal São Pio X
“Era uma vez um anjo muito bonito que se chamava Rafael...” Pedro está sentado no chão, aos pés da sua mãe. Domitila se espreme no sofá enquanto Ágata, ajoelhada, chupa o polegar. Os três prestam atenção na sua “alegria da noite”: mamãe contando uma história...
Desde o Gilgamesh, a mais antiga epopeia da humanidade, escrita 1.800 anos antes de Cristo, passando pela Ilíada e a Odisseia, que Homero recitava de casa em casa, e pelas Canções de Gesta, que os trovadores narravam a nossos antepassados, até os contos que nossas vovós contavam perto do fogo, os homens de todas as idades e de todos os tempos sempre gostaram de ouvir histórias.
É muito natural. Por meio de nobres epopeias ou de simples contos, as histórias, sejam ingênuas, fantasiosas, engraçadas ou trágicas, transmitem, num clima de poesia, uma cultura, uma civilização, uma concepção do homem e do mundo. Ao tocar os sentidos e a imaginação, elas nos fazem refletir sobre o bem e o mal, a vida e a morte, os trabalhos e as conquistas, nossa condição humana e o sentido do nosso destino.
Aí está a importância das histórias para a formação de nossos filhos. Mas, não se contentem, queridos pais, em deixar os seus filhos lerem sozinhos. Contatas por vocês, as histórias adquirem uma força de persuasão e uma autoridade muito maior; elas se revestem da sua própria experiência de vida, ao passo que o tom da sua voz, seus gestos e mímicas capturam a atenção e dão vida às histórias.
Ao redor da lareira
Havia um momento privilegiado para contar histórias, como bem sabiam os nossos antepassados: era quando, terminado o trabalho do dia, toda a família se reunia em volta da lareira. Era um costume excelente contar cada dia uma história, ou um capítulo de uma narrativa maior, a ser continuada no dia seguinte. Esse momento tão esperado, de abraços e de felicidade, é um bom incentivo para as crianças que demoram para se preparar para dormir. “Quando todo mundo estiver pronto, com os dentes escovados, vou contar uma história”, anuncia a mãe: eis uma frase mágica para apressar quem está molengando!
No entanto, é preciso atentar para que a história contada à noite não seja excitante demais, a menos que se torne calma no final: é difícil pôr para dormir um pequeno “Ivan, o cavaleiro do leão” de pijamas, reproduzindo com as pantufas, ao lado do irmão, a cena do torneio. Com crianças de temperamento muito sensível devemos evitar histórias “que dão medo”, com canibais, lobos etc, que podem causar pesadelos. Para essas histórias, devemos preferir contá-las durante o dia, durante o sono da tarde dos irmãozinhos, por exemplo; os maiores não ficarão assustados e estarão prontos para ir brincar em seguida, enquanto a grande luz do dia dissipa o terror.
Que história escolher? Uma história bela e apaixonante, claro! Pode ser uma história real, como a vida dos santos e dos heróis (ou episódios delas); esses modelos a serem imitados entusiasmam particularmente os maiores. A história também pode ser inventada; basta ouvir a fórmula maravilhosa, “era uma vez...”, que ninguém mais se impressiona com animais que falam ou abóboras que viram carruagens. No entanto, as crianças gostam mais das histórias reais, e os maiores costumam perguntar: “Isso aconteceu de verdade?” Se for o caso, eles saborearão o enredo de modo muito profundo e se sentirão tocados. Se a resposta for negativa, se a história for inventada, ficarão certamente contentes com esses momentos tão agradáveis, mas não darão tanta atenção ao seu conteúdo. Essa reação infantil tão marcante nos recorda, em pequena escala, que todo ser humano é feito para a verdade, para o belo e para o bem soberano que é Nosso Senhor Jesus Cristo.
A história deve ser moral, ou seja, o pecado jamais deve ser apresentado de modo atraente (salvo brevemente, para explicar uma tentação; mas então seguirá o relato da luta vitoriosa ou das consequências nefastas da derrota); o bem nunca será alvo de zombaria. Os vencedores não serão “espertalhões” e sim homens virtuosos. Contudo, uma história “moral” não é necessariamente uma história “moralizante”, no sentido pejorativo do termo, designando uma história desagradável, cujos personagens são dotados de uma psicologia simplória, e terminando em alguma conclusão moral forçada. As editoras da Tradição publicam bons livros para as crianças. Pode-se também encontrar alguns clássicos a preços módicos nos livreiros. Fora disso, é preciso conhecer a história antes de contá-la aos pequenos.
A história deve ser adaptada à idade e à capacidade de compreensão dos ouvintes. Os pequeninos, que ainda não sabe ler, tem ainda mais necessidade do que os outros de que as histórias lhes sejam contadas. Não se espantem se pedirem para ouvir de novo e de novo a mesma história que tanto amam, e que já conhecem quase de cor. É normal nessa idade: as crianças se sentem reconfortadas ao pisar em terreno conhecido, e amam reviver os mesmos sentimentos que experimentaram da primeira vez.
No entanto, os mais crescidos preferirão ouvir histórias diferentes a cada vez, e sua capacidade de atenção lhes permitirá acompanhar histórias “a serem continuadas” a cada noite. Pode acontecer dos filhos adolescentes acharem que ouvir histórias é "coisa para bebês", que não é próprio para a sua idade. Nesse caso, há muitas possibilidades, conforme a personalidade de cada um: podemos deixa-los à vontade para não prestarem atenção às histórias contadas para os mais novos e se dedicarem às suas leituras; ou contar duas histórias: uma para os pequenos no início da noite, e outra adaptada para os mais velhos mais tarde, depois dos irmãos terem dormido; finalmente, podemos estimular um adolescente a participar da história, lendo ou interpretando um dos papéis.
Simplesmente ousar
Pode ser que você ainda hesite em começar a ler para os filhos: “Não sou bom de histórias, me atrapalho quando leio”. Não tenha medo: as crianças são um bom público e ficam muito contentes quando um adulto decide se ocupar delas. Comece com uma história de que gosta e conhece bem, a que preferia quando era criança, por exemplo. Isso permitirá que não tenha de ficar com os olhos presos ao texto, e poderá se soltar do relato e tornar a história mais viva pelo seu tom de voz, gestos, olhando sempre para os pequenos ouvintes. É preciso esquecer de si mesmo nesses momentos, não prestar atenção na própria voz, nem hesitar em se fazer pequeno com os pequenos. O olhar radiante das crianças servirá de encorajamento e, rapidamente, lhe dará confiança.
E se você ainda não estiver convencido, considere simplesmente o exemplo de Nosso Senhor contando uma parábola: que contador deveria ser! Como gostaríamos de fazer parte daquele auditório, saboreando cada palavra! Ele soube nos fazer compreender as verdades mais elevadas por meio de histórias bem simples, e suas belas parábolas, como a ovelha desgarrada, o filho pródigo, a pedra preciosa ou a dos talentos, continuarão a encantar os homens até o fim do mundo.
(Fideliter no. 255. Tradução: Permanência)