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Art. 2 — Se todos os seres estão sujeitos à providência divina.

(Infra, q. 102, a. 5; I Sent., dist. XXXIX, q. 2, a. 2; III Cont. Gent., cap. I, LXIV, LXXV, XCIV; De Verit., q. 5, a. 2" sqq.; Compend. Theol., cap. CXXIII. CXXX, CXXXII; Opusc. XV. De Angelis, cap. XIII, XIV, XV; De Divin. Nom. cap. III. lect. I).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que nem todos os seres estão sujeitos à providência divina.
 
1. — Pois, nenhum objeto da providência é fortuito. Logo, se Deus providencia sobre tudo, nada será fortuito, não havendo assim acaso e sorte; o que vai contra a opinião geral.
 
2. Demais. — Todo provedor sábio procura, na medida do possível, excluir o defeito e o mal das coisas que administra. Ora, vemos que existem muitos males nas coisas. Logo, Deus, ou não os pode impedir, e não é onipotente, ou não cura de todos os seres.
 
3. Demais. — O que se realiza necessaria­mente não requer providência ou prudência. Por isso, conforme o Filósofo, a prudência é a razão reta acerca das coisas contingentes1, que supõe conselho e eleição. Por onde, muitas coisas, realizando-se necessariamente, nem todas de­pendem portanto da providência.
 
4. Demais. — Quem depende de si próprio não depende da providência de nenhum gover­nador. Ora, os homens fê-los Deus dependerem de si próprios, conforme a Escritura (Ecle 15, 14): Deus criou o homem desde o princípio, e o deixou na mão do seu conselho. E especialmente os maus, se­gundo ainda o mesmo (Sl 80, 13): E os abandonou segundo os desejos do seu coração. Logo, nem todos os seres estão submetidos à divina providência.
 
5. Demais. — Diz o Apóstolo (1 Cor 9,9): Acaso tem Deus cuidado dos bois? Ora, pela mesma razão não o tem das outras criaturas irracionais. Logo, nem todos os seres estão submetidos à di­vina providência.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura, da di­vina sapiência (Sb 8, 1): Ela, pois, toca desde uma ex­tremidade até a outra com fortaleza, e dispõe todas as causas com suavidade.
 
Solução. — Certos, como Demócrito e os epicuristas, pensando ser o mundo obra do acaso, negaram totalmente a providência. Ou­tros disseram que estão sujeitos à providência só os seres incorruptíveis. E também os corrup­tíveis, não individual, mas especificamente, pois, como tais, são incorruptíveis. É represen­tando a opinião desses que Jó diz (Jó 22, 14): Nas nuvens está escondido, nem tem cuidado das nossas causas, e passeia pelos pólos do céu.Mas Rabi Moisés, que da generalidade dos seres corruptí­veis excetua os homens, pelo esplendor do inte­lecto, de que participam, segue a opinião dos outros quanto aos demais indivíduos corrup­tíveis2.
 
É necessário, porém, admitir que todos os seres estão sujeitos à divina providência, não só universal, mas também singularmente. O que assim se demonstra. Todo agente agindo para um fim, a ordenação dos efeitos para o fim é proporcional à extensão da causalidade do agente primeiro. E quando, nas obras de um agente, o efeito não se ordena ao fim, é que tal efeito resulta de alguma outra causa contra a intenção do agente. Ora, a causalidade de Deus, agente primeiro, se estende a todos os seres, tanto corruptíveis como incorruptíveis, e não só quanto aos princípios da espécie, mas também quanto aos indivíduos. Por onde, tudo o que tem de algum modo o ser foi necessària­mente ordenado por Deus a um fim, segundo a Escritura (Rm 13,1): E as (potestades) que há, essas foram por Deus ordenadas. E sendo a providência de Deus a razão da ordem das coisas para o fim, como dissemos3, todos os entes estão necessària­mente sujeitos à providência divina na medida mesma em que participam do ser.
 
E, do mesmo modo, já demonstramos4 que Deus, conhece tudo, tanto o universal como o particular. E estando o seu conhecimento para as coisas, como o conhecimento da arte para o artificiado, como dissemos5, necessariamente tudo há-de depender da sua ordem, como todos os artificiados dependem da ordem da arte.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Uma é a ordem da causa universal e outra, a da particular. Pois, é possível escapar-se à ordem desta, mas não à daquela. Um efeito escapa à ordem de uma causa particular só por outra causa particular impediente; p. ex., a ação da água impede a combustão da madeira. Mas, incluindo-se todas as causas particulares na causa universal, é impossível qualquer efeito escapar à ordem desta. Donde o cha­mar-se casual ou fortuito, em relação à uma causa particular, o efeito que lhe escapa à ordem. Mas, em relação à causa universal, à qual não pode subtrair·se, diz-se que tal efeito foi previsto. Assim, o encontro de dois es­cravos, embora casual, quanto a eles, foi contudo previsto pelo senhor, que cientemente os mandou a um determinado lugar, sem que um soubesse do outro.
 
Resposta à segunda. — O que se dá com o que cura de uma causa particular não se dá com o provisor universal. Pois, o provisor par­ticular exclui, na medida do possível, a deficiên­cia do que lhe está sujeito aos cuidados; mas o provisor universal, se permite algum defeito num ser particular, é para não ficar impedido o bem do todo. Por isso, dizemos que as corrupções e deficiências dos seres naturais são contrárias à natureza particular, embora estejam na intenção da natureza universal, porque o defeito de um ser contribui para o bem de outro, ou mesmo de todo o universo; pois a cor­rupção de um ser é a geração de outro, pela qual se conserva a espécie. Ora, sendo Deus o provisor universal de todos os entes, é próprio à sua providência permitir certos defeitos, em certos seres particulares, a fim de que não se impeça o bem perfeito do universo. Porquanto muitos bens faltariam ao universo se se impedissem todos os males. Assim não seria possível a vida do leão, sem a morte de outros animais; nem existiria a paciência dos mártires, sem a perseguição dos tiranos. Por isso, diz Agostinho: Deus onipotente de nenhum modo permitiria o mal nas suas obras se não fosse tão poderoso e bom, para tirar o bem, mesmo do mal6. E os que subtraíram à divina providência os seres corruptíveis, sujeitos ao acaso e ao mal, foram sem dúvida levados pelas duas objeções, ora resolvidas.
 
Resposta à terceira. — O homem não é o instituidor da natureza, mas usa das causas na­turais, nas obras da arte e da virtude. Por isso a providência humana não se estende aos seres naturais necessários, a que, entretanto, se es­tende a providência de Deus, autor da natureza. E foram levados sem dúvida pela objeção for­mulada os que subtraíram à divina providência o curso dos seres naturais, atribuindo-a a lei da matéria, como Demócrito, e outros físicos antigos.
 
Resposta à quarta. — Dizer-se que Deus entregou o homem a si próprio não exclui a di­vina providência, mas significa que não lhe foi infundida uma virtude operativa, determinada a um só termo, como o foi aos seres naturais. Pois, estes são levados e como dirigidos por outro ser para o fim que lhes é próprio, e não agem por si mesmos, dirigindo-se a si mesmos para esse fim, como o fazem as criaturas racionais, pelo livre arbítrio, pelo qual aconse­lham e elegem. Donde o dito expressivo da Escritura: na mão do seu conselho. Mas redu­zindo-se a Deus, como à causa, os atos mes­mos do livre arbítrio necessariamente estão su­jeitos à divina providência; pois a providência humana se inclui na divina como a causa particular, na universal. — Mas a providência de Deus se estende, de modo mais excelente aos justos, que aos ímpios, não permitindo que con­tra eles aconteça o que possa, afinal, impedir­-lhes a salvação; pois os que amam a Deus todas as coisas lhes contribuem para seu bem. Porém, por isso mesmo que não livra os ímpios do mal da culpa, dizemos que os abandona; não que sejam por isso totalmente excluídos da sua pro­vidência; pois se não fossem conservados pela sua providência, voltariam ao nada. E foi sem dúvida esta a razão que levou Túlio a subtrair à divina providência as coisas humanas, sobre as quais exercemos o nosso conselho7.
 
Resposta à quinta. — A criatura racional sendo, pelo livre arbítrio, senhora de seus atos, como dissemos8, está sujeita de maneira especial à divina providência, de modo que Deus lhe imputa por culpa ou mérito o que ela faz, e lhe atribui a pena ou o prêmio. E é porque Deus, segundo o Apóstolo, não cura dos bois; sem querer com isso dizer que as criaturas irra­cionais não dependam individualmente da pro­vidência de Deus, como pensava Rabi Moisés9.

  1. 1. VI Ethic, c. 5.
  2. 2. Doct. Perplex, pars III, c. 17.
  3. 3. Q. 22, a. 1.
  4. 4. Q. 14 a. 11.
  5. 5. Ibid., a. 8.
  6. 6. Enchirid., c. 11.
  7. 7. De Divinat., lib. II.
  8. 8. Resp. ao arg. Prec.; q. 19, a. 10.
  9. 9. Loco cit.
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