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O discernimento de espíritos

1. Que significa espírito nesta expressão ? Significa uma maneira especial de julgar, amar, querer, agir; uma tendência ou mentalidade particular da alma, por exemplo, uma inclinação à oração, à penitência ou, ao invés, à contradição; é desse modo que falamos de um espírito de contradição ou ainda, de insubordinação.
 
2. Como classificamos na espiritualidade os diversos espíritos? Classificamos geralmente em três tipos de espíritos: o divino, o diabólico e o humano.
 
 
Que é o espírito divino? É a inclinação interior da alma para julgar, amar, querer, agir de modo sobrenatural; por isso, nos inclina a fugir do pecado pela mortificação da carne, pela humildade, e a tender para Deus pela obediência, piedade, fé, confiança e caridade, afetiva e efetiva. O espírito divino verifica-se particularmente nas inspirações do Espírito Santo segundo os sete dons.
 
O espírito divino se encontra em estado latente nos principiantes e de modo mais manifesto nos aproveitados e nos perfeitos, mais dóceis ao Espirito Santo. Pela inspiração divina, há unidade numa grande variedade de virtudes, de dons, de vocações contemplativas, ativas e apostólicas. É conforme esta variedade que distinguimos o espírito de cada família religiosa, que declina na medida que dele se afasta e se renova, ao contrário, quando a ele retorna.
 
Que é o espírito humano, ou espírito de natureza? É a inclinação para julgar, querer e agir de modo demasiado humano, segundo a natureza decaída, que tende para sua vantagem pessoal, para sua própria utilidade; é o espírito do egoísmo e do individualismo. Então, a prudência é vista mais como uma virtude necessária para evitar os inconvenientes, que como uma virtude positiva que tende ao bem honesto e dirige retamente as virtudes morais. Por esta prudência da carne, coloca-se a mediocridade, no sentido pejorativo do termo, no lugar do justo meio da virtude.
 
Esta mediocridade é um meio termo entre o bem e o mal e, inspirando-se no utilitarismo, ela permanece no centro da base do triângulo para fugir aos inconvenientes do vício, mas não por amor a virtude. Ao contrário, o justo meio termo da virtude é como o cume do triângulo formado entre dois vícios opostos um ao outro. Assim, o justo meio-termo da virtude da força está entre a covardia e a audácia temerária. Este justo meio-termo eleva-se mais e mais com o progresso das virtudes. É mais alto na temperança infusa que na temperança adquirida. Do mesmo modo, a mediocridade sempre diminui a elevação das virtudes teologais, como se existissem « por si sós, em um meio-termo », como se o homem pudesse ter demasiada fé em Deus, demasiada esperança em Deus, demasiado amor a Deus, assim como pode amar demasiadamente a própria pátria, amando-a mais que a Deus. O falso meio-termo da mediocridade permanece na base e não busca jamais o cume da perfeição.
 
Este espírito de natureza engendra a tibieza e, enfim, o desgosto. Predispõe ao pecado mortal pelos pecados veniais cada vez mais deliberados. No entanto, o espírito de natureza tem, por vezes, um lirismo próprio, que se manifesta no sentimentalismo, na afetação na sensibilidade de um amor que não existe o bastante na vontade. Mas decai rapidamente do lirismo romântico à prudência da carne e à « loucura » da qual falava São Paulo, que julga de todas as coisas, mesmas as mais elevadas, pelo que há de mais baixo, segundo as satisfações da sensualidade ou do orgulho (cf. S. Tomás sobre a prudência da carne e a loucura, IIa-IIae, q. 55, q. 46)1.
 
Que é o espírito demoníaco? É uma tendência para julgar, querer e agir conforme uma inspiração perversa e diabólica. Este espírito manifesta-se claramente nos ímpios, em seu orgulho, luxúria e arrebatamento, mas, no momento da tentação, aparece em estado latente nos outros.
 
Em toda alma predomina um destes três espíritos: nos ímpios, o espírito demoníaco, nos tíbios, o espírito de natureza; nos iniciantes que se mostram generosos na via do Senhor, domina já o espírito de Deus, ainda que neles, por vezes, o espírito de natureza ou mesmo o demoníaco se introduza.
 
Que significa, enfim, discernimento, quando falamos em discernimento dos espíritos? É o julgamento que consiste em discernir exatamente por qual espírito é normalmente movida tal pessoa. Ora, o discernimento pode ser adquirido ou infuso :
 
Se é adquirido, tem sua origem no influxo da teologia moral e na prudência adquirida unida à prudência infusa, e é mais ou menos aperfeiçoado pela inspiração do dom do conselho.
 
Se é infuso, é a graça gratis data, chamada por São Paulo (1 Cor 12, 10) « discernimento dos espíritos ». Ela é muito rara. No entanto, um bom diretor espiritual, piedoso, virtuoso e prudente, recebe, mui freqüentemente, graças de estado que podem, de algum modo, pelo fato de serem de utilidade ao próximo, conduzir a uma graça gratis data; elas aperfeiçoam sua prudência e as inspirações do dom de conselho.
 
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Qual é o princípio fundamental do discernimento dos espíritos ?
 
É o princípio formulado por Nosso Senhor, a saber: «toda a árvore boa dá bons frutos, e toda a árvore má dá maus frutos. Não pode uma árvore boa dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore, que não dá bom fruto, será cortada e lançada no fogo. Vós os conhecereis pois pelos seus frutos» (Mt 7, 17-20).
 
Ora, os frutos são as virtudes, os dons do Espírito Santo e seus atos. É preciso, pois, julgar pelas principais virtudes, ou seja, em ordem ascendente, pela castidade e mortificação, pela humilde obediência; pela fé, esperança e caridade. É fácil aplicá-las aos três espíritos que distingüimos acima.
 
DESCRIÇÃO DOS SINAIS DO ESPÍRITO DE NATUREZA
 
Esta descrição se faz com facilidade por contraste com o espírito divino, observando-se algumas diferenças com relação ao espírito demoníaco. Este espírito natural é, como dissemos acima, uma tendencia para julgar, querer e agir de modo natural e não sobrenatural. De que « natureza » se trata? Não se trata absolutamente da natureza considerada em si mesma, que pode se elevar à ordem da graça, mas se trata quer da natureza decaída e ainda não regenerada pela graça, quer da natureza ainda manchada, que, apesar da presença da graça, conserva as quatro manchas conseqüentes ao pecado original, que se agravam pelos pecados pessoais. Estas manchas nos batizados que vivem em estado de graça estão em via de cicatrização ou cura, mas não há cura perfeita nesta vida. 2.
 
Infligida à toda natureza humana pelo pecado dos primeiros pais, estas manchas são curadas imperfeitamente no batismo, pois a concupiscência permanece após este novo nascimento, o que nos obriga a um combate espiritual. Assim, com a ajuda de Deus, o homem supera a concupiscência de um modo meritório, como diz S. Tomás (III, q. 69, a. 3). E isto também era conveniente, como está dito no mesmo lugar, para que os homens não viessem ao batismo com o intuito de escapar às penas da vida presente antes que pela glória da vida eterna. Nós somos co-herdeiros do Cristo, « mas isto, se sofrermos com ele, para sermos com ele glorificados ». Ora, estas quatro manchas são agravadas pelo pecado atual que diminui a inclinação natural para a virtude ao trazer um obstáculo: a inclinação para o mal; assim, « pelo pecado (mesmo venial, nos justos) a razão é embotada, sobretudo na ordem da ação, a vontade se enrigesse contra o bem, cresce a dificuldade de bem agir e a concupiscência arde com mais força » (I-II, q. 85, a. 3).
 
É por isto que o espírito da natureza decaída ou manchada inclina à concupiscência, que é o lar do pecado e, em seguida, à preguiça, à frouxidão no irascível e, por conseqüência, à injustiça na vontade, à negligência, à imprudência ou à astúcia na inteligência. Em resumo, é o espírito do amor próprio, do amor desordenado de si-mesmo ou do egoismo. E este espírito de amor-próprio, como o demonstra S. Tomás, conduz às três concupiscências, isto é, à concupiscência da carne, à concupiscência dos olhos e ao orgulho de vida3.
 
Estas três concupiscências inclinam enfim aos sete pecados capitais, que estão na origem de outros pecados, freqüentemente mais graves (Ia-IIae, q. 84, a. 4); os sete pecados são: a vã glória, a inveja, a cólera, a avareza, a preguiça ou a tibieza, a gula e a luxúria. Conforme observa S. João da Cruz (Noite escura, 1. I, início), estes sete pecados existem mesmo em relação aos bens espirituais, por exemplo, a gula espiritual, que é o desejo imoderado da consolação espiritual, amada por si mesma e não por Deus, e o orgulho espiritual. Ora, os pecados capitais, aos quais o espirito da natureza inclina primeiramente, leva a pecados mais graves, como a incredulidade, o desespero, o ódio de Deus e do próximo. Assim considerada, a natureza manchada da qual fala S. Tomás, não difere da que fala o livro da Imitação de Cristo (1. III, c. 54).
 
Se quisermos discrever o espírito de natureza quanto à mortificação, à humildade, às virtudes teologais, digamos que a ele é preciso aplicar a primeira regra do discernimento, « Vós os conhecereis pois pelos seus frutos » :
 
1. O espírito de natureza não inclina jamais à mortificação, nem exterior, nem interior, nem a aceitar as humilhações. Como dizem os espirituais : a natureza não quer morrer, mas procura o deleite nas coisas da piedade, com uma gula espiritual que se opõe ao espírito de fé e ao verdadeiro amor de Deus. Após as primeiras dificuldades ou asperezas, aquele que se move por este espírito de natureza não progride mais e abandona a vida interior. Sob pretexto de apostolado, lança-se numa atividade natural exterior, vive na superfície de sua alma; nele, nada há de profundo, confunde caridade com filantropia, humanitarismo e liberalismo. Esta atividade natural se manifesta de três maneiras, em ordem decrescente: 1.) o arrebatamento, o ardor natural; 2.) a precipitação natural; 3.) o movimento natural, ou atividade natural não santificada, em nada inspirada pelo espírito da fé ou pelo amor de Deus.
 
Sobrevém a contradição ou a provação, então a natureza geme, recusa carregar a cruz e cai, pouco a pouco, no desespero. O fervor inicial não era senão um fogo de palha subitamente extinto.
 
Este espírito é propriamente o egoísmo, com uma perfeita indiferença pela glória de Deus e a salvação das almas. Não é o amor de Deus ou do próximo que detêm o primeiro lugar na alma, mas o amor desordenado de si-mesmo.
 
Mas, para se justificar, este espírito de natureza tem sua teoria; o princípio é o seguinte: não se deve exagerar em nada, devemos evitar os excessos seja na austeridade, seja na piedade; nós não estamos obrigados a tender à perfeição mística, isto seria misticismo. Segundo este espírito, se alguém lê reservadamente um capítulo da Imitação de Jesus Cristo diariamente para seu progresso espiritual, já é um místico. É preciso, como se diz, avançar pela via comum, posto que a virtude se encontra num meio-termo.
 
Mas eles falseiam este princípio : o sentido verdadeiro é que a virtude moral se encontra num meio-termo e é um cume entre dois vícios, um por excesso, outro por falta, como a fortaleza está entre a covardia e a audácia temerária. É evidente que este meio-termo é, igualmente, um cume que se eleva entre e acima dos dois vícios opostos, um ao outro. Ao contrário, o meio-termo de que fala a teoria dita acima está na base do triângulo que figura o caminho da perfeição. Pois o meio-termo da tibieza não está entre e acima de dois vícios opostos um ao outro, mas entre o vício e a verdadeira virtude, é o meio-termo instável da mediocridade, entre o bem eo mal, e mais perto do mal do que do bem, nem mesmo no meio do caminho entre os dois, como na enumeração das notas escolares que se costuma dar às crianças : muito bom, bom, razoável, mediocre, mal, muito mal. Esta teoria é, pois, a da mediocridade sob as aparências da virtude ; pois, se ela foge dos vícios opostos entre si, é por causa de seus inconvenientes e em razão da comodidade ou utilidade pessoal, não por amor do bem honesto e da virtude. Assim era para o utilitarismo de Epicuro e de Horácio. Assim como se diz « vinho mediocre, nem bom, nem mal », podemos dizer: espírito mediocre, obra mediocre.
 
Ademais, esta teoria da mediocridade recusa admitir, ao menos na prática, que as virtudes teologais não estão, por si mesmas, num meio-termo ; ela rejeita, portanto, as palavras de S. Tomás: « Nós não podemos amar a Deus tanto quanto Ele deve ser amado, nem crer ou esperar nele o bastante » (Ia-IIae, q. 64, a. 4). Devemos, pois, aspirar a uma fé, a uma confiança e a uma caridade sempre maior.  
 
Por mais forte razão, nesta categoria, negligencia-se na prática a necessidade da docilidade às inspirações do Santo Espírito conforme os sete dons.
 
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Na carta do Revmo. Pe. de Paredès, Geral da ordem dos Irmãos Pregadores, publicada em 1926, no início da nova edição das Constituições, o espírito natural está descrito assim (pág. 20): « Ainda que a santidade seja, para o homem, o efeito da graça de Deus agindo em nós, ela supõe, no entanto, de nossa parte, um longo e laborioso progresso de purificação e de transformação de tudo o que há em nós, até alcançarmos o total abandono do velho homem, que se perverte nos desejos da carne, e nos revestirmos do homem novo « criado segundo Deus na justiça e na santidade da verdade ». Daí, o espírito de obediência, de abnegação e de sacrifício com o qual devemos todos guardar estas observações com exatidão e perseverança... ».
 
Contudo, « Toda indulgência humana, todo espírito de pusilanimidade, toda condescendência feita a este ponto por considerações terrestres, toda dispensa ilegítima, sem fundamento nas próprias Constituições, podem ser consideradas como uma prevaricação por parte dos superiores... e, por parte dos sujeitos, como uma renúncia à obrigação de se santificar e de fazer de si instrumentos úteis para cumprir o santo ministério. Ceder a nossa fraqueza, conforme a maneira dita acima, seria mostrar que professamos o estado religioso, não para alcançar o fim que Deus e a Igreja nos impuseram, mas para encontrar uma solução agradável para o problema da vida presente, isto é, para encontrar com mais segurança no estado religioso todos os bens necessário para a vida e ainda nos propiciar mais facilmente vantagens que talvez não gozassemos no século.
 
« Mas, para que as observâncias regulares produzam em nós todos os frutos de santidade visados pelas Constituições, não basta observá-las de modo meramente material ou literal, nem apenas para evitar a sanção prevista pela lei ou que pode ser imposta pelos superiores, nem para mostrar-se irrepreensível perante os superiores. Para que nossas observâncias sejam para nós meio de santificação... (e de preparação para o santo ministério), é preciso que sejam sobrenaturais em seu princípio e sejam causadas pela graça divina que lhes infunde o ser sobrenatural.
 
« Na falta deste espírito interior, que é o centro e a fonte da vida sobrenatural... não sobra nada em nós senão o mecânico e o material, nossa piedade pessoal carece de energia vital « como um bronze que soa, ou como um címbalo que tine », ela se enfraquece e perde todo o mérito e nossa ação comum fica, ela mesma, privada de verdadeira orientação e eficácia. Trabalhamos e nos inquietamos talvez demais em nossas atividades; mas nossa atividade não exprime a verdadeira vida interior de fé, esperança e caridade... Ela parece apenas um esforço provocado pela necessidade exterior de agir ou que obedecesse a razões puramente naturais que nos guiam, conscientemente ou não, pelo fato único de favorecerem as inclinações de nossa natureza. Na falta do espírito interior que nos permite triunfar fobre nós mesmos e dá a nosso ministério a vitória sobre os inimigos da salvação das almas, quanto tempo perdido e passado em vão, quantos esforços, quantos sacrifícios estéreis, quantas atividades gastas inutilmente! »  
 
Ao contrário, onde prospera e florece o espírito interior, produz-se os frutos de uma santidade sólida... Então, o valor e a virtude da vocação religiosa se mostra mais claramente... « Este espírito interior se forma em nós pela prática dos meios que a ascese religiosa nos sugere ; ele se fortalece e se aperfeiçoa pelo progresso espiritual nas diversas etapas da mística cristã, como ensina o Doutor angélico. A mística é, com efeito, o complemento da ascese na ascensão das almas a Deus pelos graus da perfeição da vida cristã. Se houve, por vezes, erros a este sujeito, se aberrações práticas prejudicaram largamente nesse ponto a verdadeira piedade, assistimos hoje uma restauração da verdadeira doutrina tradicional que dá às almas sedentas de vida sobrenatural meios de conhecer as realidades místicas ». É nessa vida perfeita que se encontra verdadeiramente o espírito de Deus que renova as almas.
 
O espírito natural releva-se sobretudo na maneira tíbia de celebrar a Missa, no modo de dizer o ofício, com precipitação e como que mecanicamente, de ocupar-se dos estudos com curiosidade e, em seguida, com preguiça, ou ainda de observar ou antes de não observar o silêncio e outras práticas regulares, e na maneira imperfeita de obedecer, quer incompleta, quer servilmente, como se faria para uma pessoa humana e não para Deus, ou por desejo de obter honras e dignidades.
 
Notamos, em conformidade com muitos autores, que a celebração da Missa pode ser celebrada dignamente com espírito de fé ou piedade ; também pode ser mais lida que celebrada, como que para cumprir um dever, ao modo de um funcionário ou de um magistrado que cumpre regularmente sua função civil ; por fim, pode ser despachada com precipitação, em vinte minutos, por exemplo, ou mesmo em menos tempo, sem nenhuma piedade e, por vezes, para escândalo dos fiéis. Na primeira maneira, há o espírito de Deus ; nas duas outras, trata-se evidentemente do espírito da natureza. É preciso pregar sobre esse assunto nos exercícios espirituais para o clero.
 
Que é preciso dizer contra o espírito natural na celebração da Missa4?
 
A celebração quotidiana é útil para todos os padres : 1) em razão do sacrifício que por quatro fins oferecemos a Deus : adoração, súplica, reparação, ação de graças pelos benefícios de cada dia ; 2) em razão da comunhão sacramental, em que recebemos o pão supersubstancial de cada dia ; 3) por causa do grande proveito que daí resulta para a Igreja universal e todos fiéis vivos ou mortos.
 
Ademais, se o padre celebra raramente, falta com seu dever e enterra seu talento na terra. A celebração quotidiana da Missa requer uma preparação digna.
 
Que fazer, em caso de dúvida, quando ignoramos se tal pessoa que devemos dirigir é normalmente dirigida por um espírito bom ou mal ?
 
1. É preciso sobretudo examinar sua humildade.
2. Sua mortificação.
3. Sua obediência ao diretor.
4. Ele mesmo deve rezar para receber a luz de Deus.
 
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS SINAIS DO ESPÍRITO MAU.
 
Ao contrário do espírito divino, o espírito diabólico conduz à exaltação do orgulho e, em seguida, lança a alma na confusão e no desespero, assim como ocorreu ao demônio, que pecou por orgulho e segue no desespero eterno e no ódio de Deus.
 
Para conhecer este espírito mal, é preciso portanto considerar sua influência no que diz respeito à mortificação, à humildade e à obediência e, em seguida, no que diz respeito às virtudes teologais. O espírito demoníaco não nos afasta sempre da mortificação; ele difere, assim, do espírito de natureza e, por vezes, até o contraria e conduz a uma mortificação exterior exagerada, visível a todos, que entretém o orgulho espiritual e enfraquece a saúde. Mas não inclina à mortificação interior da imaginação, do coração, da vontade própria e do julgamento próprio, ainda que estimule, por vezes, inspirando escrúpulos quanto à pequenos detalhes e laxismo quanto às coisas de maior importância, como os principais deveres de estado, por exemplo. Ele inspira assim a hipocrisia : « Jejuo duas vezes na semana » (Lc 18, 12).
 
Este espírito não nos conduz à humildade, mas nos engana pouco a pouco, para que nós nos estimemos mais do que devíamos, mais do que aos outros, com o objetivo de nos fazer rezar ao modo do fariseu: « Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens : ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano » (Lc 18, 11). Este orgulho espiritual é acompanhado de uma falsa humildade, do fato de confessarmos um pecado pessoal, para que os outros não nos acusem de uma falta ainda mais grave e nos considerem humildes. O espírito mal faz ainda com que confundamos a humildade com a timidez, que é filha do orgulho e teme o desprezo. Do mesmo modo, não engendra a obediência, mas a desobediência ou o espírito servil, conforme as circunstâncias.
 
Quanto à fé, o espírito mau não inclina nosso espírito a considerar no Evangelho o que é ao mesmo tempo mais simples e mais profundo, por exemplo, não nos faz dizer com atenção e devoção a oração dominical, meditar os mistérios do santo rosário, mas apenas nos interessa ao que é extraordinário e favorece a ostentação, como quando disse ao Salvador : « Se és filho de Deus, lança-te daqui abaixo ; porque está escrito que Deus mandou aos seus anjos que te guardem, e que te sustenham em suas mãos, para não magoares o teu pé em nenhuma pedra. ». Ao que Jesus respondeu :« Também foi dito : Não tentarás o Senhor teu Deus ».
 
O espírito mau, do mesmo modo, nos incita ao que é contrário à nossa vocação ; por exemplo, leva um monge cartuxo a querer evangelizar os infiéis ou um missionário à vida solitária dos cartuxos. Ou ainda, no que diz respeito à devoção, inspira a rezar à revelia da liturgia, por exemplo, rezar a sexta-feira santa como se fosse Natal ou vice-versa. Do mesmo modo, nas coisas da fé, conduz a novidades dogmáticas, como, por exemplo, no tempo do modernismo, a ler os livros dos protestantes liberais sob pretexto de adaptar nossa fé ao pensamento moderno. Ou, ao contrário, se nossa inclinação natural está em sentido oposto, nos incita a um arcaísmo imoderado, para provocar o conflito entre católicos ; assim, levava os israelistas recém convertidos ao Cristianismo a voltar à lei mosaica ; é contra esta tentação que foi escrita a Epístola aos Hebreus, onde está dito (3, 13)  « Exortai-vos uns aos outros todos os dias, para que nenhum de vós se endureça, seduzido pelo pecado. ». Do mesmo modo, o espírito mau altera os dogmas : por exemplo, o da predestinação quandosurge no calvinismo; então se realiza o adágio : corruptio optimi pessima. A corrupção do melhor é a pior das coisas. O demônio conhece muito bem este provérbio e trabalha para a perversão da fé sobrenatural. Ele sabe, com efeito, que não há nada pior, nada de mais perigoso que o cristianismo falseado, que conserva uma certa aparência de verdade, e ele age, por vezes, como um falso Cristo antes de aparecer como Anticristo. Tal como existiu no pensamento de Lutéro e Calvino (não nos protestantes de boa fé), o protestantismo é então alguma coisa de pior e de mais perigoso que o naturalismo, pois é mais sedutor e abusa ainda mais da sagrada Escritura. É verdade que aceita a Escritura, mas para um uso depravado.
 
O naturalismo prático e, em seguida, teórico, provém muitas vezes do espírito da natureza decaído, mas a perversíssima corrupção dos dogmas sobrenaturais, como no calvinismo, vem do espírito do demônio. Alterar a fé divina é, portanto, podemos dizê-lo, utilizar-se de uma arma de grande precisão, não contra os inimigos, mas contra os próprios irmãos e contra si próprio – é um fratricídio e um suicidio. Assim se explica, em grande parte, a história da pseudo-Reforma quanto ao seu espírito, ainda que muitos protestantes estejam de boa fé, pelo fato de ignorarem o verdadeiro espírito do protestantismo.
 
Quanto à esperança, o espírito mau trabalha para fazer com que nossa esperança degenere em presunção ; por exemplo, quer-se chegar rapido demais à santidade, e não pouco a pouco, subindo os degraus necessários, nem pela via da humildade e da abnegação. Ele inspira igualmente uma certa impaciência quanto à nós mesmos, uma vez que nossos defeitos parecem grandes demais. Por conseqüência, produz em nós a indignação no lugar da contrição, uma indignação que é filha do orgulho e contrária à contrição. Ora, a presunção conduz ao desespero, quando se verifica a impossibilidade de chegar por suas próprias forças ao fim visado : o bem árduo parece então quase inacessível – é a desesperança.
 
Quanto à caridade, o espírito mau favorece os simulacros que são como um falso diamante ; assim, conforme as inclinações variadas e opostas de nossa natureza, ele inclina algumas a esta falsa caridade para com o próximo que é o sentimentalismo, com uma indulgência excessiva sob pretexto de misericórdia e de generosidade. Em outros engendra um falso zelo : queremos sempre corrigir os outros, mas não a nós mesmos e, vendo a aresta no olho de nosso irmão, não vemos a trave no nosso olho.
 
De tudo isto resulta o contrário da paz, ou seja, a discórdia. O homem conduzido por este espírito não pode suportar a contradição, não vê senão a si mesmo em sua ofuscante personalidade, e se coloca, inconscientemente, acima de todos os demais, como uma estátua sobre o seu pedestal.
 
Se este homem cai em um pecado grave e manifesto que não pode esconder, ele se deixará vencer pela confusão, indignação, desespero e, enfim, pela cegueira do espírito e pelo endurecimento do coração. Antes desta falta, o demônio escondia as conseqüências desencorajantes do pecado e inspirava o relachamento ; agora, após a falta, fala da justiça inexorável de Deus, para nos conduzir ao desespero. É assim que forma as almas à sua imagem : após o arrebatamento do orgulho, vem o desespero.
 
Portanto, se alguém tem uma grande devoção sensível na oração, mas sai dela com maior amor próprio, julgando-se acima dos outros, sem obediência aos superiores, desprovido de simplicidade no que toca seu diretor espiritual, isto é sinal da presença do espirito mau na sua devoção sensível. A falta de humildade, obediência e caridade fraterna é o indício de que se está privado do espírito de Deus.
 
Vamos agora aos sinais deste último.
 
DESCRIÇÃO DOS SINAIS DO ESPÍRITO DE DEUS
 
Estes sinais opõem-se aos do espírito da natureza e do espírito demoníaco. O espírito de Deus inclina à mortificação exterior, no que difere do espírito de natureza, mas à mortificação exterior regrada pela prudência cristã e pela obediência, e que não atrai a atenção para nós nem enfraquece a saúde. Este espírito nos ensina, por outro lado, que a mortificação exterior é coisa pequena, se não há, ao mesmo tempo, a mortificação da imaginação, da memória (lembrança dos erros que cometemos), do coração, da vontade própria e do julgamento próprio. Inspira igualmente a verdadeira humildade, que dispõe à perfeita obediência, nos impede preferirmos a nós mesmos que aos outros, não teme o menosprezo, guarda silêncio sobre nossas qualidades ; no entanto, ela não os nega, se existem, mas rende glória a Deus por elas.
 
O espírito de Deus alimenta nossa fé com o que há de mais simples e profundo no Evangelho, como, por exemplo, o Pai Nosso, fazendo-nos fugir às novidades pela fidelidade à tradição. Esta verdadeira fé sobrenatural nos revela a presença de Deus nos nossos superiores ; assim, aperfeiçoa-se o espírito de fé, porque tudo julgamos à luz dessa virtude.
 
O espírito de Deus torna a esperança firme, preservando-a da presunção ; diz-nos, por exemplo : é preciso desejar ardentemente a água viva da oração, que conseguimos pela via da humildade, da abnegação e da cruz. Por consegüinte, dá-nos uma santa indiferença pelo sucesso humano.
 
O espírito de Deus aumenta o fervor da caridade, dá o zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas, o esquecimento de si mesmo. Assim, pensamos antes de tudo em Deus, depois em nosso benefício. Inclina igualmente ao amor eficaz ao próximo ; nos ensina que a caridade fraterna é o principal indício do progresso no amor de Deus. Impede o julgamento temerário, o escândalo sem motivo. Inspira o zelo, certamente, mas um zelo paciente, doce e prudente, que edifica pela oração e pelo exemplo e não se irrita pelas repreensões intempestivas. Produz uma grande paciência nas adversidades, o amor pela cruz, o amor pelos inimigos. Propicia a paz com Deus, com os outros, com nós mesmos e, freqüentemente, a paz interior.
 
Se ocorre uma queda acidental, então o espírito de Deus nos fala em misericórdia. S. Paulo diz  (Gl 5, 22-23): « O fruto do Espírito é a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a longanimidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade. », com a humildade e a obediência.
 
Se se trata de um ato particular, é mais difícil discernir se provém ou não de Deus. No entanto, se, encontrando-se antes na tristeza, a alma reza e recebe uma consolação profunda, é o sinal da visita de Deus, se esta consolação incita à obediência humilde e à caridade fraterna.
 
Mas é preciso distinguir o primeiro momento da consolação do tempo seguinte, onde, por vezes, a alma julga por si mesma sobre esta consolação e o pode fazer conforme seu amor próprio.
 
Haverá presunção se desejar graças propriamente extraordinárias, como visões ou palavras interiores ; mas se a alma vive e persevera na humildade, abnegação e recolhimento quase contínuo, não é raro que, em virtude dos sete dons do Espírito Santo, ela receba inspirações pelas quais se conciliam a simplicidade e a prudência, a humildade e o zelo, a firmeza e a doçura. Esta conciliação e esta harmonia constituem sinal claríssimo do espírito de Deus.
 
O segredo, o silêncio e a cruz são absolutamente necessários àqueles a quem Deus conduz verdadeiramente por vias extraordinárias e estes não as devem manifestar senão ao seu pai espiritual ; caso contrário, há grande perigo de orgulho espiritual.
 
Particularmente perigosa é a disposição de se comprazer nas revelações, de forma dogmática ou profética ; pois elas se acompanham facilmente de ilusões, e mesmo se a primeira inspiração vêm de Deus, freqüentemente vêm a ela se acrescentar uma interpretação humana, mais ou menos errônea, geralmente compreendida de modo extramamente material. Enfim, o espírito que procura êxtases e revelações, se não aperfeiçoa os costumes e a vida, e não faz o homem desconfiar-se de si mesmo, é um espírito de ilusão, sobretudo se todo isto impede a realização do dever de estado e engendra discórdias. Os sinais do espírito de Deus são, portanto, a obediência humilde, a caridade fraterna, a paz e a alegria espiritual radiantes.
 
PRINCÍPIOS SECUNDÁRIOS DO DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS
 
1. No que se apresentaprontamente para ser feito, o espírito que anima alguém se manifestará se, após deliberação, desconfiar-se de si mesmo. No entanto, nesta regra, não se trata do movimento primo primus, nem do pecado de fragilidade, mas de um ato suficientemente deliberado e grave que o hipócrita não pode esconder ; assim se revelou o coração dos fariseus após a cura imprevista do cego de nascimento.
 
2. Os segredos do coração se revelam nas tribulações. Assim, os verdadeiros amigos permanecem nos dias de tribuação, mas não os demais, como está escrito no Eclesiastico (4, 8). Do mesmo modo, a tribulação é como uma fornalha onde Deus prova seus eleitos, conforme outra passado do Eclesiástico (27, 6) : « O forno prova os vasos do oleiro e a prova da tribulação, os homens justos » . Lê-se no livro da Sabedoria (3, 5- 8) : « Deus, que os provou, achou-os dignos de si. Ele os provou como ouro na fornalha, e aceitou-os como um holocausto. Os justos resplandecerão no tempo da recompensa, propagar-se-ão como centelhas sobre o colmo. Julgarão as nações, dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. » Mas, para isso, a tribulação era necessária ; « Numerosas são as tribulações dos justos » ; sua longanimidade, sua humildade, sua mansidão, sua indefectível perseverança então se manifestam.
 
3. O poder revela o homem ; pois, quando adquirimos poder e honras, devemos corrigir e governar os outrros, o que importa bem mais dificuldades do que antes fazíamos em nossa vida privada. Com efeito, é preciso mostrar sabedoria, prudência, sem oportunismo e utilitarismo mesquinhos, caridade para com todos e justiça, igualmente, uma firmeza que não teme corrigir os maus, enfim, bem-querer pelos bons servidores que devem ser ajudados. Ver o Diálogo de santa Catarina de Sena, no lugar em que trata dos bons e dos maus pastores.
 
REGRAS PARA CIRCUNSTÂNCIAS DIVERSAS
 
1. Nos momentos de desolação, não se deve fazer nenhuma alteração, mas manter com firmeza e confiança as resoluções que já tomamos diante de Deus. Isto é sobretudo verdadeiro caso se trate de uma desolação acachapante, que leva à uma tristeza má onde o espírito perverso será nosso guia.
 
2. Nos momentos de desolação, é preciso dedicar-se ainda mais à oração, ao exame de consciência e à penitência. Por que ? Porque a desolação, gerada pelo desgosto nos afasta da oração, do exame de consciência e da penitência. Cura-se, portanto, os contrários pelos contrários. Qualquer que seja a causa de que provenha, esta desolação deve ser, para nós, ocasião de uma reação virtuosa ou de um ardor da alma para o serviço de Deus. Ver A Imitação de Cristo, livro I, c. 12 : Vantagens da adversidades ; lê-se o seguinte : « A adversidade lembra o homem de seu próprio coração, de modo que se conheça em exílio e não ponha sua esperança em nenhuma coisa desse mundo ». Assim, pouco a pouco, graças à oração, a tristeza, de maléfica que era, torna-se boa.
 
3. O espírito mal nos engana atraíndo nossa alma a um bem aparente e, em seguida, nos induz e incita ao mal. Trata-se, propriamente falando, de uma sedução, pior ainda, o demônio se transfigura por vezes em anjo de luz : sob o pretexto de melhorar as coisas inferiores, nos tira da via de Deus, para nos fazer desejar a comodidade antes que a santidade. Provoca, assim, divisões, perturba a paz e semeia a discórdia. 
 
4. Se nos entristecemos por ser menosprezados, é sinal, senão do espírito mal, ao menos de um espírito imperfeito ; portanto, se nos descorajamos quando somos menosprezados, é um mau sinal, sobretudo nos que passam por ser gratificados com os maiores dons de Deus. Pois os que são verdadeiramente tais não se rejubilam apenas destes dons e favores, mas também das adversidades e desprezos, conforme as palavras de S. Paulo (2 Cor 12, 5, 10) : « Quanto a mim, de nada me gloriarei, senão das minhas fraquezas... para que habite em mim o poder de Cristo. Por isso, sinto complacência nas minhas enfermidades, nas afrontes, nas necessidades, nas perseguições, nas angústicas por amor de Cristo ». Assim, como diz Santo Agostinho « o Apóstolo encontrou um tesouro no menosprezo do qual corava o filósofo » (Sermão 160).
 
Conseqüentemente, o espírito que se recusa a ser menosprezado não é um espírito perfeito ; do mesmo modo, aquele que deixa de renunciar a si mesmo não é de sólida virtude. Pois, do fato de serem conexas, todas as virtudes devem aumentar ao mesmo tempo.
 
COROLÁRIOS :
 
1. O espírito que abunda em penitências e é pobre em obediência é imperfeito e tende ao mal de algum modo, porque está demasiado preso à vontade própria ; realiza muitas boas obras, mas não por amor de Deus ; a prova é que não crê nesta humilde obediência que manifesta conformidade com a vontade de Deus.
 
2. Também não é um bom espírito aquele que é dado ao paradoxo, isto é, que julga habitualmente de modo excepcional ou que vai de encontro à apreciação comum das pessoas prudentes, que tem algo de estranho e artificial : contém mais grandiloqüência que virtude.
 
3. Também é mau espírito o que inclina a coisas extraordinárias e fala delas abertamente, sem discrição. A razão disso é que todas as virtudes aumentam ao mesmo tempo, pelo fato de serem conexas ; conseqüentemente, Deus não incita a grandes coisas sem inspirar, ao mesmo tempo, uma grande humildade. Assim, a verdadeira magnanimidade difere da impetuosidade da presunção. Ao contrário, é próprio do demônio incitar empresas novas, curiosas, singulares, prodigiosas, inusitadas, provocando a admiração e o estupor para obter as honras da santidade.
 
O mesmo se passa com alguém que, sem estar solidamente firmado na humildade e obediência, inclina-se a uma vida extraordinária de oração e penitência, sob pretexto de imitar os santos nas suas ações mais admiráveis e menos imitáveis.
 
A construção do edifício espiritual não pode começar pelo telhado, e o pássaro não pode voar antes de possuir asas. Assim ocorre com a alma: se alguém se encaixa nessa descrição e parece voar, não se trata senão de um simulacro de vôo ou de elevação, uma vã e perigosa exaltação.
 
CONCLUSÃO
 
De tudo isto resulta claramente que o espírito de Deus manifesta-se sobretudo na humilde obediência e na caridade fraterna, que ama o próximo por Deus com abnegação. Pois a humilde obediência não provém do espírito da natureza que não inclina à humildade, nem do espírito perverso, que é um espírito de orgulho e de desobediência ; ao contrário, a humilde obediência, mesmo nos mais pequenos detalhes, manifesta a progressiva conformidade com a vontade divina.
 
Por outro lado, a caridade fraterna é o maior sinal do amor de Deus, conforme as palavras do Senhor (Jo 13, 35) : « Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros ». A caridade fraterna é o termômetro sensível da nossa união com Deus ; pois é de modo bem sensível que aparece nossa caridade quando se trata de ajudar o próximo, sobretudo se é difícil e exigente ; então, se o amamos apesar desta dificuldade, é sinal de que nós lhes fazemos o bem por causa de Deus e que, por conseqüência, aumenta nossa caridade para Deus mesmo. Não há duas virtudes de caridade, uma para Deus, outra para o próximo. Não há senão uma só caridade, cujo objeto principal é Deus e cujo objeto segundo é o próximo. O amor visível do próximo manifesta assim o amor invisível de Deus, na medida em que se distingue do sentimentalismo.
 
Portanto, se a humilde obediência e a caridade fraterna se conservam e progridem numa alma ou numa comunidade, é, pois, sinal de que um verdadeiro amor de Deus aí progride. Por consegüinte, se esta alma carece um pouco de inteligência natural e de energia física, Deus o suplantará pelas inspirações de seus dons de conselho e de força.


(Traduzido por Permanência a partir de www.salve-regina.com )
 

 

  1. 1. Ver também : Imitação de Cristo, 1, III, cap. 4 : Os diversos movimentos da natureza e da graça.
  2. 2. Manchas [do pecado original] (Cf. Ia-IIae, q. 85, a. 3): - na razão decaída de sua orientação para a verdade, ignorância no lugar de prudência; na vontade, quanto ao bem em geral, malícia no lugar de justiça; no irascível, quanto ao bem árduo, fraqueza no lugar de força; no concupiscível, quanto ao bem deleitável regrado pela razão, concupiscência no lugar de temperança.
  3. 3. Ia-IIae, q. 77, a. 4 e 5; cf. Bossuet, Tratado da concupiscência.
  4. 4. Cf. Imitação de Cristo, 1, 4, c. 5: Excelência do sacramento e do estado sacerdotal.
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