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Art. 2 ─ Se a auréola difere do fruto.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que a auréola não difere do fruto.

1. ─ Pois, ao mesmo mérito não podem ser devidos prêmios diversos. Ora, ao mesmo mérito corresponde a auréola e o fruto do cêntuplo, i. é, o da virgindade, como o diz a Giosa a um lugar do Evangelho. Logo, a auréola é o mesmo que o fruto.

2. Demais. ─ Agostinho diz, que o fruto centuplicado é o devido ao mártir. Ora, também esse mesmo fruto é devido à virgem. Logo, o fruto é um prêmio comum às virgens e aos mártires. Mas também a eles lhes é devida a auréola. Logo, a auréola é o mesmo que o fruto.

3. Demais. ─ Na beatitude só há dois prêmios ─ o essencial e o acidental, acrescentado ao essencial. Ora, esse prêmio acrescentado ao essencial é o que se chama auréola, como se conclui de um lugar da Escritura onde se fala da auréola acrescentada à coroa de ouro. Ora, o fruto não é um prêmio essencial, porque, se o fosse, seria devido a todos os bem-aventurados. Logo, é o mesmo que a auréola.
 
Mas, em contrário, ─ Coisas que não tem a mesma divisão também não têem a mesma razão de ser. Ora, o fruto e a auréola não tem a mesma divisão; pois, aquela se divide em auréola das virgens, dos mártires e dos doutores; ao passo que os frutos são os dos casados, das viúvas e das virgens. Logo, o fruto e a auréola não são idênticos.

2. Demais. ─ Se fruto e auréola fossem o mesmo, a quem fosse devido o fruto sê-lo-ia também a auréola. Ora, isto é evidentemente falso, pois, o fruto é devido à viuvez, mas não a auréola. Logo, etc.

SOLUÇÃO. ─ Palavras tomadas em sentido metafórico são susceptíveis de várias acepções, conforme as suas aplicações às diversas propriedades do objeto onde essas palavras derivaram. Ora, na ordem natural, fruto propriamente é o que nasce da terra. Donde, segundo as diversas condições em que possam encontrar-se os frutos da terra, assim as diversas acepções dos frutos espirituais. Ora, o fruto da terra tem uma doçura nutritiva, e por isso os homens usam dele. E também a produção última a que chega a obra da natureza. E é enfim o que o agricultor espera pelo semear ou de quaisquer outros modos.
 
Outras vezes, porém, o fruto é tomado em sentido espiritual, pelo último fim, em que descansamos. Assim, dizemos ─ fruir de Deus ─ perfeitamente, na pátria; imperfeitamente, neste mundo. Desse sentido, deriva a fruição, que é um dote. Mas não é neste sentido que agora tratamos dos frutos.

Outras vezes ainda, o fruto é tomado em sentido espiritual, para significar que refazem  a alma com a pureza da sua doçura, na expressão de Ambrósio. Tal o sentido dessa palavra no lugar seguinte do Apóstolo: Mas o fruto do espírito é a caridade, o gozo, etc. E neste sentido também tratamos aqui dos frutos.

Mas podemos também tomar a palavra fruto em sentido espiritual, por semelhança com os frutos da terra. E assim como estes são o proveito esperado do trabalho da agricultura, fruto também se chama o prêmio que o homem colhe dos seus trabalhos nesta vida. E então todo o prêmio que recebermos na vida futura, dos nossos trabalhos, chama-se fruto. Tal o sentido desse vocábulo no lugar seguinte do Apóstolo: Tendes o vosso fruto em santificação e por fim a vida eterna. E ainda este não é o sentido em que agora empregamos a palavra fruto.
 
Mas do fruto tratamos como significando o que nasce da semente; é assim que o Senhor entende o fruto, quando se refere à semente que produz trinta, sessenta e cem por um. Ora, nesta acepção, o fruto pode provir da semente, porque tem ela uma virtude eficaz para converter os humores da terra na sua natureza; e quanto mais eficiente for essa virtude e a terra melhor amanhada, tanto mais rica será a frutificação. Ora, a semente espiritual semeada em nós é a palavra de Deus. Por onde, quanto mais espiritual e afastada da carne for a vida que vivermos, tanto mais frutos produzirá em nós a palavra divina. Neste sentido, pois, o fruto difere da coroa de ouro e da auréola, porque a coroa de ouro consiste na alegria com a posse de Deus; a auréola no gáudio com as obras de perfeição; mas os frutos, o gáudio que tem o agente com o seu próprio ato, conforme o grau de espiritualidade a que ascendeu por virtude da semente da palavra de Deus.
 
Certos porém distinguem entre a auréola e o fruto, dizendo que a auréola é devida ao lutador, segundo aquilo do Apóstolo: Não será coroado senão quem combater conforme à lei. Ao passo que o fruto é o resultado de quem trabalha, segundo o lugar da Escritura: O fruto dos bons trabalhos é glorioso. Mas outros pretendem que a coroa de ouro respeita a conversão para Deus; ao passo que a auréola e o fruto são meios para a consecução do fim, mas de modo que o fruto respeita mais principalmente a vontade, enquanto que a auréola concerne antes o corpo.

Mas como o trabalho e o combate tem um só e mesmo objeto e são considerados na mesma relação, e o prêmio do corpo depende do da alma, de acordo com a opinião supra-referida não haveria distinção, entre fruto, coroa de ouro e auréola, senão lógica. O que não pode ser, pois, a certos se atribuem frutos, a que não se atribui a auréola.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não há inconveniente em atribuir prêmios diversos a um mesmo mérito, conforme os elementos diversos que ele encerra. Assim, à virgindade corresponde a coroa de ouro, quando conservada por amor de Deus e sob o império da caridade; a auréola porém, enquanto obra de perfeição equiparável a uma vitória excelente; o fruto enfim, porque a virgindade alça o homem a um como estado espiritual, afastando-o da carnalidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O fruto, na sua acepção própria, em que agora o tomamos, não significa um prêmio comum ao martírio e à virgindade, mas aos três graus de continência. Quanto à Glosa citada, que considera o fruto centuplicado como devido aos mártires, toma o fruto em sentido lato, em que a toda remuneração se dá esse nome. Assim, o fruto centuplicado designa a remuneração devida a quaisquer obras de perfeição.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a auréola seja um prêmio acidental acrescentado ao essencial, contudo nem todo prêmio acidental é auréola; mas só o prêmio devido às obras de perfeição, pelas quais o homem se conforma soberanamente com Cristo, pela vitória perfeita. Não há, pois, nenhum inconveniente em que possa merecer um prêmio acidental quem se absteve da vida carnal, prêmio que se chama fruto.

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