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Art. 1 ─ Se haverá a ressurreição dos corpos.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não haverá ressurreição dos corpos.

1. ─ Pois, a Escritura diz: O homem, quando dormir, não ressurgirá, menos que o céu seja consumido. Ora, o céu será consumido, porque a terra, cuja nobreza é menor, permanece sempre firme, como diz a mesma Escritura. Logo, o homem, depois de morto, nunca ressurgirá.

2. Demais. ─ O Senhor prova a ressurreição por aquela autoridade: Eu sou o Deus de Abraão, e o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, porque Deus não no é de mortos, mas de vivos. Ora, sabemos que, quando essas palavras foram pronunciadas, Abraão, Isaac e Jacó não tinham a alma unida ao corpo, a qual existia separada. Logo, a ressurreição não será dos corpos, mas só das almas.

3. Demais. ─ O Apóstolo prova a ressurreição como recompensa dos trabalhos, que nesta vida sofreram os santos; os quais, se tivessem as suas esperanças limitadas à vida presente, seriam os mais miseráveis de todos os homens. Ora, a alma só por si pode receber suficiente remuneração de todos os trabalhos desta vida. Pois, nenhuma necessidade há de o instrumento ser remunerado simultaneamente com o agente, que o empregou. Ora, o corpo é instrumento da alma. Por isso, também no purgatório, onde as almas serão punidas pelo que fizeram, quando estavam unidas ao corpo, a alma é só a punida, sem o corpo. Logo, não é de nenhum modo necessária a ressurreição dos corpos, bastando a ressurreição das almas, consistente em passarem do estado de culpa e de miséria para a vida da graça e da glória.
 
4. Demais. ─ O último estado de um ser é o seu estado mais perfeito, porque por ele atinge o seu fim. Ora, o estado mais perfeito da alma é existir separada do corpo, porque então mais se assemelha a Deus e aos anjos e é mais pura, assim desligada de toda natureza estranha. Logo, existir separada do corpo é o seu último estado. Portanto, desse estado não mais voltará a se unir ao corpo, como um adulto não se torna mais em criança.
 
5. Demais. ─ A morte do corpo é uma pena imposta ao homem por causa da prevaricação primitiva, como lemos na Escritura; assim como a morte espiritual, consistente em separar-se a alma, de Deus, foi infligida ao homem pelo pecado mortal. Ora, da morte espiritual nunca mais o homem volta à vida, depois de recebida a sentença da condenação. Logo, também não mais voltará da morte para a vida do corpo. Portanto, não haverá ressurreição.

Mas, em contrário, a Escritura: Eu sei que o meu Remidor vive e que eu no derradeiro dia ressurgirei da terra e serei novamente revestido da minha pele, etc. Logo, haverá ressurreição dos corpos.

2. Demais. ─ O dom de Cristo é maior que o pecado de Adão. Ora, a morte foi introduzida pelo pecado, pois se este não fosse, aquela não existiria. Logo, pelo dom de Cristo, da morte o homem ressurgirá para a vida.

3. Demais. ─ Os membros devem servir à cabeça. Ora, a nossa cabeça vive e viverá eternamente em corpo e alma, porque tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. Logo, também os homens, que são os seus membros, viverão em corpo e alma. Por onde, há necessariamente a ressurreição da carne.

SOLUÇÃO. ─ Conforme o que pensam sobre o fim último do homem, assim se diversificam as opiniões dos que admitem ou negam a ressurreição. Ora, o fim último, que todos os homens naturalmente desejam, é a felicidade. E esta, conforme ensinam alguns, o homem pode consegui-la ainda nesta vida. Daí o não terem necessidade de admitir uma vida futura, onde o homem realizasse a sua perfeição última. Negavam por isso a ressurreição. ─ Ora, esta opinião muito provavelmente a excluem as vicissitudes da fortuna, as enfermidades do corpo humano, a imperfeição e a instabilidade da nossa ciência e da nossa virtude. O que tudo impede a perfeição da felicidade, como o demonstra Agostinho.

Por isso outros ensinaram que há uma vida futura onde, depois da morte, só a alma viverá; e que esta vida basta a satisfazer o desejo natural que o homem tem da felicidade. Por isso Porfírio, citado por Agostinho, dizia: A alma para ser feliz há de separar-se o mais possível do corpo. Por onde, esses tais não admitiam a ressurreição.

Desta opinião, porém, variam os fundamentos que lhe foram dados.

Assim, para certos heréticos, todos os seres corpóreos vêm do princípio do mal; e os espirituais, do princípio bom. E então, necessariamente a alma só chegaria à sua perfeição suma quando desligada do corpo, o qual a separa do seu princípio, cuja participação só pode torná-la feliz. Por isso todas as seitas dos heréticos, de acordo com as quais todos os seres corpóreos foram criados ou formados pelo diabo, negam a ressurreição dos corpos. ─ Ora, a falsidade deste fundamento já foi exposta no princípio do livro 2. Outros porém opinaram, que a natureza total do homem é só a alma, de modo que esta usa do corpo como de um instrumento, ou como um nauta do seu navio. Por onde, de acordo com esta opinião, só a beatificação da alma já basta para não ficar o homem frustrado do seu desejo natural de felicidade. Portanto, nenhuma necessidade há de ressurreição. ─ Mas este fundamento o Filósofo suficientemente o refuta, mostrando que a alma está unida ao corpo como a forma à matéria. Por onde, é claro que nesta vida o homem não podendo ser feliz, é forçoso admitir-se a ressurreição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O céu não será consumido nunca na sua substância, mas no efeito da sua virtude, que é produzir a geração e a corrupção nos seres terrestres em razão do que diz o Apóstolo: A figura deste mundo passa.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A alma de Abraão não é, propriamente falando, Abraão mesmo, mas, como nos outros homens, parte dele. Por onde, a vida da alma de Abraão não basta para fazer de Abraão um ser vivo, ou para que o Deus de Abraão seja o Deus de um vivo. Mas é   necessária a vida do conjunto todo, i. é, da alma e do corpo. Cuja vida, embora não existisse em ato, quando as referidas palavras foram pronunciadas, supunham porém que uma e outra parte se ordenavam à ressurreição. E assim o Senhor, com essas palavras prova a ressurreição subtilissima e eficazmente.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A alma não está para o corpo somente como um agente para o instrumento de que se serve, mas também come a forma para a matéria. Por isso é todo o composto que opera e não só a alma, como está claro no Filósofo. E como ao operário é devida a sua paga, é o homem mesmo, composto de alma e de corpo, que há de necessariamente receber a recompensa dos seus atos. ─ Quanto aos pecados veniais, são assim considerados por serem umas como disposições para pecar, e não que realizem absoluta e perfeitamente a noção de pecado. Por isso a pena a que dão lugar no purgatório não é uma retribuição, absolutamente falando, mas antes uma purificação, sofrida separadamente ─ o corpo pela morte e a redução a cinzas; a alma, pelo fogo do purgatório.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Todas as circunstâncias iguais, mais perfeito é o estado da alma unida ao corpo, que dele separada. Porque é parte de todo um composto; e toda parte integrante material o é em relação a um todo. Embora a alma separada seja, de certo modo, mais semelhante a Deus. Contudo, absolutamente falando, um ser mais se assemelha a Deus quando tem tudo o requerido pela condição da sua natureza; pois então imita melhor a perfeição divina. Por isso, o coração de um ser vivo é mais semelhante a Deus imóvel, quando se move, que quando está parado, porque a perfeição do coração está em mover-se, sendo o repouso a sua destruição.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A morte do corpo foi introduzida pelo pecado de Adão, que a morte de Cristo deliu. Por isso a referida pena não é perpétua. O pecado porém, que pela impenitência acarreta a morte eterna, não mais será expiado. Por isso tal morte será eterna.

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